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Punheta e poesia, de Minás Kuyumjian Neto

JLM

mata o branquelo detta walker
é um texto antigo, mas q ainda revela algo interessante sobre o prazer de ser escritor.

PUNHETA E POESIA
por Minás Kuyumjian Neto

Ser poeta é conviver na mesma cela com a frustração e o desencanto. Não me refiro ao ato de escrever, pois esse é o lado agradável e até gratificante do processo. O problema insolúvel que se agrava dia a dia está na destinação e usufruto da obra acabada. Se nosso mercado consumidor de literatura é assim melancolicamente irrisório, imagine como se poderia então dimensionar a demanda por poesia – de certa forma um subsetor "especializado" e restrito da literatura. O quadro exibe tal penúria que nem é preciso recorrer a quais¬quer estatísticas ou depoimentos doutos para constatar-se claramente que poesia, neste país, não existe como fato consumado. É algo que brota nos porões de nossa tradicional incivilidade, como erva-daninha que resiste aos mais sofisticados esforços de extermínio. Esse teimoso germinar é fruto da incansável persistência de uma espécie de seita secreta de poetas isolados que, por não poderem publicar ou distribuir seus trabalhos, ignoram as tendências da poesia como um todo e, portanto, desconhecem-se uns aos outros. E o problema se agrava pelo fato de que nesse campo não existem consumidores – apenas um diminuto grupo de leitores que, em última análise, se compõe quase exclusivamente dos próprios poetas.

Uma cobra que se devora pelo próprio rabo.

Nestes mais de trinta anos de irregulares mas persistentes tentativas literárias, constatei que o poeta brasileiro carece de consumidores não só por não conseguir publicar ou distribuir o seu trabalho; com toda certeza também não seria lido se fosse publicado. O motivo é desconcertante de tão simples: nem mesmo o consumidor de literatura lê poesia. Quantas e quantas vezes ouvi pessoas a dizer tran¬quilamente que não entendem poesia? Muitas. E esse tipo de comentário sempre me deixa bastante intrigado. Pode alguém, razoavelmente bem informado e leitor até assíduo de outros gêneros, não gostar exclusivamente de poesia, já que não entender, no caso, é eufemismo que significa não gostar? Como interpretar e aceitar essa suspeita unanimidade na segregação sumária da poesia em relação a crônicas, contos, novelas, romances, teatro e cinema?
Mas o fato infelizmente irrefutável é que a imensa maioria das pessoas reage negativamente diante de um poema. Faça um teste: dê a alguém de presente um livro de poesia. Observe como sua "vítima" segura o volume na ponta dos dedos, com atemorizada reverência, e gagueja em pânico: "Puxa, é poesia! Acho que não vou entender...". Nesse instante você vai perceber que não deu um presente, mas um problema.

Por que se reage dessa forma em relação à poesia?

Creio que as causas são várias, e se confundem com a postura do leitor em relação ao próprio livro como meio de comunicação, vanguarda de idéias ou entretenimento. Várias, porém simples.

A primeira envolve diretamente o autor, os críticos e, por decorrência, o leitor (entendido, aqui, como consumidor – ou seja, aquele que adquire livros como bem de consumo, e não como objeto de culto e adoração intelectual). Com raríssimas exceções, o literato brasileiro (juntamente com artistas e intelectuais) cultiva o auto-endeusamento típico de um ambiente de província. Isso significa, em outras palavras: "Sou especial e melhor que meus dessemelhantes, porque sou escritor". Minha afirmação não é, absolutamente, leviana: observe com atenção depoimentos e entrevistas de intelectuais brasileiros e note como, sem o menor pudor, pretende-se quase sempre impor uma automitificação: depois de duas ou três frases-de-efeito cuidadosamente calibradas para sensibilizar a mídia, passa-se a desfiar o ideário de um exótico alter-ego que exprime, de forma sutil e até grosseira, a sacralização da criação-como-dom-divino. Daí resultam as costumeiras "jóias" da bem-aventurança blasé: "São os perso¬nagens que me conduzem", "Fico tomado pelo texto", "Acordo de madrugada para anotar uma frase", "Preciso ouvir música clássica enquanto escrevo", "Só nu é que consigo trabalhar" e outras bobagens do tipo. Como se a produção literária, artística, intelectual, fosse assim tão "divina" e consequentemente tão diversa dos outros tipos "menos nobres" de trabalho...

É desalentador. Se o próprio escritor está assim tão à vontade ao expor-se como venerável semideus, por que não haveria a mídia em geral e os críticos em particular de se apresentar como verdadeiros deuses – eles, que acreditam monopolizar o poder de absolver ou condenar autores com a severidade ou complacência destila¬das com a bile do momento – e às vezes por interesses ou¬tros, mais rentáveis que biológicos?

Presa desse Olimpo caboclo de deuses e semideuses, o consumidor acaba achando que também ele precisaria ser agraciado por alguma espécie de dom divino para atingir tamanha plenitude de Sensibilidade, Distinção e Saber. Vai então à livraria e, com humildade e reverência, candidata-se a comprar um livro. Não uma obra técnica ou específica, mas um livro de literatura – para enriquecimento espiritual ou mera diversão. E, diante das prateleiras repletas, é preciso escolher. Crônicas? Romance, contos, teatro? Biografia? Ou, quem sabe, talvez, poesia?

Ele – consumidor, e não leitor – tem pela frente uma difícil escolha: os preços altos determinam que procure obter um máximo de produto ao menor custo. Pois comprar um livro não é muito diferente de se comprar um liquidificador: pretende-se obter o máximo através do mínimo. E o consumidor acaba naturalmente obedecendo à fascinação irrecusável do best-seller. Best-seller literário, sintomaticamente, é sempre um romance, por motivos óbvios: máximo de palavras por página, máximo de páginas por valor pago, entretenimento assegurado pelo invariável marketing que oferece autores "reconhecidos pela crítica e pelo público nos quatro cantos do mundo".

É um círculo-vicioso. Só vendem livros autores consagrados – o que, certamente, faz sentido em termos de qualquer mercado (quem procura o que não conhece?); os "aspirantes" procuram desesperadamente a auto¬mitificação como rota para a consagração; os críticos descon-sideram todo aquele que não seja um semideus já sancionado; e o consumidor – à deriva nessa roda-viva de vaidades e in¬teresses comerciais – reage como o ratinho branco num la¬birinto de previsíveis opções: compra o best-seller do momento, geralmente um romance comprometido com o lazer mais primário e absorvível, e o lê com a exaltação de quem assim se sente sintonizado com os ditames culturais do momento.

O outro aspecto básico do problema aponta para a educação. Muitos aprendem na escola que livro (e, principalmente, poesia), é uma coisa chata. Os professores, por triste tradição mal pagos e mal preparados, costumam exigir que seus alunos leiam um determinado livro de um determinado autor (José de Alencar, Olavo Bilac, Alexandre Herculano, Joaquim Manoel de Macedo e outros do tipo) – e, pior, mandam que os coitados façam resumos daquilo que foi lido. Como se o tal prazer da leitura pudesse nascer de uma imposição – e florescer no solo infértil desses melancólicos exercícios de non-sense pedagógico.

Exigir que se façam resumos de romances, contos ou poemas é, com toda certeza, a maneira mais eficiente e infalível de se demolir qualquer possível gosto ou interesse por literatura. Para que não haja dúvidas sobre a eficácia do método, por segurança escolhem-se obras e autores absolutamente indigeríveis – apadrinhados pelo civismo institucional, gongóricos, intermináveis, inexpressivos, dispensáveis e, principalmente, chatos. Imposta a escolha, não há como fugir – é preciso cumprir a ordem, mesmo que um ou outro jovem quisesse, talvez, ler outro autor ou rebelar-se contra essa institucionalização inventada pelo Reader's Digest e perpetuada pela miséria intelectual vigente. Quando cursava o então curso colegial assisti a uma cena extremamente ilustrativa: meu professor de português ostentava uma cultivada imagem de "filólogo" e, naturalmente, revelava-se radical vassalo daquilo que ele mesmo definia como "Os Clássicos"; daí presenciei o fato de que, num belo dia, expulsou da classe, indignado, uma garota que foi surpreen¬dida enquanto lia às escondidas, em aula, Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado. Não houve maiores consequências em relação ao incidente, mas estou certo de que o ocorrido no mínimo retardou, naquela garota, o interesse que poderia ter desenvolvido pela leitura de livros. Isso, justamente, que os currículos escolares mentirosamente propalam como um dos objetivos primordiais no ensino da língua.

O gosto pelos livros – e particularmente pela poesia – nasce e morre na adolescência. Quando estamos com treze, quatorze ou dezesseis anos, somos uma caldeira fumegante de fortes emoções. Tateamos caminhos em busca de nossa identidade, e exercemos total vulnerabilidade a todas as grandes paixões que constituem matéria-prima das mais nobres para a produção literária: morte, vida, ódio, amor, tempo, dor, natureza e todas os outros componentes viscerais que nos remetem à metafísica do mais puro sentimento trágico da vida. Nessa fase somos receptivos e propensos à poesia. É compreensível. Com o advento do "Ninguém me entende", do "O mundo está contra mim", do "Se eu morresse, eles iam ver a falta que faço" – quando não temos ainda um passado e o futuro nos assusta – é que sentimos realmente a urgente necessidade de conceituação. E, com isso, a poesia irrompe como algo importante em nossas vidas.

Aparecem então, não se sabe de onde, uns livros de poemas derramados, repletos de rimas de amor com dor, de só com dó, de ilusão com solidão – embaçados por brisas, brumas, névoas, gaivotas, crepúsculos, auroras, espumas e muitas outras imagens etéreas do mais primário apelo poético. E esse tipo de poesia alimenta o fogo da exacerbada juventude. Nesses poemas toda paixão é incompreendida, indagações metafísicas parecem fazer parte do cotidiano, a indefinição se revela despudorada num festival de reticências, a exaltação se traduz no excesso de exclamações e interrogações, a sisuda seriedade desconhece qualquer resquício de humor, e o ser sofrente morre de amor como quem troca de camisa. Sem falar em filões do tipo: De onde venho, para onde vou; Estou só; Perdido na multidão; A flor que brota no asfalto; Vivemos numa selva de concreto; etc. etc. etc. No fundo, esses livros cumprem uma importante função: participam dos flamejantes e desesperados amores juvenis, servem a deliciosos recadinhos apaixonados, preenchem páginas de diários enfeitados com flechas, corações e uma pitada de doce ingenuidade. Esses poemas ruins são, nesse aspecto, bons, pois alimentam a ilusão de eternidade de quem ama com o empenho e a paixão da adolescência. Representam, enfim, um primeiro e talvez último contato com o que se poderia chamar de uso prático da literatura.

Pois, feliz ou infelizmente, a adolescência tende a terminar. O jovem fica adulto e tudo aquilo é relegado ao baú de tolices da juventude. Então, como efeito retardado, aqueles tais poemas que tanto serviram aos bombásticos amores superados acabam criando um indesejável efeito colateral. O "leitor" passa a acreditar que poesia é isso: arroubo juvenil, dor-de-cotovelo, sonhos, emoções descontroladas. E confunde poesia com bobagem. Não é à toa que, quando alguém lê um texto inadequado, vazio ou incompreensível, classifica logo: "Isso não passa de poesia". Ou seja: encheção-de-linguiça, sonhar acordado, perda de tempo.

Daí para a frente, esse adulto só pode mesmo levantar rapidamente um escudo quando alguém aparece na sua frente com um papel onde as palavras se dispõem em linhas quebradas, às vezes com rimas e, sempre, refratárias e renitentes a uma fácil leitura imediata. Aquilo é difícil e aprioristicamente incompreensível. No fundo, ele está é sentindo falta das brumas e brisas que definiam aqueles poemas da juventude – ou seja, de palavras saturadas de sons, mas vazias de sentido.

Em nosso país, o parnasianismo é um vício protoplasmático: está entranhado em nossas vísceras, em nossas células – na atávica inanição de nosso cerebelo. Nós adoramos a palavra pela palavra – principalmente se ela ribomba com ecos grandiloquentes e quando não requer qualquer esforço de compreensão. A oratória é um verdadeiro nirvana brasileiro. Alguém sobe num palanque e literalmente canta um amontoado de palavras compridas, complicadas, barrocas – que enchem de vazio os ouvidos mais atentos –, e depois todos concordam que aquilo é importantíssimo, verdadeiro, emocionante... Mas é tudo pura entonação. É o som no lugar do significado. É quando a roupa se torna mais importante do que o corpo.

Comecei a escrever poemas lá pelos doze anos de idade. Meu primeiro trabalho se chamava, inevitavelmente, "Chuva". É claro: em todos os tempos a poesia, em sua mais espontânea e primária expressão, relacionou-se com a natureza. Afinal, ser poeta é exercer a ingenuidade da criança – assumir-se como silvícola que procura esculpir a realidade conforme sua própria ótica, utilizando a palavra como argila. E, como criança, o poeta enxerga o mundo a partir de uma perspectiva sempre nova, geralmente irreconhecível à primeira vista pelos que já têm uma visão estruturada e cristalizada das coisas. Teoricamente, o poeta objetiva mostrar – aos que poderiam ser os seus leitores – o resultado final dessa escultura produzida com a matéria-prima das palavras. Esse resultado não é, certamente, apenas um conglomerado de vocábulos que se reconhece como poesia só porque não ocupa todo o espaço da folha de papel. Muito mais do que isso, poesia é o que as palavras, reduzidas à essência do significado, possam provocar no leitor: alegria, tristeza, enlevo, tédio, indiferença – e, em raros casos, uma espécie de êxtase. Gostar de um poema é reconhecer nele aquilo que insuspeitadamente já sabíamos – ou sentíamos no ar: a repentina definição de algo indefinido, a constatação de uma verdade parcial e abrangente ou de uma verdade geral e absoluta – o deslumbramento diante da beleza fundamental dos símbolos primordiais da vida humana. Daí porque um bom poema provoca no leitor aquela sensação que, noves-fora, confere ao trabalho permanência e plenitude: "Que bonito... Eu já sabia disso, e nem tinha percebido que sabia...".
Chuvas, névoas, brisas, tempestades, mares, rios, relâmpagos, lua, sol, entretanto, são pilares insuficientes para sustentar a atividade poética. Assim, o poeta-índio logo se depara com uma inquietante limitação: a natureza não é assunto exclusivo, assim como nenhum assunto é exclusivo. E, quando o poema deixa de ser coisa de adolescente, deve abandonar o panteísmo, o mimetismo, a fascinação pelo particular, a pura e chata confissão e as facilidades do descritivismo entusiasmado – afastar-se da postura de adoração da lua, do sol e dos ventos para mergulhar nos símbolos que sustentam sua força e sua eficiência.

Poetar aos doze, quinze ou dezoito anos de idade não significa muito. Quem não cometeu lá seus poeminhas de juventude? Ser adolescente é conviver intimamente com a morte idealizada – e esse é o mais direto atalho para a poesia: consegue-se, assim, escrever ou ler poemas com toda a credibilidade e devoção características de um intento necessário, importante e até vital. Além disso a poesia serve também como ponta-de-lança para indiretamente se enfrentar o status-quo: nada melhor para incomodar e chocar nossos ameaçadores semelhantes que nos dedicarmos a essa atividade marginal, descompassada com o mundo adulto, rebelde, sonhadora, fútil, desprezível, inconseqüente... Algo que se tolera com paternal e soberana complacência: "Logo ele cria juízo, cai na realidade e se dedica a algo verdadeiramente útil...".

Essas bobagens todas...

Quando adolescente, escrever era mais que vital para mim. Ainda é, mas naquela época parecia haver um componente de catarse meio exagerado e até patológico. Eu precisava daquilo como um náufrago precisa de uma tábua-de-salvação. Compunha meus versos desesperados, tristes, mal-humorados, monolíticos, derrotistas, ruins – com recatada ostentação em guardanapos de papel de bares, festas e bailes, nas últimas páginas dos cadernos escolares – onde quer que houvesse multidão individualizada, solidão em grupo, euforia social, sofrimento camuflado, alegria institucional, frivolidade generalizada, desespero disfarçado... Onde quer que desfilasse, diante de mim, tudo aquilo que só hoje reconheço como vida. Mas escrevia principalmente à noite, no solitário silêncio do meu quarto. Chegar em casa de madrugada era como recolher-me à fantástica redoma da criação: ficava escutando o onomato¬paico resfolegar noturno de minha casa – o zumbidos de geladeira, o gotejar de uma torneira, estalidos no telhado – e distantes latidos de cães, um apito de trem, grilos, silvos de morcegos no quintal, o sino da igreja... Embalado por essa pungente trilha-sonora, escrevia num caderno meus expectorantes versos, doentiamente encharcados de indecisão, fúria e sofrimento...

Passada a fase dos guardanapos, comecei a publicar alguns textos no jornal do Grêmio Estudantil da escola (naqueles tempos até o curso secundário contava com uma entidade representativa dos estudantes, que editava um tablóide lido avidamente por todos). Logo depois passei a publicar crônicas e poemas no jornal da cidade interiorana onde vivia. E, por fim, já não publicava coisa alguma em lugar nenhum. Escrevia meus poemas e os copiava num mimeógrafo a álcool (esse artefato antediluviano exclusivo dos professores), sem saber depois o que fazer com aquela multiplicação inútil: um poema, independentemente de seu valor literário ou de seus possíveis conteúdos, era sempre algo visualmente bonito: palavras, palavras, palavras... – todas ali, aparentemente perpetuadas em azul pelo mimeógrafo e ordenadas na aparente desordem visual da poesia, emolduradas e contidas pelos brancos espaços do papel. E o principal: um poema não tinha (como ainda não tem) nenhuma serventia. Com vinte cópias nas mãos, eu ficava todo orgulhoso daquele montinho de papel, mas não tinha a menor idéia sobre o que fazer com aquilo. Pensava que havia conseguido o mais difícil – criar o texto –, quando na realidade essa era a parte mais fácil. Era – só hoje percebo – o já frustrante mas ainda nebuloso primeiro contato, ingênuo e puro, com a esterilidade infértil de se escrever poesia no Brasil.

Produzia poemas para guardar. Para degustar em solidão o prazer imenso, inviável, inconcebível, incompartilhável de criar. Entregava-me a um êxtase pleno de auto-endeusamento e alheio a qualquer destinação. Eu me abandonava de corpo e alma ao supremo enlevo de me ler. Fazia, assim, poemas para mim mesmo – mas não apenas por ser adolescente: talvez também porque já abrigasse, em algum recanto dentro de mim, a semente do poeta que, teimoso, persistiria em querer transformar-me no futuro – sem saber então que essa desalentada obsessão, com o passar dos anos, só me traria satisfações extremamente exclusivas e diretamente aparentadas com o esporrar do vício solitário do onanismo.

Porque escrever poemas é vício solitário. Ou, em bom e claríssimo português: poesia é punheta.

Sei que não deveria utilizar com tanta naturalidade essa palavra indesejável. Tenho perfeita consciência de que a palavra punheta não é agradável aos ouvidos castos. Porque o próprio ato que designa é unanimemente considerado como coisa feia, escusa e indisível. Um execrável ato eminentemente masculino, algo que mulher não faz, nunca fez e jamais fará – ao menos em termos de aceitação ou confissão. Porque punheta se consuma às escondidas – é coisa que, oficialmente, ninguém faz. De qualquer forma, é um artifício que proporciona prazer exclusivo, solitário e, portanto, indiscutível. Inconsequente porque infértil. Inimaginável porque oficialmente não existe. Mas universal, pecaminoso – e deliciosamente camuflado pela solidão das camas e banheiros que povoam este nosso dissimulado e hipócrita Vale de Lágrimas.

É a mesma coisa com poesia.

Porque poesia a gente também comete em solidão. Talvez nem sempre em camas e banheiros, mas invariavelmente a desoras, fora do chamado tempo real – em salas-de-espera, nos intervalos do trabalho, nas madrugadas insones, no ônibus e no carro, num congestionamento de trânsito, no escritório fechado – em todo lugar que nos proporcione a privacidade necessária a qualquer ato de coragem ou covardia. Somos, nessa hora de poesia ou nesses minutos de punheta, possessos obcecados por atos tão necessários como a fome e tão inelutáveis quanto o sexo.

O que é, afinal, fazer poesia? É, sem dúvida, bater uma punheta. Sempre se fala, por exemplo, numas tais de musas da poesia. Pois para mim elas são, mais ou menos, como as mulheres nuas que em revistas e calendários inspiram aquela juvenil punheta cometida na solidão azulejada dos banheiros. Ou, por mera dedução, como fantasias femininas que porventura possam motivar garotas e mulheres em suas titilações inconfessáveis.

E tocar essa especialíssima forma de punheta é apenas a primeira parte do processo onanista da criação poética. O paralelo prossegue em todas as outras etapas. Senão vejamos. Uma punheta objetiva o prazer e se esgota pura e simplesmente no prazer. Ou seja: é essencialmente estéril, porque não rende frutos. Não é atividade que se exiba numa festa, num jantar ou entre amigos. É portanto escusa, sub-reptícia, dissimulada por natureza. Confere agudo e exclusivo gozo apenas a seu autor. Ou seja: é egocêntrica, individualizada e incompartilhável. É exercida normalmente em solidão, não se tendo notícias de que se pudesse perpetrá-la satisfatoriamente em equipe. Revela-se, pois, como criação individual e exclusiva de um autor. E, finalmente, uma punheta é básica e conceitualmente suja: não tanto, hoje em dia, pelo aspecto moral da culpa ou do pecado, mas, objetivamente, por suas inevitáveis secreções. Quer dizer: é ato que não deve deixar vestígios.

Fazer poesia é tudo isso. Se o poeta repentinamente começa a se expor e assume a "agressiva" intenção de querer mostrar seus poemas, acalentando o devaneio de ser lido, passa a ser visto quase como um exibicionista que se masturbasse em praça pública: alguns dos possíveis assistentes olham ostensivamente para outro lado; outros se mostram indignados; e uns pouquíssimos se interessam pelo voyeurismo desse desnudamento imoral e indecoroso. Mas todos, de uma forma ou de outra, acabam por exercer o despotismo que se segue ao medo: apontam, com os dedos caracteristicamente enrijecidos dos linchadores, as denunciadoras olheiras fundas e escuras do poeta – esse incoercível punheteiro.

Fonte: Recanto das Letras
 
Eu poderia citar como importante várias partes do texto. Deveria então, reduzindo meu trabalho, repetí-lo aqui embaixo. Pessoas, sou um mísero aspirante a poeta. Escrevo os mais estaparfúrdios sentimentos melancólicos num papel, realmente como ele disse. Não há leitor para o que pratico, nem haverá. Concordo com a divertida definição: poesia é punheta. Sim, poesia brota, não marca e aparece, ou queremos escrevela e pronto. É solidão sim, é privacidade. É contradição, é arte. Nós, os amantes da literatura devemos creditá-la. Varolizaremos-heo nossos poetas voluptiosos, lascivos, íntimos.
 

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