Não quer usar “limitação do direito de escolha”, Paganus? Beleza. Vamos partir para o dicionário.
O significado latino é “sujeição, violência, força”, em duas fontes que eu consultei. Para o significado atual, o Houaiss (o completo, não um “dicionário de mão”) trás os seguintes que são relevantes à nossa discussão:
Eu considero a proibição ou a dificultação do aborto um “constrangimento ou pressão moral; coação”. Da mesma forma, ter o acesso a métodos anticoncepcionais dificultados através de leis, criadas por pressão religiosa, seria uma opressão contra mim e qualquer pessoa que prefere escolher quando quer ter filhos.
É aí que discordamos. Eu discordo de que seja uma violência impedir que seres vivos tenham suas possibilidades de concepção eliminadas por uma torção materialista do direito. E com ou sem pressão religiosa. A religião pressiona somente quanto o Estado perdeu totalmente a vergonha na cara e ousa se colocar acima das leis de Deus, o que JAMAIS lhe compete, ao contrário do que a igualmente torta concepção moderna de política pressupõe.
Mas vamos sair um pouco da liberdade sexual, e partir para a liberdade de crenças, tá?
Um exemplo, para que tu te identifique: na Arábia Saudita, o Sangue de Cristo tem de ser suco de uva, porque vinho é proibido. Se você nascesse saudita, filho de muçulmanos e “ouvisse o chamado do Senhor”, como tu ouviu para te tornar Ortodoxo, tu seria morto — nascer de muçulmano te faz automaticamente muçulmano; deixar a religião muçulmana é apostasia; a punição para apostasia na Arábia Saudita é a morte.[/QUOTE]
Exato. Eu considero que um acordo entre as tradições religiosas seria preferível à opressão de uma por outra, majoritária. Agora por que um abstrato conceito de 'liberdade de crença', alienígena a ambas as tradições seria preferível? Essa é a justificativa do laicismo, uma (falsa) neutralidade que garante a liberdade das crenças, castrando-lhes as almas pela sua falta de participação na vida política. Isso é tradicionalmente opressivo.
Não sei de ti, Paganus, mas eu prefiro que você tenha o direito de dizer o quão “feio e imoral” eu sou, do que ser apedrejado por achar certo seguir um outro conjunto de regras dito por uma outra Voz do Além, de uma montanha, pra outro semita genérico.
E se tu acha que eu estou ridicularizando essas duas fés, lembre-se: eu acredito em reencarnação, em ver seres invisíveis e em astrologia. Welcome to the family. Nós todos acreditamos em coisas absurdas, porque no fundo do nosso coração, elas são verdadeiras.
Eu concordo. Mas acho que você aqui, como muitos outros, interpretam muito enviesadamente por terem na mente casos de extremismo religioso que não são regra em todas as culturas e tradições. Ao contrário do que se pensa, muito dessas aplicações exageradamente extremas da sharia são produto de uma reação contra o ocidentalismo.
Mas isso é um detalhe. A liberdade religiosa deveria sim ser, respeitada, eu não concordo com a sharia. Mas tampouco essa liberdade religiosa é melhor defendida por uma lei que assumindo um espírito de neutralidade, retira das esferas essenciais da vida humana a participação ativa das religiões. Isso vai além dos apedrejamentos. De que serve uma monarquia se não for sacra? Um país, se não for o Imperium?
De maneira simples e objetiva: Se tu quiser que nenhuma mulher ou homem que frequenta a Igreja Ortodoxa ajam de forma contrária às doutrinas da Igreja, é a sua obrigação como padre convencê-los de que uma lei imposta por um ser invisível é a palavra final sobre um assunto em particular. Não é a obrigação de ninguém mais: apenas sua, como padre.
Estender essa crença para outras pessoas que não sejam aquelas que optaram por seguir o ponto de vista da Igreja ortodoxa é uma opressão, uma imposição “pela força ou autoridade” ou por “constrangimento ou pressão moral; coação”.
Claro, isso é livre-arbítrio. Ocorre que nem as democracias ocidentais nem as religiões são isentas desses crimes. Os iranianos executam homossexuais e os norte-americanos declaram guerra a todos os homens e mulheres que se recusam a se submeter ao seu espírito civilizacional. Ou seja, a opressão pode sim ser definida em certos termos mais ou menos gerais que definam certos limites em certos períodos de tempo, mas isso nunca será absoluto. O laicismo é tão opressivo para mim quanto é para um ateu rezar o pai-nosso em uma assembleia de vereadores. Onde está a opressão? Eu não me encontro representado por esses partidos de esquerda. Você, pelo Feliciano. E aí? O Feliciano oprime gays? O laicismo me oprime?
Existem casos, como atestam as manifestações, em que certos direitos são trans-ideológicos, ferem toda a sociedade brasileira independente de como ela pense o Brasil, politicamente. Nesse sentido ela pode se sentir oprimida em uníssono, mas não é sempre assim.
E repare como essa parte do seu post se foca na religião. É sempre o islamismo que apedreja gays e o cristianismo que prega contra o aborto. É uma vida de mão dupla, não? E as políticas seculares, laicistas? Muitos mártires morreram lutando contra essas 'liberdades' de que tanto se vangloria o ocidental e o motivo é simples: tais 'liberdades' aprisionavam o homem e deviam ser combatidas. Parece que a liberdade tão vangloriada não é tão simples assim, não?
Em resumo, não dá pra aceitar essa visão unilateral de que a democracia defende todos os valores mais dignos do homem contra apropriações. Esses valores só se criaram pela violência, pela luta, tanto quanto pelas ideias.
Eu não acho que seja uma ideia de superioridade. Muito pelo contrário: é um reconhecimento de que nós não temos a menor ideia do que é certo e errado neste mundo. Portanto, é mais fácil partir do pressuposto de que o que é invisível não existe; que nós só podemos legislar sobre o bem comum tendo em vista a manutenção da lei e da ordem (que geram a paz e a prosperidade); e garantir a liberdade das pessoas de escolherem acreditar no invisível que mais lhe parecer verdadeiro.
Essa é a mais perfeita definição da Kali Yuga (Era das Trevas, na cosmologia hindu) que existe. Nada há de mais anti-tradicional.
É contra esse mundo que a revolução tradicionalista visa por abaixo. Com ele não há diálogo. Há guerra.
Eterno e divino?
Eu estou dizendo exatamente o contrário: as leis do nosso país não podem ser baseadas na ideia do que é “divino”. As leis da tua Igreja, podem.
Errado. As leis do verdadeiro Estado são divinas, eternas, transcendentes. A Igreja busca um fim diferente do Estado, mas ambos são o mesmo espírito. Um Estado tradicional, claro.
Mas falando no nosso nada-tradicional Estado, só o que eu quis dizer é que nosso mundo ocidental mesmo que se creia não-divino na fundamentação de suas leis, veem a si mesmos com uma missão, uma identidade, um entendimento sobre seu papel na vida dos cidadãos e das tradições religiosas que não deve em nada às maiores teocracias. É o tradicionalismo ao contrário, a democracia se abrindo em certos espectros de representatividade que não representam as religiões, como as bancadas evangélicas, mas tão só aspectos isolados dela, mas no todo de sua estrutura é uma verdadeira anti-Igreja.
A ideia de que o divino deve ser 'expulso' do político é a prova de que esse político quer tomar o lugar de Deus. E o que é o Estado sem Deus? A idolatria do Estado sem referenciais outros que o próprio Estado, senão fascismo?
Ninguém está pedindo que tu aceite casar homossexuais na sua igreja, Paganus. Pra dentro da tua igreja ou da tua casa, o problema é teu.
Meu e da sociedade. A minha paróquia não é um clube fechado, ela é vitimada cada vez mais por uma mentalidade que condena toda oposição ao liberalismo moral como 'intolerante' e é bombardeada por uma propaganda pró-uma-centena-de-imoralidades diante da qual eu, como responsável por essa comunidade, não posso ficar quieto. Como orientar esses fieis? Montando-os em guerreiro contra o mundo?
O objetivo de TODO religioso é denunciar quando o diabo ataca seu rebanho, e mesmo seu país. Se existem leis e uma intelectualidade que aprovam e disseminam valores imorais é meu DEVER denunciar. Claro que essa sua concepção de 'Estado neutro' deixará isso passar.
Mas, se era falta de opressão que tu estava reclamando, não falta opressão neste quesito, Paganus: tu é “oprimido”, neste quesito, a não discriminar ninguém fora da tua casa ou da tua igreja. Não está gostando dessa “opressão”? Então por que está defendendo que outros a recebam também?
Coisas diferentes, eu disse que faltava uma opressão mais forte por parte das autoridades bundamoles para que os protestos se organizassem em algo maior, mais organizado e mortífero ao poder estabelecido.
Como eu já disse, a lei deveria ser descartada, porque ela trás mais problemas do que soluções. Contudo, se o Vela tem medo da tirania militar, eu tenho um medo maior ainda da tirania religiosa. Essa tirania durou mil anos no Ocidente e só serviu para enriquecer Roma. No Oriente Médio, ela perdura até hoje desde Al-Ghazali, no século XI. Ditaduras militares podem ser derrotadas por uma outra força militar, ou por uma resistência pacífica; mas o domínio religioso se enraíza de forma muito mais profunda e corrói a vontade de outras pessoas de questioná-lo, muito mais do que uma FAL apontada para o seu crânio. A humildade — tão valorizada na maioria das religiões — é facilmente esquecida pelo sacerdócio, uma vez que uma religião assume um posto dominante em uma sociedade.
Resumindo minhas posição ideológicas a partir daqui:
O seu medo é o meu ideal.
As democracias simplesmente servem aos interesses das potências globalistas, com falsas promessas de neutralidade sobre as várias áreas da vida social que elas controlam para escravizar o homem pelo capital.
O socialismo é a reação ainda mais espiritualmente deficiente e atrofiadora de consciências, ao capitalismo, inimigo de toda verdadeira política pela sua recusa em admitir a superioridade dos ideais transcendentes e pela massificação do espírito humano.
Mas ambos são produtos do mesmo espírito, o espírito da Revolução Francesa, do Iluminismo, da anti-tradição, da Kali Yuga.
Todo tradicionalista tem por dever e paixão declarar guerra a todo esse espírito, a toda essa civilização.