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Olá a todos
Sou novo por aqui e o que me trouxe foi a necessidade de encontrar pessoas que gostem de literatura para avaliar e dar dicas para melhorar a minha escrita.
Há 3 dias comecei um pequeno romance para tentar dar os primeiros passos numa escrita ligeiramente prolongada de modo a melhorar o meu modo de escrever para ter uma boa nota na escola quando recomeçar o período de aulas.
Estou aberto ás vossas sugestões para melhorar a história.
Aqui está o primeiro capítulo:


O Clube de Ténis

Três amigos desciam a rua, dirigindo-se aos campos de ténis da cidade. Um grupo normal, que por nada daria nas vistas: dois rapazes e uma rapariga normais, a descer uma rua normal, numa cidade normal em direcção a uns campos de ténis perfeitamente normais. Eram, de facto, normais.
E normais eram também os devaneios de um rapaz adolescente da idade de Fernando. Alguns dias atrás fizera uma promessa: Iria contar a Denise, a sua melhor amiga, a quem pertencia o rosto que o atormentava dia após dia, que assombrava o seu coração há seis meses.
Sendo sua melhor amiga, não seria então simples a tarefa a que se propôs? Sim, seria a resposta para a maioria dos casos, mas não quando a resposta seria ao mesmo tempo algo que Fernando mais receia. Uma declaração de amor. Denise era quem amava, e Denise era quem o estava prestes a descobrir. Esta cadeia de pensamentos foi interrompida aquando da chegada ao clube.
-Queres ir para que campo?- Perguntou Miguel, o segundo rapaz- Eu preferia vir para este já aqui, mas está ocupado.
O Clube estava quase vazio, mas o campo que eles pretendiam utilizar já se encontrava ocupado. Um treino para os pequenos tenistas que davam os primeiros passos na modalidade. Sempre lhes achara piada. Ainda tão jovens e já agarrados tão afincadamente ao sonho de serem profissionais. Thiago acenou-lhes.
Thiago era um dos treinadores do Clube. Fernando gostava dele, já se conheciam há 5 anos e, caso seja possível afirmá-lo, tornaram-se amigos. De vez em quando nas pausas dos treinos conversavam sobre tudo: escola, família, musica, namoradas… namoradas, la veio o nefasto e tao odioso receio que o atormentava. Olhou de soslaio para Denise.
Ao contrário dele e de Miguel, que vinham ambos de calções e t-shirt prontos para mais um rigoroso treino das seis, Denise vinha de calças de ganga e uma t-shirt branca com riscas vermelhas que ela tanto adorava (para dizer a verdade não sabia se adorava, apenas tirou essa conclusão do facto de a ver vestida muitas vezes). Ela vinha apenas acompanhá-los. Eles iriam jogar uns minutos sozinhos antes do treino, e ela iria assistir, indo-se de seguida embora quando o pai chegasse para a levar. Denise olhou para Fernando, que desviou rapidamente o olhar.
-Vamos então para aquele atrás do bar- respondeu finalmente. Pessoalmente, Fernando gostava daquele campo mais do que os outros. Passara lá longas horas sozinho a treinar contra a parede (característica única do campo, o que o distinguia dos restantes) e, além do mais, era mais isolado sendo que se trata de um campo individual, ao passo que todos os outros se encontravam aos pares. Era um excelente lugar para descontrair, quer pelo sossego fornecido pelo ambiente calmo e sereno, quer pela libertação do stresse despejando toda a nossa frustração nas pobres velhas bolas de ténis que saiam disparadas com a intenção de quebrar a parede.
Dirigiram-se para lá, fazendo uma corrida forçada ao descer a relva que dava acesso ao campo desejado, assustando pelo caminho a gata que lá morava. Lembrava-se da altura em que ela por lá tinha aparecido há uns 3 anos. Surgiu de nenhures e por lá se instalou, causando uma dor de cabeça ao Sr. João e á D. Beatriz, que tomavam conta do bar e da manutenção dos campos e dos relvados. Com o tempo lá se habituaram, chegando ao ponto de tomar conta da gata como se fosse um animal do próprio Clube. De momento já lá se encontra uma autêntica ninhada, com três gatinhos que andavam sempre por lá a brincar. Estes devaneios sempre animaram Fernando que gostava de recordar o que de bom aconteceu no passado, e foi com um sorriso nos lábios que entrou no campo com Denise e Miguel. Deu-se então início à discussão do costume:
-Miguel, ficas aí desse lado, que eu fico aqui- apressou-se Fernando a informar já de raquete na mão e pronto para jogar, dirigindo-se para o lado esquerdo do campo.
-Olha que lata, da última vez fui eu! Hoje trocamos, e não há discussões!- respondeu sem mais demoras Miguel, num tom que antevia mais uma das discussões que tão famosas eram no seio dos seus amigos. Miguel era o seu melhor amigo desde o 5º ano. Note-se que de momento se encontram nas férias de Verão, na transição do 9º para o 10º ano. Esta longa amizade permitiu-lhes criar laços dos quais ambos se orgulhavam, laços tão fortes que por vezes os dois rapazes se auto-intitulavam de irmãos. E quem os visse não estranharia se o fossem.
Ambos são altos, sendo Fernando uns dez centímetros mais alto do que Miguel, ambos possuem cabelo castanho, e, até bem recentemente, olhos castanhos. Fernando adquirira há um ou dois anos, uma tonalidade mais clara, obtendo um misto de verde e castanho claro que lhe tornava a íris dos olhos algo de diferente, e que pelo que lhe foi dito, atraente. Mas na aparência era onde menos se assemelhavam.
Os traços da personalidade dos dois eram bem vincados pela relação que tiveram durante os passados cinco anos, e principalmente pela semelhante educação que tiveram por parte dos seus pais. Um desses traços que era fortemente indicado por todos os que rodeiam os dois rapazes é a sua teimosia. Extramente lógicos, os dois eram capazes de arrastar uma discussão sobre os temas mais banais e desinteressantes durante vários minutos, argumentado com base em teorias formuladas no momento, criando um impasse do qual dificilmente sairiam, visto que aceitar a derrota é algo que quase nunca aceitam, e muitas vezes só se calam após um ralhete da professora ou de um amigo que por perto se encontrasse e já se sentisse irritado de os ouvir discutir. Denise, conhecendo os dois tão bem, interveio de imediato:
-Não comecem, afinal que diferença faz o lado do campo? Parecem-me os dois iguais.
Os dois olharam para ela com o divertimento estampado no rosto. Foi Miguel quem respondeu:
-Uma palavra, três letras: S.O.L.- referiu lentamente, pronunciando cada letra com um cuidado exagerado colocando nessas palavras o maior ênfase possível para irritar Fernando, ao mesmo tempo que apontava para o céu nas costas do mesmo, onde se via o sol brilhar, que encadeou a rapariga.
-À ok, mas por favor, não discutam- Denise dirigiu-se a Fernando- Faz lá um favorzinho ao Miguel e vai para o outro lado… Anda lá Fernandooo…
Sempre que ela o tratava pelo nome o seu coração falhava uma batida. E ainda por cima quando o chamava naquele tom carinhoso, com a voz melodiosa que apenas ela podia fazer, fazia-o desistir de quase tudo por ela. Tencionava começar a andar para o outro lado, quando uma má recordação perfurou o seu cérebro como um espigão afiado que o atingiu mesmo no coração, trazendo-lhe a memória de um rosto e de um nome: Mariya.
Fora naquele preciso espaço que se declarara a Mariya, dois anos antes. Quem fora Mariya? Um autêntico fiasco.
Fernando sempre fora do tipo conservador, íntimo e reservado, inteligente e dedicado ao estudo, e sem qualquer sorte no que toca a relações. O amor correspondido sempre lhe parecera uma ilusão que apenas se tornava possível na vida adulta, na qual, mesmo assim, duvidava. Mas mostrou-se o oposto. Conheceu Mariya no Clube durante um torneio e tornaram-se amigos, e acabaram por se apaixonar um pelo outro.
Até que, sensivelmente à mesma hora, e no mesmo campo, se encontrava sozinho com ela e decidiu arriscar e declarar-se. Para surpresa de Fernando, correu bem, e combinaram encontrar-se um dia para falar melhor, visto que não tinham muito tempo.
Começaram a encontrar-se regularmente, mas sempre com algum desconforto. Na verdade, Fernando nunca beijara uma rapariga, e não conseguia tomar a iniciativa para beijar Mariya. Esta acabou por se fartar, e acabou uma relação, que mal se pode denominar de relação.
Esta torrente de memórias pô-lo com os nervos à flor da pele, travando-o repentinamente. Sem tomar consciência dos seus receios, Miguel berrou-lhe:
-Pronto, paciência fica tu aí, ganho-te na mesma!
E assim foi, passou meia hora, e chegaram as seis. Era hora de ir para o treino de Thiago. Era hora de Denise se ir embora. Era a hora de cumprir a promessa. Era a hora que mais receava.
Os três saíram do campo e foram andando para o campo destinado aos treinos do grupo de Fernando e de Miguel.
-Miguel vai andando e diz ao Thiago que eu já lá vou ter-disse Fernando- Eu vou só acompanhar a Denise e despedir-me dela.
-Oh, então espera aí que eu também vou- replicou o amigo.
-Não, deixa estar, vai andando, a sério- tornou a responder Fernando, com uma entoação, que sabia que Miguel compreenderia. E compreendeu. Olhando-o com um ar divertido perguntou:
-Ok ok… Têm alguma conversa privada que eu não possa ouvir?
-Sim temos- respondeu Fernando forçando um riso para tentar disfarçar o nervosismo que sentia, enquanto que Denise assistia à conversa com uma cara que transmitia uma certa confusão perante a troca de palavras dos dois rapazes. Era assim que muita gente ficava quando os dois falavam de um modo aparentemente normal sem segundas intenções. Mas já toda a gente sabia: com eles existem sempre segundas intenções.
Fernando e Denise afastaram-se o suficiente para poderem falar, e, sem saber como, foi Fernando que tomou a iniciativa:
-Parece que está na hora de te contar de quem gosto, não é verdade?
-Pois, parece que sim- respondeu Denise com um entusiasmo claro na sua voz. Andava em pulgas por aquele momento, e nem sonhava qual seria a resposta.
-Vamos combinar o seguinte- começou Fernando- Depois de eu dizer, tu não dizes nada, não gozas, não me chamas. Eu digo, viro as costas e vou embora.
-Ok… Não percebo porquê que estás com isso, mas pode ser.
-Muito bem… Então é assim… A pessoa de quem eu gosto… és tu.
Dito isto, Fernando não espera um segundo e desata a correr a passos largos até ao recinto do campo onde iria decorrer o treino, sem esperar por qualquer resposta da sua amada, sem ter coragem de encarar a expressão de surpresa que não duvida que estivesse neste momento estampada no seu rosto. Tudo o que ouviu foi a rapariga dizer:
-A sério…?

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“A pessoa de quem gosto… és tu.”
Estas palavras tiveram um efeito similar a um choque eléctrico que pára o coração por instantes para retornar à sua rotina de um modo extraordinariamente acelerado. De todas as respostas que esperava ouvir de Fernando, esta era a que Denise menos esperava.
É claro que já tinha considerado essa hipótese, afinal, para quê tanto secretismo se a pessoa que Fernando amasse não fosse ela própria? No entanto descartara logo a ideia. Fernando nunca se mostrara interessado nela desde o sétimo ano, no qual eram ainda crianças. Ele apaixonara-se por ela, e esta acabou por descobri-lo, sendo que nesse mesmo dia tentou falar com ele, mas acabaram por ficar frente a frente num silêncio constrangedor.
Denise na altura não o amava. Queria apenas dizer-lhe que não se importava e que podiam continuar a ser amigos como sempre o foram desde o quinto ano. Resultado: Fernando amuou e não lhe falou o resto do dia. Mas tal como pensara, eram crianças e muito mudou desde essa altura.
Com o choque das palavras de Fernando, Denise mal conseguiu reagir antes de este lhe virar as costas e desatar a fugir. O que lhe deveria dizer? Ele pediu-lhe que não lhe falasse, mas não conseguia deixá-lo ir embora sem falar com ele. Com a pressão da iminente fuga do melhor amigo, Denise atabalhoou-se e apenas conseguiu dizer, muito a medo:
-A sério…?
Fernando, como seria de esperar, limitou-se a ignorá-la e continuou a correr como se Denise nada tivesse dito. Subitamente ficou com medo. Medo de o perder. Por mais crescidos que fossem, um amor não correspondido é sempre motivo de embaraço. E se a experiência do sétimo ano se repetisse mas de um modo mais grave? Poderia ele deixar de lhe falar com medo de um julgamento cruel por parte da rapariga? Ela não queria isso.
Tinham-se tornado melhores amigos há pouco tempo. Foi uma situação um pouco confusa e repentina, mas que apesar de tudo lhe soube bem:
Era o último dia de aulas. Grande parte da turma e alguns amigos combinaram passar a tarde no Parque Verde da Várzea, um grande espaço livre com café, relvado, postos para a prática do exercício físico, e um campo de jogos. Foi no campo de jogos que tudo começou.
Estavam lá todos. Rapazes e raparigas a conversar, cantar, tocar, jogar à bola… resumidamente, o que um grande grupo de amigos faz. Com o passar do tempo foram-se embora alguns e ao fim do dia já lá só se encontravam alguns rapazes a jogar futebol, entre os quais se encontrava Fernando, e ela, a única rapariga que restava.
Estava encostada ao muro do campo, sozinha, sem ninguém para conversar, apenas à espera da chegada do seu pai para a ir buscar. Surpreendentemente Fernando começou a ir ter com ela de vez em quando para ela não se sentir tão sozinha, mas mandava-o sempre embora para ele ir jogar e não se preocupar com ela. Ele continuou a “visitá-la” regularmente, até que Gonçalo, um dos seus amigos gritou:
-Oh Fernando, pede-a mas é em casamento de uma vez por todas!
Fernando afastou-se meio envergonhado, e Denise apenas levou o comentário como se fosse brincadeira, rindo-se. Mas pelos vistos, por menos sérias que fossem as suas palavras, estas sempre carregavam um pouco de verdade.
Quando o pai lhe ligou para ela se ir embora, Fernando veio despedir-se dela. Ele ia beijá-la na face, mas Denise não aguentou e abraçou-o. Este tempo que ela passara sozinha permitira-lhe reflectir sobre o que a aguardava. A sua turma acabara e iria começar uma nova fase da sua vida numa turma desconhecida sem o apoio dos seus amigos. Pela primeira vez, Denise sentira a falta de alguém que ainda se encontrava presente, e abraçou Fernando como se não o quisesse deixar fugir. Iria sentir tantas saudades…
Após esse tão breve, mas ao mesmo tempo tão longo, momento, os dois aproximaram-se muito. Passavam dias inteiros a falar um com o outro no computador. Partilhavam emoções, experiências de vida, receios e esperanças. Denise nunca acreditara que se pudessem aproximar tanto, apesar de alguns meses atrás esta lhe ter perguntado:
-Fernando, quem é a tua melhor amiga? É a Ana Inês não é?
-Hum, por mais surpreendente que isto te possa parecer, não, não é. -dissera-lhe ele.
-Então é quem?
-Tu.
Teria ela tido este tempo todo um amigo tão chegado que nunca se dera ao trabalho de conhecer? Ter desperdiçado tanto tempo fê-la sentir-se mal, e decidiu aproveitar para passar mais tempo com ele.
Nos dias que se seguiam iriam ter exames e algumas aulas de preparação para os mesmos, e teriam a oportunidade de estar juntos, finalmente, como os amigos que sempre deveriam ter sido. Chegou até ao ponto de o convidar a dormir em sua casa, o que infelizmente os seus pais não deixaram.
O telemóvel tocou interrompendo-lhe os pensamentos. Piscou os olhos como se tivesse acabado de acordar de um sono profundo e demorou alguns segundos a aperceber-se do que a despertara. Pegou à pressa no telemóvel, viu que era o pai, e atendeu:
-Estou?
-Então Denise, onde é que andas? Já estou à tua espera há cinco minutos.
-Desculpa papá, estava a despedir-me do Fernando e do Miguel.
-Anda lá, despacha-te que a mamã está à nossa espera.
-Ok.
E com isto o pai desligou.
Foi para o parque de estacionamento onde se encontrava o pai no carro à sua espera. Era um carro prateado e pequeno, com espaço para a sua família e cómodo para as viagens longas. Gostava do carro, já tiveram tantos e finalmente arranjaram um que lhe agradasse.
Como que para estragar os elogios que eram feitos mentalmente ao carro, reparou que estava todo sujo de lama e pó. O pai era demasiado preguiçoso para o limpar e era capaz de passar meses sem lhe tocar. Algumas coisas nunca mudam…
Entrou no carro e o pai arrancou. Voltou a pensar em Fernando. Ainda não acreditava no que tinha acabado de acontecer.
Na verdade estivera apaixonada por Fernando este ano lectivo. Fora, aliás, um amor duradouro, mas cuja chama começara a perder lentamente o seu brilho, tornando-se menos intensa.
Acreditava que a chama já estivesse extinta, mas à luz dos recentes acontecimentos esta ganhou algum brilho, e uma réstia de esperança renasceu no coração de Denise…
 
Peço desculpa pelo tamanho do capítulo.
Gostaria de ouvir opiniões sobre o que escrevi, mas parece que exagerei e ninguém tem paciência para ler isto tudo.

A partir de agora irei publicar capítulos mais pequenos
 
Ainda bem, obrigado :)

Vou colocar agora em partes mais pequenas
está aqui o início do 2º capítulo:

Tormentos


Fernando chegou a casa, cumprimentou a mãe e o pai e atacou o irmão com uma palmada na nuca, tentando desse modo ocultar as emoções que duvidava conseguir esconder. Sem mais delongas, subiu as escadas para ir para o seu quarto e atirou-se para cima da sua cama. O quarto estava uma lástima.
Ainda não se dera ao trabalho de arrumar os seus materiais escolares que se encontravam espalhados na sua secretária. Livros e cadernos de matemática e língua portuguesa estavam abertos, riscados, rabiscados e até rasgados. Grandes nervos que os exames lhe tinham trazido. Como que lendo os seus pensamentos, a mãe gritou-lhe do andar de baixo:
-Fernando, vê lá se arrumas o teu quarto, está uma desgraça!
Ele nem lhe respondeu, não tinha paciência, nem para a mãe nem para arrumar. Virou-se de barriga para cima, e olhou para a secretária, para o monte de livros que ia ter que arrumar, e para o computador que se encontrava lá ao pé. O computador… será que devia dizer qualquer coisa a Denise? Sem dúvida que esta estaria chateada com ele, chateada ao ponto de não querer falar com ele. O que fora ele fazer? Nunca se tinham dado tão bem, e arruinara completamente o que havia entre os dois.
Como se sentiria ela? Zangada? Frustrada? Envergonhada? Estaria embaraçada por alguém tão fútil como ele se ter apaixonado por ela? E mais importantes que tudo, estaria ela disposta a continuarem amigos?
Todas estas dúvidas sufocaram Fernando, e este só se apercebeu que sustera a respiração quando o oxigénio lhe começou a faltar. Levantou-se abruptamente a ofegar. “Tenho que me acalmar” pensou para si próprio.
Olhou para o chão. Há dois dias começara um puzzle de três mil peças que os pais lhe ofereceram. Gostava de puzzles. Para além de serem um excelente método para passar o tempo, ofereciam um certo grau de desafio que o mantinha a trabalhar horas a fio. Fernando precisava de ter sempre algo para fazer, uma vez que era extremamente impaciente e para ele cinco minutos sem fazer nada pareciam uma hora.
Decidiu ir tomar banho e quando voltasse passaria o resto do dia a fazer o puzzle. No dia seguinte então tentaria falar com Denise.
 
segunda parte do segundo capítulo



Fernando dormia profundamente, numa noite calma e serena, sem quaisquer barulhos que o incomodassem. Estava totalmente silencioso… ou talvez não. Ouviu um restolhar de lençóis e acordou assustado. Virou-se e, para seu espanto viu Denise.
-Desculpa, acordei-te?- Disse-lhe ela carinhosamente. O que estava ela a fazer ali? Ela ia deitar-se com ele?! E como raio estava em sua casa? Reparou que se encontrava apenas de roupa interior e com uma camisa de dormir. Fernando estava pasmado a olhar fixamente para ela dos pés á cabeça.
-Ah… Denise… O quê que estás aqui a fazer e ainda por cima vestida assim?
-O que se passa…? Só fui tomar banho, fiquei toda suada depois de… tu sabes.
O horror espalhou-se pela face de Fernando. Ele não acreditava que Denise pudesse insinuar tal coisa. Denise continuou:
-Podias ter vindo também comigo…-Provocou-o Denise deitando-lhe a língua de fora- mas ficaste tao cansado que adormeceste logo… Está tudo bem? Estás com uma cara esquisita.
Fernando não aguentou mais. Quem é que ela era para ter o direito de chegar a sua casa a meio da noite, acordá-lo e fazer tamanhas insinuações?! Por mais que a amasse não conseguia suportar tamanho desrespeito!
-Olha, eu não sei o que tu estás aqui a fazer, mas se isto é para gozares comigo por causa do que eu te contei hoje baza já daqui!- Fernando nunca se julgou capaz de tamanha violência, teve até medo de ter acordado os pais que estariam a dormir no quarto ao lado. Inconscientemente olhou para onde deveria estar a porta. Ela não estava lá. Olhou em redor.
Aquele não era o seu quarto. Estava num quarto maior, muito maior, a secretária desaparecera para dar lugar a um armário, que estava entreaberto e permitia vislumbrar roupa de mulher. Saias, calções, tops, vestidos… um vestido de noiva. O tempo parou momentaneamente e Fernando arquejou. Virou-se para Denise, como se esta fosse um fantasma que o assombrava.
Esta desaparecera, e Fernando ouviu um som vindo de dentro do armário. Levantou-se de um salto e encostou-se à parede que se opunha ao terrível armário, como se desejasse atravessá-la e fugir. Fugir. Procurou a porta do quarto, mas não a encontrou. Estava completamente isolado e não tinha por onde fugir. Ouviu algo chiar, seguido de um estrondo. Vinha do armário.
A porta estava completamente escancarada, e algo saia lá de dentro. Denise vinha vestida o com o vestido de noiva que ele vira. Agora sim… parecia realmente um fantasma. Uma voz ecoou na sua cabeça:
“Sou tua Fernando, finalmente tua, e tu és meu… para sempre.”
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Fernando acordou. Estava deitado na sua cama, no seu quarto. Levantou-se a custo. Estava completamente encharcado em suor, e doía-lhe a cabeça, mas, ainda aturdido do sonho que tivera, olhou instintivamente para o local onde a sua secretária se encontrava. E lá estava ela, a sua secretária, e não um armário.
Voltou a deitar-se e encolheu-se. Passou a noite em branco e as palavras de Denise ressoavam-lhe vezes e vezes sem conta na cabeça.
“Sou tua Fernando, finalmente tua, e tu és meu… para sempre.”
 
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Denise levantou-se. Não conseguia dormir. Fernando não lhe saía da cabeça. O que temera parecia estar mesmo a acontecer. Mal chegara a casa fora direitinha ao seu quarto e ligara o computador, em pulgas para poder falar com Fernando. Mas este não aparecera. Ficara horas no computador à espera dele, mas nem às duas da manhã se dignara a aparecer. À semelhança do que acontecera no campo de jogos, este período em que se encontrara sozinha dera-lhe tempo para reflectir acerca do que realmente sentia por Fernando.
Verdade seja dita, não sabia realmente se o amava, portanto o que lhe poderia dizer? “Desculpa mas eu estou indecisa e não sei se te amo”. Isso não seria uma verdade completa. Denise julgava que o amava, aliás, tinha quase a certeza, mas e se fosse uma mera ilusão que enganava o seu coração, forçando-a a sentir o que na realidade não existia? E se com o passar do tempo se apercebesse que não amava Fernando e se visse forçada a abandoná-lo deixando-o completamente de rastos? Nunca se perdoaria se por causa da sua mente ignorante e do coração cego causasse tamanho sofrimento a alguém que tanto estimava.
Bem desperta, olhou em redor, como que há procura de algo para fazer e se entreter. Não necessitava de ligar a luz. Estava uma noite de lua cheia e sem nuvens, e assim sendo o luar entrava pela janela que se encontrava no tecto do seu quarto, iluminando-o. Olhou para o seu computador portátil que se encontrava fechado no chão aos pés da cama. Esquecera-se de o arrumar, era melhor tirá-lo dali antes que alguém o pisasse ou lhe desse um pontapé que o partisse mais do que já estava. Estava em muito mau estado, todo riscado e com o ecrã quase a saltar fora… uma lástima, mas ao menos ainda funcionava.
Saiu da cama, e, pegando no computador cuidadosamente, pousou-o em cima da secretária. Ao fazê-lo sentiu-se estranhamente impelida a ligá-lo de novo para ver se Fernando decidira mandar-lhe alguma mensagem enquanto lá não estivesse. Não. Não o iria fazer. Se estava tão indecisa porque se mostrava então tão atraída por ele? Não queria, nem devia, alimentar Fernando com falsas esperanças sempre que fosse a correr para o computador para falar com ele. Conseguiu resistir àquele estranho impulso e virou costas ao computador para que não voltasse a acontecer. Pensou em voltar para a cama, no entanto sabia que não iria adormecer, e decidiu ir beber água e apanhar algum ar.
Desceu as escadas, passou pela sala e entrou na cozinha, sempre com cuidado para não acordar os pais ou a irmã mais nova que dormiam no andar de baixo. Sempre tivera a exclusividade de ter o andar de cima todo para ela. Davam-lhe espaço para poder estar só, e era pouco incomodada… se desconsiderarmos a irmã. Como todos os irmãos e irmãs mais novos, a sua dava-lhe cabo dos nervos desde que acordava aos berros e a cantar e só quando se ia deitar é que se acalmava um bocadinho. Fernando contara-lhe que também tinha um irmão mais novo, e, tal como ela, encarava-o como sendo a pessoa mais irritante à face da Terra. Denise repreendeu-se. Porquê que pensava sempre em Fernando?
Já na cozinha, Denise retira um copo do armário e enche-o com água. Ao fazê-lo repara que a sua mão tremia, e foi preciso concentrar-se e fazer força para a fazer parar. Bebeu a água num instante, pousou o copo ruidosamente sem se preocupar em ser discreta e saiu cozinha fora, dirigindo-se a passos largos às portas que davam acesso ao terraço que se encontravam na sala. Abriu-as bruscamente e saiu.
Foi um choque abrupto entre o ambiente em que se encontrar anteriormente e aquele onde se encontrava agora. Ao contrário da casa que se encontrava quente e abafada, cá fora no terraço apesar da temperatura elevada normal numa noite de Verão, soprava uma breve brisa que tornava o clima ameno e agradável. Os pés descalços de Denise esfriaram quando em contacto com o chão de azulejos, e, ao sentir o toque frio do metal do qual eram feitas as grades do terraço, Denise sentiu-se calma.
Quem estivesse ali e possuísse algum género de sentido artístico no que toca à pintura ou à fotografia ficaria sensibilizado ao olhar para aquela figura. Era linda. Uma rapariga vestida apenas com uma camisa de dormir cor-de-rosa debruçada sobre as grades de uma varanda. Banhada com a luz do luar e com o cabelo desgrenhado a esvoaçar ao sabor da suave brisa da noite, Denise poderia ser comparada a um anjo, apresentando-se como uma figura divinal.
Alheia à tamanha beleza física que ela própria simbolizava, Denise sentia uma certa beleza espiritual. A serenidade do momento conseguiu acalmá-la e deixá-la reflectir descansadamente. Não valia a pena encontrar-se naquele estado inquieto por muito mais tempo. Haveria tempo para tratar de Fernando. Agora devia descansar para poder conversar com Fernando da melhor maneira possível… isto se ele quisesse falar com ela.
Perdida nos seus pensamentos, não ouviu o seu pai chegar e sobressaltou-se quando este apareceu a seu lado.
-O que estás aqui a fazer Denise?- Perguntou-lhe ele com uma voz que era um misto de sono e inquietação.
-Nada, vim só beber água e apanhar ar. Está um calor desgraçado lá dentro e não estava a conseguir dormir. Desculpa ter-te acordado.
-Não faz mal, vá volta para a cama, já é demasiado tarde.
-Ok, papá.- Acabou por responder Denise depois de um longo suspiro, e seguindo de seguida o pai que já entrara de novo em casa.
Voltou a subir as escadas, já perfeitamente calma. Entrou no quarto, e estacou. Lá estava, mesmo à sua frente a secretária e o computador em cima. Mais uma vez sentiu aquele estranho impulso de abrir o computador para ver se Fernando lhe dissera alguma coisa. Sentindo-se melhor do que antes, Denise sentiu uma súbita esperança de que Fernando decidira aparecer e estava lá à sua espera e não resistiu a ligar o computador.
Sentou-se, e abriu o portátil com cuidado para o ecrã não se partir, e ligou-o. Durante o minutos que o computador demorou a ligar, Denise sentia-se cada vez mais ansiosa e certa de que Fernando estaria lá, ou que lhe tivesse dito qualquer coisa e tivesse ido embora. O computador ligou, e Denise foi verificar.
Nada, absolutamente nada.
 

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