• Caro Visitante, por que não gastar alguns segundos e criar uma Conta no Fórum Valinor? Desta forma, além de não ver este aviso novamente, poderá participar de nossa comunidade, inserir suas opiniões e sugestões, fazendo parte deste que é um maiores Fóruns de Discussão do Brasil! Aproveite e cadastre-se já!

Por que você deveria ler W. G. Sebald

sebald.jpg

(Adaptado de Why You Should Read W. G. Sebald, por Mike O'Connell)

Na semana que vem fará 11 anos da morte de W.G. Sebald, uma das figuras mais transformadoras da literatura contemporânea. Em 14 de dezembro de 2001, o escritor alemão sofreu um aneurisma enquanto dirigia e foi morto instantaneamente em uma colisão com um caminhão. Ele tinha 57 anos, tendo vivido e trabalhado como professor universitário na Inglaterra desde os vinte e poucos anos, e apenas nos cinco anos anteriores a sua morte tinha começado a ser amplamente reconhecido pela sua extraordinária contribuição à literatura. Naquele mesmo ano, seu livro “Austerlitz” (sobre um homem judeu enviado para a Inglaterra quando criança através do Kindertransporte, em 1939, cuja memória desse passado se perdeu) foi publicado recebendo grande aclamação, e a perspectiva de um prêmio Nobel já começava a parecer inevitável.

O peso da perda para a literatura com a sua morte precoce - de todos os livros que ele poderia ter escrito - é contrabalanceado apenas pela enigmática pressão do trabalho que ele deixou. Seus quatro romances de ficção, “Vertigem”, “Os emigrantes”, “Os anéis de Saturno” e “Austerlitz” são absolutamente únicos. Eles combinam memória, ficção, diário de viagem, história e biografia no crisol de seu assombroso estilo de prosa para criar uma estranha nova composição literária. É provavelmente muito cedo para prever a extensão da influência que os livros híbridos de Sebald terão na forma do romance, mas não é exagero dizer que ele apagou e redesenhou as fronteiras da narração ficcional tão radicalmente quanto ninguém desde Borges.

Mais de dez anos após sua morte, entretanto, o trabalho de Sebald permanece mais ou menos inteiramente sui generis. Lê-lo é uma experiência maravilhosamente desorientadora, não menos por causa da estranha e revigorante incerteza quanto ao que é, precisamente, que estamos lendo. Seus livros ocupam um território instável e disputado, na fronteira da ficção e da realidade, e essa ambivalência gênero é espelhada nos movimentos multiformes de sua prosa. Muitas vezes o que está na página, a escrita em si, dá a impressão de ser apenas a débil, oscilante sombra de seu referente real. Frequentemente, não é sobre aquilo que Sebald parece estar escrevendo, em outras palavras, que ele quer que nós estejamos pensando.

Era convicção de Sebald de que não se poderia escrever sobre a história recente de seu país diretamente, não se poderia aproximar dela frontalmente, porque a enormidade de seus horrores paralisaram a nossa habilidade de pensar sobre eles moral e racionalmente. Esses horrores precisavam ser abordados obliquamente. O efeito de uma passagem essencialmente sebaldiana, por exemplo, é o de um sonho em que um professor está falando de sericultura, mas também, de alguma forma, sobre Auschwitz. Aquele lugar e o que ele passou a representar é uma vasta e pálida presença na periferia - e, de alguma forma, no centro - da visão narrativa do trabalho de Sebald. Ele nasceu na Bavária, em 1944, e cresceu nas imediatas consequências da guerra. Seu pai, ele descobriu muito depois, havia servido o exército e participado da invasão da Polônia em 1939. Como muitos alemães da sua geração, o pai de Sebald se recusava a falar de suas experiências na guerra, e essa reticência, somada ao que era a Alemanha pós-guerra, é o que impulsiona as narrativas de Sebald com pudor e oclusão histórica.

Seu trabalho é fantasmagórico em diversos sentidos: tematicamente, ele é perturbado pelos espectros da história recente da Europa e, estilisticamente, ele é entregue em um tom assustadoramente impassível. Independentemente do fato contingente de sua morte, os livros de Sebald são lidos muitas vezes como se estivessem sendo narrados do além-túmulo. O passado torna-se subitamente presente, e o presente parece mediado pela longa passagem dos anos. “Não me parece”, Sebald escreve através de Austerlitz, “que compreendemos as leis que governam o retorno do passado, mas sinto cada vez mais como se o tempo não existisse em absoluto, somente diversos espaços que imbricam segundo uma estereometria superior, entre os quais os vivos e os mortos podem ir de lá para cá como bem quiserem e, quanto mais penso nisso, mais me parece que nós, que ainda vivemos, somos seres irreais aos olhos dos mortos e visíveis somente de vez em quando, em determinadas condições de luz e atmosfera”.

Geoff Dyer, em um ensaio sobre Sebald e Thomas Bernhard, comenta sobre o estranho aspecto espectral da escrita de Sebald: “a primeira coisa a se dizer sobre os livros de W. G. Sebald é que eles têm uma qualidade póstuma. Ele escreveu - como muito já se observou - como um fantasma. Ele foi um dos mais inovadores escritores do século XX, e ainda assim parte de sua originalidade derivava da forma com que sua prosa parecia exumada do século XIX”.

A alegação do pscianalista Adam Phillips de que “Sebald é mais como um novo tipo de historiador do que um novo tipo de romancista” pode ser provocativa demais, mas é uma indicação de como seu trabalho ainda pode ser alocado dentro de um nicho canônico seguro. Seus livros são fascinantes pela maneira com que habitam seu próprio gênero auto-determinado, mas não é por isso que eles são uma leitura essencial. Há uma grandeza moral e uma cansada e melancólica sabedoria na escrita de Sebald que transcende o literário e alcança algo como um registo oracular. Lê-lo dá a impressão de estarem falando conosco em um sonho. Ele acaba com os procedimentos normais de caracterização narrativa de ficção - enredo, eventos que levam a outros eventos -, de modo que o que temos é a expressão sem mediação de uma voz pura e aparentemente sem corpo. Essa voz é uma extraordinária presença na literatura contemporânea, e pode passar mais uma década antes que a magnitude e a precisa natureza de suas declarações e de seus silêncios sejam plenamente entendidas.
_____




Trechos de Austerlitz:

"O que me lembro é das roupas que me deixavam muito infeliz, e também do sumiço inexplicável da mochilinha verde, e recentemente até imaginei ser capaz de recordar algo do processo de perda da minha língua materna, dos seus rumores que mês após mês se tornavam cada vez mais débeis e que, imagino, sobreviveram dentro de mim ao menos durantes uns tempos, como uma espécie de rascar ou bater de alguma coisa presa, que, de medo, sempre fica quieta e se cala quando alguém tenta escutá-la."
(pg. 139)

"Não me parece, disse Austerlitz, que compreendamos as leis que governam o retorno do passado, mas sinto cada vez mais como se o tempo não existisse em absoluto, somente diversos espaços que se imbricam segundo uma estereometria superior, entre os quais os vivos e os mortos podem ir de lá para cá como bem quiserem e, quanto mais penso nisso, mais me parece que nós, que ainda vivemos, somos seres irreais aos olhos dos mortos e visíveis somente de vez em quando, em determinadas condições de luz e atmosfera."
(pg. 182)

"De fato, nunca na minha vida eu adormeci tão bem quanto nessa primeira noite que passei com Marie. Eu escutava a sua respiração regular. No relâmpago que de vez em quando riscava o céu, seu belo rosto aparecia ao meu lado por uma fração de segundo, e então a chuva desabou lá fora com o seu ruído uniforme, as cortinas brancas sopravam para dentro do quarto, e ao adormecer eu senti, como uma ligeira descompressão atrás da testa, a crença ou a esperança de estar finalmente salvo."
(pgs. 206-207)


Livros em português:

Vertigem (leia o início)
Os emigrantes (leia o início)
Os anéis de Saturno (leia o início)
Austerlitz (leia o início)
Guerra aérea e literatura (sem trecho disponível no site da Cia)


Leia mais:

Ensaio sobre Sebald na Serrote

____
Pensei em postar no subfórum dos autores, mas depois vi outras reportagens aqui no generalidades, e achei que ficava melhor aqui mesmo. Se preferirem mover, à vontade.
 
Última edição:
Olha, é o Jacques!

:roll:



Tá, a sério agora:
digamos que alguém queira dar uma oportunidades ao cara,
qual seria assim o livro ideal para conquistar de prima um leitor novo?
 
O consenso é que Austerlitz é a obra-prima dele. É também o livro que mais conta uma história, e acho que um bom ponto de partida, mas eu acho que gosto mais de Os anéis de Saturno. Eu comecei pelo Guerra aérea e literatura, que trata dos bombardeios das cidades alemãs na segunda guerra, como os próprios alemães trataram isso com silêncio e humilhação e como os escritores alemães se omitiram de tratar do tema. É um livro que tu vai ver repercutir em todos os outros, então também poderia ser um ponto de início.
 
Primeiro vídeo que eu encontro em que o Sebald aparece em carne e osso. Ele primeiro fala um pouco sobre o último livro que ele viria a publicar em vida (Austerlitz), depois lê um trecho do livro (na edição brasileira, pgs. 203 a 212), e segue um Q&A bem interessante, com ele e a Susan Sontag respondendo perguntas enviadas pela plateia. Dois meses depois, ele viria a morrer.

 
Acho bacana que se chame atenção ao Sebald, mas o texto do Fuks é meio bobão. O próprio Sebald falava abertamente que as fotografias que ele utilizava eram adulteradas, e que isso permitia que ele desse um passo além dos narradores dos séculos XVIII e XIX (que apresentavam "manuscritos encontrados" como se fossem verdadeiros), apresentando "provas" da veracidade daquilo que ele escrevia nos seus livros. Isso é parte de toda a discussão dele sobre a posição do narrador... Ele nunca alegou que os livros dele representavam a verdade, ele usava alguns pilares de realidade mais ou menos como o Borges fez no História universal da infâmia ou como o Thomas Bernhard fazia nos seus livros.
 
Mas ele já sabia disso também. O próprio Fuks inclui o Sebald naquele seu livro sobre a história do romance. E eu vejo esse parágrafo inicial como ironia. Não tem como ver de outro modo: "intitula-se o artigo, com ar de alarme. Nele conhecemos alguns detalhes de sua aparente prática de falseamento..." Acho que o foco do Fuks aqui era trazer a queixa daqueles que inspiraram os livros e se sentiram de alguma forma lesados ou usados pelo autor — e a partir daí tratar do assunto. Não é, de modo algum, trazer o fato como novidade.
 
Vi que "Os Emigrantes", do Sebald, entrou em oferta na Book Friday. Com os posts do @Jacques Austerlitz , o autor tava no meu radar. Não li nada dele ainda. :think:

Jacques e demais colegas... vale à pena esse livro?

Edit:

Vi que o Austerlitz está pelo mesmo preço. Considerando a resposta do Jacques pro @Béla van Tesma mais acima, acho que valeria mais à pena iniciar por aí. Pensando se tiro o escorpião do bolso pra comprar... :think:

Edit (2):

Achei as capas umas feiuras. 8O
 
Última edição:
Eu acho as capas simpatiquinhas.
Tenho alguns títulos do Sebald mas ainda não li nada. Nunca lembro quais já tenho e nunca lembro quais são os mais indicados pelo Jacques. Acho que já mandei umas três msgs privadas a ele perguntando a mesma coisa, sempre que acho uma promoção boa. :lol:
 
Vi que "Os Emigrantes", do Sebald, entrou em oferta na Book Friday. Com os posts do @Jacques Austerlitz , o autor tava no meu radar. Não li nada dele ainda. :think:

Jacques e demais colegas... vale à pena esse livro?

Edit:

Vi que o Austerlitz está pelo mesmo preço. Considerando a resposta do Jacques pro @Béla van Tesma mais acima, acho que valeria mais à pena iniciar por aí. Pensando se tiro o escorpião do bolso pra comprar... :think:

Edit (2):

Achei as capas umas feiuras. 8O
Sim, eu gosto muito de "Os emigrantes" e acho que é a melhor porta de entrada. E não fica longe de disputar com "Os anéis de saturno" como o meu preferido do Sebald.

"Austerlitz" é o único dos livros dele publicados no Brasil que eu ainda não reli (e ainda não li o "Campo santo", que saiu há pouco). É uma leitura um pouco mais cansativa, pelo uso de parágrafos intermináveis, mas é dos livros dele o que mais se aproxima de um romance.
 
Sim, eu gosto muito de "Os emigrantes" e acho que é a melhor porta de entrada. E não fica longe de disputar com "Os anéis de saturno" como o meu preferido do Sebald.

"Austerlitz" é o único dos livros dele publicados no Brasil que eu ainda não reli (e ainda não li o "Campo santo", que saiu há pouco). É uma leitura um pouco mais cansativa, pelo uso de parágrafos intermináveis, mas é dos livros dele o que mais se aproxima de um romance.

Uia, @Jacques Austerlitz ... essa recomendação pesou a favor do livro.
O pior é que agora eu li a sinopse do Austerlitz e fiquei dividido. :lol:
 
Vi que "Os Emigrantes", do Sebald, entrou em oferta na Book Friday. Com os posts do @Jacques Austerlitz , o autor tava no meu radar. Não li nada dele ainda. :think:

Jacques e demais colegas... vale à pena esse livro?

Edit:

Vi que o Austerlitz está pelo mesmo preço. Considerando a resposta do Jacques pro @Béla van Tesma mais acima, acho que valeria mais à pena iniciar por aí. Pensando se tiro o escorpião do bolso pra comprar... :think:

Edit (2):

Achei as capas umas feiuras. 8O
Só li o "Os Emigrantes" e gostei bastante. A forma que o autor caminha a narrativa com colagem de imagens, protagonistas que podem ou não ser o próprio autor, pitadas ensaística sem ser pedante me cativou.

Dos autores que descobri recentemente, Sebald só está atrás do Mishima. Vale a pena!
 

Valinor 2023

Total arrecadado
R$2.434,79
Termina em:
Back
Topo