A pergunta que surge dos números: homens são alérgicos a livros?
Rodrigo Casarin
Stanczyk, de Jan Matejko Imagem: Reprodução
Faço um desafio: chegue numa mesa cheia de homens e preste atenção. Marque no relógio quanto tempo levará para que falem de futebol ou política. Siga observando. Agora repare em qual momento a conversa caminhará para algum assunto relacionado ao mundo dos livros.
Sugestão: não prometa que só sairá de lá após ouvir algum papo sobre literatura, seja ela qual for. A chance de você morrer plantado no lugar é grande. Seriam todos alérgicos a livros?
Um homem que circula por rodas onde romances, ensaios e poemas são assuntos frequentes é um privilegiado. O mais comum é que, nessas mesas, livros sejam vistos como aberrações. Quando algum marmanjo comenta com outro o que está lendo, faz isso sempre de forma discreta, sem alardear para o grupo.
Daí que chama a atenção, mas não chega a causar surpresa um dos números da última Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que aconteceu há algumas semanas. Nos dez dias de evento, passaram pelo Anhembi 722 mil visitantes, um público quase 10% maior do que a última edição, em 2022.
A maior parte dessas pessoas, 43,3%, tinha entre 18 e 24 anos. A quantidade de gente entre 25 e 29 anos foi parecida com a do povo entre 30 e 39 anos: 18,6% a 17,1%. O pessoal na faixa dos 40 representaram 13,8%. Na faixa dos 50, 5%. Acima dos 60, 2,2%.
E, segundo levantamento feito pela própria Bienal, a imensa maioria desses visitantes era formada por pessoas do gênero feminino. 68,8% de quem esteve passeando pelos estandes de editoras e livrarias se identificaram dessa forma, enquanto a opção "masculino" ficou com apenas 28,5% (1,2% citou "outros" e 0,5% preferiu não responder).
Não por acaso, a Rocco, só para ficarmos num exemplo, apurou que 90% dos livros vendidos em seu estande dominado por romantasia e ficção coreana foram escritos por autoras.
Apostaria que, pensando num outro ponto, a presença da minoria masculina tenha sido mais intensa nos espaços de coaches da vida. Quando Pablo Marçal esteve pelo Anhembi, sobretudo rapazes cercaram e bajularam o sujeito.
A pesquisa Panorama do Consumo de Livros de 2023, feita pela Nielsen BookData a pedido da Câmara Brasileira do Livro, tem dados que seguem a mesma toada, ainda que com discrepância menor. Aponta que as mulheres, 51% da população, representam 57% dos compradores de livros no país.
No ensaio "Os Pastons e Chaucer", Virginia Woolf conta a história de Sir John. Homem rural, às vezes ele deixava as negociações ou o cuidado com o campo de lado para, durante o dia, procurar por um lugar para ler. Trocar qualquer atividade prática por aquele mundo de histórias e sonhos era visto como desperdício de tempo pelos seus pares. Mas o prazer da leitura se impunha.
Séculos atrás, quando os romances se popularizaram, foram tidos como coisa de desocupados, de gente sonhadora e pouco séria que não tinha mais o que fazer. Ao que parece, muitos homens seguem com a mesma visão mofada sobre os livros, um olhar estúpido para a literatura.
Quem perde são eles. Sir John é que sabia das coisas.
Faço um desafio: chegue numa mesa cheia de homens e preste atenção. Marque no relógio quanto tempo levará para que falem de futebol ou política. Siga observando. Agora repare em qual momento a conversa caminhará para algum assunto relacionado ao mundo
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