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Poesia Sempre!!! (versão 2- não fui eu quem escreveu)

Essa poesia me marcou bastante na adolescencia :obiggraz:




Uma mulher

Bruna Lombardi

Uma mulher caminha nua pelo quarto
é lenta como a luz daquela estrela
é tão secreta uma mulher que ao vê-la
nua no quarto pouco se sabe dela

a cor da pele, dos pêlos, o cabelo
o modo de pisar, algumas marcas
a curva arredondada de suas ancas
a parte onde a carne é mais branca

uma mulher é feita de mistérios
tudo se esconde: os sonhos, as axilas,
a vagina
ela envelhece e esconde uma menina
que permanece onde ela está agora

o homem que descobre uma mulher
será sempre o primeiro a ver a aurora.
 
Este é um dos poemas mais excepcionais que eu jah li. É realmente incrivel como o Carlos Drummond de Andrade fala com todos nós neste poema. Para quem nunca conheceu, aqui está uma oportunidade de ler este poema magnífico, José, o José que pode ser cada um de nós =)

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?


Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você contasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Drummond
 
Eu li esta poesia pela primeira vez, há muito tempo atrás, em uma aula de literatura na escola... Foi ela que desencadeou a grande paixão que eu tenho até hoje por Álvares de Azevedo :grinlove: :obiggraz:

Lembrança de Morrer

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos - bem poucos - e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua pratear-me a lousa!


Álvares de Azevedo
 
~·*Ana Lovejoy*·~ disse:
Eu conheço essa como sendo de autoria do Gil Vicente, inclusive cheguei a postar no tópico sobre ele.

Tem certeza? :eek:
Eu achei ele num livro só de poemas do Drummond... bizarro...

bom, que seja, eu gosto do poema :mrgreen:
 
Xi, vou ter que tomar cuidado para não me empolgar (vou tentar postar no máximo um poema por semana, se eu conseguir).
8O Vixe! Num é que já passou uma semana e eu nem vi :roll:

Morte e Vida Severina
João Cabral de Mello Neto

(...)
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
(...)

A poesia completa pode ser vista em
http://www.navedapalavra.com.br/resumos/morteevidaseverina.htm
 
Um dos melhores de Fernando Pessoa na minha opiniao, Muito lindo 8-) :

Mar Portugues
O mar salgado, quanto do teu sal
Sao lagrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas maes choraram,
Quantos filhos em vao rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, o mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma nao e pequena.
Quem quer passar alem do Bojador
Tem que passar alem da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele eh que espelhou o ceu.
 
Aí vai meu trecho preferido de O Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meirelles, dedicado ao traidor, Joaquim Silvério dos Reis:
(não sei se a organização das estrofes está exatamente como no original, pois não estou copiando do livro).

"Melhor negócio que Judas,
fazes tu, Joaquim Silvério.
Pois ele traiu Jesus Cristo,
Tu trais um simples alferes
Recebeu trinta dinheiros
E tu muitas coisas pedes:
Pensão para toda a vida,
Perdão para o quanto deves,
Comenda para o pescoço,
Honras, glórias, privilégios,
E andas tão bem na cobrança,
Que quase tudo recebes.

Melhor negócio que Judas,
Fazes tu, Joaquim Silvério.
Pois ele encontra remorso,
Coisa que não te acomete
Ele topa uma figueira,
Tu calmamente envelheces.
Orgulhoso, impenitente,
Com seus sombrios mistérios...
(Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens
e a surda força dos vermes.)”
 
Este é um dos poemas mais pertubadores que eu já li... absolutamente impressionante, e pode não parecer tanta coisa para voces (eu nunca conheci mt gente que tivesse lido ele :( ), mas até hoje ele me deixa "encucada"

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Carlos Drummond de Andrade
 
Largo Cavafundo disse:
~·*Ana Lovejoy*·~ disse:
Eu conheço essa como sendo de autoria do Gil Vicente, inclusive cheguei a postar no tópico sobre ele.

Tem certeza? :eek:
Eu achei ele num livro só de poemas do Drummond... bizarro...

bom, que seja, eu gosto do poema :mrgreen:

Bem, solucionei o enigma...

O poema que aqui postei e uma 'reescrivinhação' do original gil-vicentês, por Carlos Drummond de Andrade... portanto, nós dois estamos certos...


Como eu gosto de variar, aqui vão dois poemas de Manuel Bandeira:

Belo belo - I

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Tenho o fogo das constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo-que foi? passou! - de tantas estrelas cadentes.
A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

Belo belo - II

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.
 
Essa é beeem grandinha, mas creio que vale muito a pena! :D

A Bomba Atômica

I

Dos céus descendo
Meu Deus eu vejo
De pára-quedas?
Uma coisa branca
Como uma forma
De estatuária
Talvez a forma
Do homem primitivo
A costela branca!
Talvez um seio
Despregado à lua
Talvez o anjo
Tutelar cadente
Talvez a Vênus
Nua, de clâmide
Talvez a inversa
Branca pirâmide
Do pensamento
Talvez o troço
De uma coluna
Da eternidade
Apaixonado
Não sei indago
Dizem-me todos
É A BOMBA ATÔMICA

Vem-me uma angústia


Quisera tanto
Por um momento
Tê-la em meus braços
E coma ao vento
Descendo nua
Pelos espaços
Descendo branca
Branca e serena
Como um espasmo
Fria e corrupta
De longo sêmen
Da Via-Láctea
Deusa impoluta
O sexo abrupto
Cubo de prata
Mulher ao cubo
Caindo aos súcubos
Intemerata
Carne tão rija
De hormônios vivos
Exacerbada
Que o simples toque
Pode rompê-la
Em cada átomo
Numa explosão
Milhões de vezes
Maior que a força
Contida no ato
Ou que a energia
Que expulsa o feto
Na hora do parto.


II

A bomba atômica é triste
Coisa mais triste não há
Quando cai, cai sem vontade
Vem caindo devagar
Tão devagar vem caindo
Que dá tempo a um passarinho
De pousar nela e voar . . .

Coitada da bomba atômica
Que não gosta de matar!
Coitada da bomba atômica
Que não gosta de matar
Mas que ao matar mata tudo
Animal e vegetal
Que mata a vida da terra
E mata a vida do ar
Mas que também mata a guerra . . .
Bomba atômica que aterra!
Bomba atônita da paz!

Pomba tonta, bomba atômica
Tristeza, consolação
Flor puríssima do urânio
Desabrochada no chão
Da cor pálida do hélium
E odor de rádium fatal
Lœlia mineral carnívora
Radiosa rosa radical.

Nunca mais oh bomba atômica
Nunca em tempo algum, jamais
Seja preciso que mates
Onde houve morte demais:
Fique apenas tua imagem
Aterradora miragem
Sobre as grandes catedrais:
Guarda de uma nova era
Arcanjo insigne da paz!


III

Bomba atômica, eu te amo! és pequenina
E branca como a estrela vespertina
E por branca eu te amo, e por donzela
De dois milhões mais bélica e mais bela
Que a donzela de Orleães; eu te amo, deusa
Atroz, visão dos céus que me domina
Da cabeleira loura de platina
E das formas aerodivinais
— Que és mulher, que és mulher e nada mais!
Eu te amo, bomba atômica, que trazes
Numa dança de fogo, envolta em gazes
A desagregação tremenda que espedaça
A matéria em energias materiais!
Oh energia, eu te amo, igual à massa
Pelo quadrado da velocidade
Da luz! alta e violenta potestade
Serena! Meu amor . . . desce do espaço
Vem dormir, vem dormir, no meu regaço
Para te proteger eu me encouraço
De canções e de estrofes magistrais!
Para te defender, levanto o braço
Paro as radiações espaciais
Uno-me aos líderes e aos bardos, uno-me
Ao povo ao mar e ao céu brado o teu nome
Para te defender, matéria dura
Que és mais linda, mais límpida e mais pura
Que a estrela matutina! Oh bomba atômica
Que emoção não me dá ver-te suspensa
Sobre a massa que vive e se condensa
Sob a luz! Anjo meu, fora preciso
Matar, com tua graça e teu sorriso
Para vencer? Tua enégica poesia
Fora preciso, oh deslembrada e fria
Para a paz? Tua fragílima epiderme
Em cromáticas brancas de cristais
Rompendo? Oh átomo, oh neurônio, oh germe
Da união que liberta da miséria!
Oh vida palpitando na matéria
Oh energia que és o que não eras
Quando o primeiro átomo incriado
Fecundou o silêncio das Esferas:
Um olhar de perdão para o passado
Uma anunciação de primaveras!


Vinicius de Morais
 
hm, poesia
sempre ela

Refugo

Não faço poemas métricos nem simétricos
Faço poesia?
Poesia é siamesa dos sentimentos
Breves múrmurios do eu displicente
Do pensar decadente, do viver abertamente
Uma arte sublime, vai do belo ao travesso
E travessos somos se não há o pensar.

Razão? Que razão há neste mundo
Se não aquela a qual não há razão?
Para que refletir o esdrúxulo
Indagar-se sobre o incorpóreo
Incorporar o incerto
Se este não se mostra presente?

Que apodreça a inefabilidade das cousas na cova da inépcia!
Digo isto em claro e bom tom para vós me ouvires
E questionar indulgência com a vida tola e medíocre

Nas miuçalhas sem razão é onde a vida se encontra
Inebriando o momento, pois o momento é fugaz
A vida é poesia, o poema o instante
Fazes poesia?

Janieri Velasquez

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Perdulário Ego

O que a dor significa para ti?
Tu não entendes as lágrimas de um profanado
Tu não compreendes o riso de um mórbido condenado
Não obstante tu julga-os destrutivamente
Negando a mão forte a quem outrora teve a mão quente
E, por estarem gélidas, cadavéricas, tu nojo tens
Afasta-te proclamando o bem dos bens! (sic)
Repúdio tenho de ti, pequeno fanfarrão
Que ao azedo vinagre da vida ainda haverá de provar
Quando ao som dos cântigos tetro-melancólicos
Tu ouvirás uma voz acolhedora e sutil
A qual talvez, por puro capricho da vida,
Será daquele ser fútil e vil
O bastardo que pisaste
E, se tu quiseres continuar digno de tua existência
Tu recusarás quando este lhe estender a mão...

Janieri Velasquez

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Síntese Universal dos Direitos Humanos

Artigo Único
Todo ser humano tem direito à felicidade.

Janieri Velasquez

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Oximóron

Libertem o grito da amargura
Misturem com o zênite do prazer
Chorem as lágrimas da tristeza
Velem os risos, da loucura?

Ajam com a benevolência de um santo
Façam as maldades de um demônio
Sintam a essência da volúpia
Cubram as vergonhas com um manto

Estarão a viver...

Janieri Velasquez

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Bela

Fugi-me de mim para longe de ti
Visitei o inóspito mantô da solidão
Nas vestes da covardia, sim! Sofri
Suplicando por mísera compaixão

Misericórdia vinda de ti? Não!
Que culpa tens em seres tão bela
Que culpa há em não me estenderes a mão
Se não te ofereci a minha, balela!

Balela, balela! Eu te ofereci!
Ah, se a imaginação fosse concreta
O que estou a dizer? Nela pereci...

Estou farto desta metafísica amorosa
Corroe meu peito, confunde minha sanidade
Tu és cruel vida e ti Bela, de olhar vaidosa.

Souza Ramos

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O Mistério das Cousas

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

(...)

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me: Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê.
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)


depois coloco mais, se for de grado
 
Soneto XXV

Antes de amar-te, amor, nada era meu:
vacilei pelas ruas e as coisas:
nada contava nem tinha nome:
o mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,
túneis habitados pela lua,
hangares cruéis que se despediam,
perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,
caído, abandonado e decaído,
tudo era inalienavelmente alheio,

tudo era dos outros e de ninguém,
até que tua beleza e tua pobreza
de dádivas encheram o outono.


Pablo Neruda
 
Mais Fernando Pessoa:

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente


E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,


E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro


Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,


Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos


Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,


Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis, 12-6-1914
 
Áspero Amor

Áspero amor, violeta coroada de espinhos,
cipoal entre tantas paixões eriçado, lanãa das dores,
corola da colera, por que caminhos
e como te dirigiste a minha alma?
Por que precipitaste teu fogo doloroso, de repente,
entre as folhas frias do meu caminho?
Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?
que flor, que pedra, que fumaãa
mostraram minha morada?
O certo é que tremeu noite pavorosa,
a aurora encheu todas as taãas com teu vinho
e o sol estabeleceu sua presenãa celeste,
enquanto o cruel amor sem trégua me cercava,
até que lacerando-me com espadas
e espinhos abriu no coração um caminho queimante.


Pablo Neruda
 
Essa daqui é do...é do...cara eu não lembro! Acho que é do Mário de Andrade! Ah é o mesmo que escreveu Amar, Verbo Intransitivo e Macunaíma. É ele não é?

Moça linda bem tratada

Moça linda bem tratada
Três gerações de família
Burra como uma porta
Um amor.

Usuário do despudor
Esporte, ignorância e sexo
Burro como uma porta
Um bocó.

Mulher gordaça, filó
Ouro transbordando por todos os poros
Burra como uma porta
Paciência...

Plutocrata sem consciência
O bordão
Que a porta do pobre arromba:
Uma bomba.

Tem umas palavras erradas sabe...eu fiz de cabeça.
E tbm eu tenho outro do Oswald:

Não quero as moreninhas de Macedo
Não quero as namoradas
do senhor poeta Alberto D,Oliveira
Quero você.

(não lembro o nome)
 
Cecília Meirelles... essa poesia é linda!!!!!!!!



Timidez

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
-- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
-- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
-- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo
até não se sabe quando...
-- e um dia me acabarei. *
 
Antífona

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras
Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes ...

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...

Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...

Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...


Cruz e Souza
 
Suave

Suave é a bela como se música e madeira,
ágata, telas, trigo, pêssegos transparentes,
tivessem erigido a fugitiva estátua.
Para a onda dirige seu contrário frescor.

O mar molha polidos pés copiados
à forma recém-trabalhada na areia
e é agora seu fogo feminino de rosa
uma borbulha só que o sol e o mar combatem.

Ai, que nada te toque senão o sal do frio!
Que nem o amor destrua a primavera intacta.
Formosa, revérbero da indelével espuma,

deixa que teus quadris imponham na água
uma medida nova de cisne ou de nenúfar
e navegue tua estátua pelo cristal eterno.


Pablo Neruda
_______________________________________
Trouxe

Trouxe o amor sua cauda de dores,
seu longo raio estático de espinhos,
e fechamos os olhos porque nada,
para que nenhuma ferida nos separe.

Não é culpa de teus olhos este pranto:
tuas mãos não cravaram esta espada:
não buscaram teus pés este caminho:
chegou a teu coração o mel sombrio.

Quando o amor como uma imensa onda
nos estrelou contra a pedra dura,
nos amassou com uma só farinha,

caiu a dor sobre ougtro doce rosto
e assim na luz da estação aberta
se consagrou a primavera ferida.


Pablo Neruda
 
Outro poema q amo... de um escritor, tenho q chama-lo assim, q admiro muito!


Perguntas de um operário que lê

Bertold Brecht


Quem construiu a Tebas das Sete Portas?

Nos livros constam nomes de reis.

Foram eles que carregaram as rochas?

E a Babilônia destruída tantas vezes?

Quem a reconstruiu de novo, de novo e de novo?

Quais as casas de Lima dourada

abrigavam os pedreiros?

Na noite em que se terminou a muralha da China

para onde foram os operários da construção?

A eterna Roma está cheia de arcos de triunfo.

Quem os construiu?

Sobre quem triunfavam os césares?

A tão decantada Bizâncio era feita só de palácios?

Mesmo na legendária Atlântida

os moribundos chamavam pelos seus escravos

na noite em que o mar os engolia.



O jovem Alexandre conquistou a índia.

Ele sozinho?

César bateu os gauleses.

Não tinha ao menos um cozinheiro consigo?

Quando a “Invencível Armada” naufragou, dizem que Felipe da Espanha chorou

Só ele chorou?

Frederico II ganhou a guerra dos Sete Anos.

Quem mais ganhou a guerra?



Cada página uma vitória.

Quem preparava os banquetes da vitória?

De dez em dez anos um grande homem.

Quem paga as suas despesas?



Tantas histórias.

Tantas perguntas.


agradecimentos especiais ao desconhecido de terno da livraria cultura q, como eu, conhecia o poema 8-)
 
O Corvo
De Edgar Allan Poe
Traduzido por Machado de Assis



Em certo dia, à hora da meia-noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga, ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta, ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho e disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."

Ah! Bem me lembro! Bem me lembro! Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia a sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará jamais.

E o rumor triste, vago, brando, das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito, levantei-me de pronto e, com efeito
Disse: "É visita amiga e retardada que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

Minhalma então sentiu-se forte; não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós, ou senhor ou senhora, me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso, já cochilava, e tão de manso batestes,
Não fui logo prestemente,certificar-me que aí estais."
Disse: "A porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais."

Com longo olhar escruto a sombra que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado, mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta: Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu como um suspiro escasso,da minha triste boca sais;
E o eco, que me ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.

Entro co'a alma incendiada. Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais tarde; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela alguma coisa que sussurra. Abramos.
Ela, fora o temor, eia, vejamos a explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais. Devolvamos a paz ao coração medroso.
Obra do vento e nada mais."

Abro a janela e, de repente, vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias. Um minuto, um instante.
Tinha o aspecto de um lord ou de uma lady. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas, acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.

Diante da ave feia e escura, naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento, sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa, dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Vendo que o pássaro entendia a pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera dificilmente lha entendera.
Verdade, jamais homem há visto coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta, num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é o seu nome: "Nunca mais."

No entanto, o Corvo solitário não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse, toda sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma, não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Estremeço. A resposta ouvida é tão exata! É tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga, que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais."

Segunda vez, nesse momento, sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo; E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera achar procuro a lúgubre quimera.
A alma, o sentido, o pávido segredo daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais."

Assim, posto, devaneando, meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas se lhe não falava, sentia o olhar que me abrasava,
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto, com a cabeça no macio encosto,
Onde os raios da lâmpada caiam, onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.

Supus então que o ar, mais denso, todo se enchia de um incenso.
Obra de serafins que, pelo chão roçando do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível; E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado, venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo tem os seus lares triunfais,
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende! Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala, dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No Éden celeste a virgem que ela chora nestes retiros sepulcrais.
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Ave ou demônio que negrejas! Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa! Clamei, levantando-me: cessa! Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo. Vai-te, não fica no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua, tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

E o Corvo aí fica; ei-lo trepado no branco mármore lavrado
Da antiga Palas; Ei-lo imutável, ferrenho. Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Demônio sonhando. A luz caída do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai nunca, nunca mais!
 

Valinor 2023

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