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Poesia: Foi o verso livre um delirio, um excesso modernista?

Olá, é meu primeiro topico :)

Estou lendo um livro interessantissimo: Missing Measures, do Timothy Steele, um poeta americano a quem é commum relacionar o New Formalism, Novo Formalismo, movimento que surge no fim do seculo passado e que ainda possui uma certa influencia sobre a nossa anarchica contemporaneidade. Disso, e do titulo, ja alguns de vocês podem inferir sobre o que se trata a obra; o Steele faz uma analyse em busca das razões pelas quais o verso metrificado, cultivado desde antes de Christo e tudo mais, afigurou-se na lista moderna de coisas para se abolir.
Ainda só pude ler o primeiro capitulo (que ja por si só é bastante materia para se debater aqui), e logo mais posso vir a actualizar a discussão. Por enquanto, porém, dado e aqui mencionado a não parcialidade do Steele, faço um resumo rapido e conciso do que, entre tudo o que li até agora, mais me chamou atenção, de modo que os senhores tenham uma comprehensão basica do argumento.

Bom, que é de revoluções estheticas que a tradicção artistica se desenvolve, o mundo inteiro sabe. Movimentos que se insurgem contra outros e, com o folego de novos tempos, instauram um paradigma dominante, substituindo o antigo, são parte natural do systema. O que é singular na analyse do Steele é que ella chama atenção para o facto de que, no contexto da Poesia, as revoluções quase sempre visam a adequação, ou melhor: atualização da dicção poetica aos novos tempos que se seguem. Isso foi a characteristica fundamental do romantismo de Wordsworth, em cujo prefacio, de Lyrical Ballads, é exposto uma defesa da dicção simples, do homem commum, sobre temas communs de sua realidade commum. Commum!

Pouco differente foi a que defendeu Eliot e os grandes nomes do modernismo, como Pound e seu muito admirado amigo, em especial, Ford Madox Ford, para os quais o novo movimento advogava pela:
1) Reforma do idioma rumo à falla commum;
2) Reorientação do conteudo poetico em direcção à vida moderna e contemporanea;
3) Incorporação de palavras, phrases e expressões modernas.
Contra quem os modernistas se insurgiam? Contra o vocabulario pomposo, obscuro e elevado dos Victorianos, é claro: da epocha anterior, cuja dicção poetica se banalizou, se degradou. A differença, diz Steele, que singulariza esse movimento é a associação da dicção victoriana, contra a qual investiam, com a metrica usada no periodo (o facto della ter sido usada em todos os outros antes deste parecia não importar muito). No mesmo barco da dicção defasada estava a metrica, e se quisessemos abolir um, haveriamos de abolir o outro, na esperança de, fundada uma nova dicção, fundar uma nova metrica, como Eliot diz: "When we reach a point at which the poetic idiom can stabilized, then a period of musical elaboration can follow", em que, diz-nos o Steele, no contexto da obra do Eliot, por "idiom", quer-se dizer "dicção" e, por "musical elaboration", metro.

O Steele enfatiza essa singularidade do modernismo neste poncto da metrica; varios outros movimentos, na historia, surgiram com o proposito de reformar o idioma, mas nenhum delles cumpre precedente de abolir o metro. Euripedes, por exemplo, criticou o discurso difficil do theatro de sua epocha, propondo retratar, em vez disso, os homens como elles de facto são, como de facto fallam. Horacio, por sua vez, tambem questiona a mania de seu tempo em idolatrar o passado, a falta de clareza, a obscuridade poetica e a linguagem em desuso, defendendo uma falla simples, de seu tempo, sobre coisas da sua contemporaneidade e de sua patria, mas não procura dar fim ao metro consolidado em sua lingua pelas gerações passadas.

Escreve Steele:
Horace, however innovative in his treatment of subject matter and in his adaptions of earlier forms, is a master of traditional craft. In fact, in Epistle 1.19, he insists that maintaining conventional versification in no way diminishes a poet’s claim to originality. “And lest you should crown me with a scantier wreath,” he remarks (26-29), discussing his achievements in the Epodes and Odes, “because I feared to change the measures and form of verse, see how manlike Sappho moulds her Muse by the rhythm of Archilochus; how Alcaeus moulds his, though in his themes and arrangement he differs.” As Horace says in Satire 2.1.28, “My own delight is to shut up words in feet {me pedibus delectat claudere verba)." He is an innovative poet. His experiments, however, are carried out in the context of metrical tradition.

O Steele tambem faz varias outras citações de nomes, cuja auctoridade os modernistas elevavam para se justificar, em que se vemos ao mesmo tempo uma defesa da linguagem clara, que se assemelhe à prosa em sua naturalidade, não vemos menos tambem o cultivo da rhyma, da metrica, etc.

Ora, e aqui chegamos no poncto crucial: se a abolição da metrica e a instituição de um novo systema ou, como diz o Eliot, de uma nova "elaboração musical", não se faz coisa necessaria para uma revolução esthetica, haja vista as tantas que ao modernismo precederam, uma vez que aceitamos a peculiaridade deste movimento, resta-nos saber por quê! Não por que abolir a metrica em si, porque isso ja aqui foi dito (a dicção, o idioma, emfim, o modo do fallar poetico victoriano era fortemente associado ao cultivo da metrica pelo Pound, pelo Eliot, pelo Ford), mas por que tal associação.

Steele faz uma citação do J. V. Cunningham, em The Iowa Review, em que elle diz que "the missunderstanding concerning to a confusion of scansion with the actual metrical pattern" é a raiz do problema. Para os modernistas, escanção metrica do verso equivaleria ao rhythmo do verso, ou trocando em miudos: um verso em iambo hexametro, diz Pound, ha de soar assim:
"ti-tum, ti-tum, ti-tum, ti-tum, ti-tum, ti-tum".​

Steele defende isto ser errado. Elle cita Julio Cesar Escaligero, em sua Poetica...

The measure of the verse is invariable, its rhythm variable... It will be therefore the measure that determines its extent. Rhythm on the other hand determines its temperament.

... e addiciona: em grego, um dos significados de Rhythmo é "disposição", "temperamento".

De modo diferente, os modernistas tinham que, para que se houvesse variação rhythmica, era necessario haver tambem uma variação metrica correspondente, sem a qual dois decassyllabos, por exemplo, hão de soar, por mais distintos que sejam em materia, sempre: ti-tum, ti-tum, etc.
Para contradizer esta visão, o Steele nos offerece seis iambos hexametricos (respectivamente de Ben Jonson, Rochester, Jane Austen, E. A. Robinson, Robert Frost, e Thom Gunn):

Farewell, thou child of my right hand, and joy.
French truth, Dutch prowess, British policy.
The day commemorative of my birth.
If ever I am old, and all alone.
Snow falling and night falling fast, oh, fast.
Resisting, by embracing, nothingness.

Elle nos aponcta para a sonoridade distincta de cada verso -- sonoridade, isto é: rhythmo, ainda que a abstração metrica idealizada seja a mesma. Isto ha, continua nos dizendo, porque a lingua não é feita apenas de syllabas fortes e fracas, mas de tonicas secundarias, terciarias, syllabas que se contrastam umas às outras, que cavalgam mais ligeiras, outras que trotam, cambaleiam etc, de modo que a sonoridade é sempre relativa ao conteudo vocabular do verso, não a sua metrica. A confusão entre estas duas coisas, segundo Steele, é devido ao modo como a escanção era e é ensinado nas escolas e nos manuais de versificação: ti-tum, ti-tum. Sempre se enfatiza, mais do que o necessario, isto é: mais do que a falla commum e natural enfatizaria e daquillo que é proprio das palavras, para que se comprehenda a idéa. Pronunciamos: Shall - I - com - PARE - thee - TO - a - SUM - mer's - DAY. Meio musicado, meio exagerado, meio "metrico demais", sem deixar que as pallavras exerçam sua verdadeira tonicidade, Shall I compare thee to a summer's day.

(Uma nota, que vale a pena commentar: Mario Ferreira dos Santos, em seu livro de Rhetorica, no capitulo dedicado à declamação poetica, faz a mesma critica a essa gente que exagera na tonicidade, e advoga por uma voz natural, fallada como se falla de verdade.)

Isto tudo -- tudinho -- porque o Pound desce o pau na metrica por acusal-a de ter um imprescindivel character "metronomico". Ti-tum, ti-tum... Outra coisa que deve ter causado má impressão eram as tentativas de systematizar a metrica do verso a um compasso musical. Sidney Lanier tentou isso no seu tractado, The Science of English Verse, defendendo que o iambo equivalesse a um compasso de 3/8 (que por si só ja é um compasso, sejamos francos, bizarro): a syllaba atona sendo representada por uma colcheia (que vale 1/8, pra você que não é manjador de musica) e a tonica por uma seminima (que vale 1/4 ou 2/8). Isso sim, emfim, foi metronomizar o iambo.

De qualquer forma, o curioso é: ao mesmo tempo, no entanto, que condemnam o "ti-tum", ou em outras palavras, a rigidez à qual a metrica é imprescindivel, os modernistas, em geral, mas em especial o Eliot, (que em seu ensaio sobre o Verso Livre diz não haver tal coisa como um verso que seja livre [e a origem do termo é algo que o Steele explica, mas que collocar aqui me custa ser chamado de prolixo]) alegavam que qualquer coisa possui metrica, qualquer coisa pode ser escandida. O Eliot, em seu ensaio, escreve:

If vers libre is a genuine verse-form it will have a positive definition. And I can define it only in negatives: (1) absence of pattern, (2) absence of rhyme, (3) absence of metre.
The third of these quantities is easily disposed of. What sort of a line that would he which would not scan at all I cannot say. Even in the popular American magazines, whose verse columns are now largely given over to vers libre, the lines are usually explicable in terms of prosody. Any line can be divided into feet and accents.

O Pound tambem expressa coisa similar, de que é virtualmente impossivel para um poeta compor fugindo a qualquer tipo de metrica, "não-metricamente":

Alexandrine and other grammarians have made cubby-holes for various groupings of syllables; they have put names upon them, and have given various labels to ‘metres' consisting of combinations of these different groups. Thus it would be hard to escape contact with some group or other; only an encyclopedist could ever be half sure he had done so. The known categories would allow a fair liberty to the most conscientious traditionalist. The most fanatical vers-librist will escape them with difficulty.

Ora, ora! Se por um lado dizem haver rigidez na metrica, e por isso ella deve ser evitada, como não se figura contradicção dizer que tudo o que existe é metrico e que à metrica não se pode escapar? Aqui eu ja discordo um pouco do Steele que diz de facto haver contradicção; eu, na minha opinião, acho que a rigidez da qual falavam era a "monotonia" do ti-tum. Seja o que for, contra isso ja houve o que dizer.

Para o Steele, emfim, a razão de ser desta contradicção é que, emquanto o argumento do ti-tum deslegitima a metrica convencional, o argumento da metrica inevitavel legitima o verso livre como metrica, ou ao menos como projeto, cujos fructos serão a instituição de um novo systema metrico que reaviva o discurso poetico e o distingua dos tempos anteriores, ao mesmo tempo em que se lhe consolide como continuação. Isso não aconteceu :(

E aqui entra a parte interessante disso tudo, logo apos o triumpho do movimento: a desilusão dos versilibristas -- fallo do Eliot, do Pound, do Williams. Em vez da consolidação de um novo paradigma, de uma nova phase da tradicção, bom..., houve mais e mais experimentos, e experimentos, e experimentos...

Pound escreve:
Vers libre has become as prolix and as verbose as any of the flaccid varieties that preceded it...

Ja o Eliot, em seu ensaio, de 1942, “Music of Poetry”:
The craving for continual novelty of diction and metric is as unwholesome as an obstinate adherence to the idiom of our grandfathers.

E em 1944, na sua palestra sobre Dr. Johnson, diz:
Originality, when it becomes the only, or the most prized virtue of poetry, may cease to be a virtue at all; and when several poets, and their respective groups of admirers, cease to have in common any standards of versification, any identity of taste or of tenets of belief, criticism may decline to an advertisement of preference.

E em 1947, na sua palestra sobre Milton:
"We cannot, in literature, any more than in the rest of life, live in perpetual state of revolution", e alerta sua audiencia para o perigo de “a progressive deterioration, and that is our danger today".

E em 1950, Eliot escreve em uma carta á Janet Adam Smith:
I was shocked when my grand-niece presented me with some verses that she had written as school exercises to find that little girls in an American school were encouraged to write in vers libre.
(Hahaha! Que fofo! Não a menininha, mas o Eliot vendo o Verso Livre virar orthodoxia.)

William Carlos Williams, em 1942, numa correspondencia:
I have wanted to link myself up with a traditional art, to feel that I was developing individually it might be, but along with that, developing still in the true evolving tradition of the art. I wonder how much I have succeeded there. I haven’t been recognized and I doubt that my technical influence is good or even adequate.

Em 1948, em seu ensaio "Poem as a Field of Action", elle reclama da experimentação tediosa da escripta contemporanea:
The tiresome repetition of this ‘new,’ now twenty years old, disfigures every journal.

E em 1953, em seu "On Measure - Statement for Cid Corman":
There is nothing interesting in the construction of our poems, nothing that can jog the ear out of its boredom. I among the rest have much to answer for. Without measure we are lost. But we have lost even the ability to count. . . . There are a few exceptions but there is no one among us who is consciously aware of what he is doing.

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Emfim, acaba-se o primeiro capitulo. Fica ahi um pouco de minhas notas. A quem quiser dar uma lida no livro: é possivel pegal-o emprestado em Archive.org
Pode me chamar em privado tambem.

A questão que fica para a discussão é a do titulo -- questão mais para se reflectir do que para se responder, eu creo. Sei que ha aqui no forum gente que cultiva o habito de ler poesia, com quem eu adoraria conversar; o topico sobre poesia contemporanea foi um dos mais instrutivos e completos que aqui vi.

Se me der tempo, vou ainda traduzir os trechos em inglez, para a galera que não manja muito da lingua.

Perdoa a orthographia se te incomoda :D
E até!
 
É para isso que eu pago a Internet!
:clap::clap:
Se estou certo sobre o tópico ao qual você se refere, de poesia contemporânea, então tínhamos era que trazer de volta à ativa o @Mavericco e o @-Jorge-.

Queria tecer algum comentário à sua publicação, mas pelo adiantado da hora ficarei apenas no elogio e nas boas-vindas. Quem sabe outro dia. Continue sempre por aqui. Excelente material. :joinha:
 
É este mesmo, @Béla van Tesma.
Não sabia da possibilidade de se discutir taes themas literareos por aqui, muito embora conhecesse o forum, até encontrar esse topico sobre poesia contemporanea, e ver que o Mavericco, cujo blog ja ha um tempo eu devorava, tinha este lugar de Agora.

Obrigado!
 
Olá, é meu primeiro topico :)

Perdoa a orthographia se te incomoda :D
E até!

Eu replico o mesmo que sempre escrevi também ao @Calion Alcarinollon
Não tenho absolutamente nada contra quem adore cultuar uma escrita em português clássico antigo. Prefiro mil vezes essa nostalgia clássica que ler no moderno internetês completamente infestado de vícios de linguagem.
 
Eu replico o mesmo que sempre escrevi também ao @Calion Alcarinollon
Não tenho absolutamente nada contra quem adore cultuar uma escrita em português clássico antigo. Prefiro mil vezes essa nostalgia clássica que ler no moderno internetês completamente infestado de vícios de linguagem.


A razão pela qual adopto essa orthographia, a que chamo de orthographia etymologica-consuetudinaria (porque ha nella varias incongruencias etymologicas, commum vindo dos grammaticos como pseudoetymologias, o que é um exagero pra mim) é pessoal, pouco effeito de ideologia: não sou tradicionalista, nem cultuo o passado por cultuar. Não grapho dessa forma por estar cultivando uma nostalgia do "portuguez classico", "antigo", "archaico", e o que for. Escrevo assim porque a acho mais coerente e practico, a longo prazo, haja vista exemplos do inglez e do francez que adoptam a orthographia etymologica como base (e aos quais ninguem vai chamar "classico", "archaico"). Pra fallar mais facil: discordo de que a lingua deve ser escripta da forma que se falla, porque a falla é viva e está sempre em mudança. Se dissermos que a orthographia deve se dispor a seguir as mudanças da falla, estaremos assinando o destino interminavel das reformas que vão se seguir, ao longo dos tempos futuros, cada vez que a falla mudar: o que é um inferno. É apagar a historia da lingua. O Pessoa ja dizia: a falla é o mais nacional possivel; a orthographia é aristochratica. Hoje em dia, quebram a cabeça para resolver problemas como o "Facto" em Portugal e o "Fato" no Brazil, quando nesta graphia aqui se grapha Facto, e, sendo portuguez, diz-se Facto -- sendo brazileiro, Fato. Essa conformidade da falla com a escripta é illusão. E bom, tem jeito de reverter? Não sei; provavel que não. Eu acredito em uma sociedade espontanea e livre, e se for para mudar algo é preciso começar por ella. Por fim, não me agrada ter que escrever como governos auctoritareos e populistas prescrevem.
** Posts duplicados combinados **
Se acaso alguém me indagasse,
diria que não me custa:
do contrário, até me agrada
ler tal grafia vetusta.

:lol:

Boa noite.
Excellente, haha!
Essa coisa de orthographia é manga pra outro topico; este pano aqui é sobre o modernismo.
 
Última edição:
Bem-vindo ao fórum! Puxa, eu adoro verso livre.

Tambem gosto (mas tenho preferencia pelo verso livre biblico, digamos assim, ou Whitmaniano). De forma alguma julguem-me, a despeito da orthographia hahaha, como um tradicionalista que veementemente condemna o verso livre. Trago a discussão mais pelo choque que tive ao ler o livro do Steele.
 
Comentarei a questão tendo como base os movimentos literários no Brasil, pois conheço pouco do movimento em outros países:

Como todos sabem, existe uma espécie de gangorra nos movimentos literários. Os árcades tinham predileção pelo soneto, em versos decassílabos. Os românticos, na sua vez, requisitam o verso livre. Depois, os parnasianos voltam à rigidez da forma e da métrica. Aí os modernistas defendem, outra vez, o verso livre.

Isso posto, paira a ideia de que o Modernismo é um movimento cabal. Mário de Andrade, no seu texto O movimento modernista, defende que o Modernismo brasileiro possibilitou a emergência de qualquer forma de literatura. Ou seja, se pode fazer de tudo depois disso (aceitação é outra história).

Pelo que vi ali no texto, o problema está no próprio conceito de verso livre. No entanto, acredito que o que se queria com isso era uma "liberdade total" em relação à forma.

O que vocês pensam sobre isso?
 
A galera do Mário de Andrade defendia liberdade total, mesmo. Escrever o que quiser como quiser. Quando alguém fala em Modernismo no Brasil é isso aí que me vem à cabeça.
 
Ah, o verso
livre... Como é bonito
poder dizer as coisas que
saem do coração sem
se pre-
ocupar com a tradição fedendo a naftalina!
Abaixo a métrica, abaixo os
bolorentos tratados de versificação, abaixo o dólar
porque eu quero
mesmo é ir
para a Disney!
 
Comentarei a questão tendo como base os movimentos literários no Brasil, pois conheço pouco do movimento em outros países:

Como todos sabem, existe uma espécie de gangorra nos movimentos literários. Os árcades tinham predileção pelo soneto, em versos decassílabos. Os românticos, na sua vez, requisitam o verso livre. Depois, os parnasianos voltam à rigidez da forma e da métrica. Aí os modernistas defendem, outra vez, o verso livre.

Obrigado por participar da discussãozinha :)

Antes de escrever o topico, ou digamos no momento de sua concepção, eu pensei em fazer alguns parallelos entre os poetas de quem o Steele falla com os poetas e movimentos lusophonos, e tambem com a historia da musica erudicta, thema cujo necessario para commentar eu domino e que poderia render materia.

Da gangorra que tu diz, não discordo. Na verdade, essa é uma impressão obvia, sem desmerecel-a, claro - como uma roda do tempo. No entanto, ao menos pelo que paresce de tua falla, ja que não sei de facto o que tu quis dizer com "requisitam", os romanticos não practicaram outra poesia senão a metrificada e metrificadissima. O que fizeram, claro, no plano formal, digamos assim, foi variar as formas (ou criar novas) e trazer metricas pouco usadas (como as ternarias que o Gonçalves Dias usa em Y-Juca-Pyrama). Aliaz, não ha quem queira estudar a practica da boa metrica que não lhe recorra; refiro-me ao Gonçalves Dias, que sem duvida mestrou o rhythmo de seus poemas. Mesmo os romanticos loucos da segunda geração não abandonaram o metro, como Fagundes Varella, que inclusive escreveu um longo poema (não se podemos chamar de epopéa pelo seu tom, mas é tipo uma), "Anchieta ou O Evangelho nas Selvas". Assim tambem foi o romantismo ingles, com o ja citado Wordsworth, mas tambem o Lord Byron, John Keats e o P. B. Shelley.
A tua metaphora de gangorra serve quando fallamos em especial de um tipo de dicção e um tipo de referencial mimetico, digamos assim, que imita. Explico: os arcades se revoltaram contra as aberrações idiomaticas do renascentismo (como o gongorismo e outros que eu não vou lembrar), em defesa de um discurso mais claro (objetividade), simples (inutilia truncat), de uma sentimentalidade moderada tipica do classicismo, inspirado nas artes antigas. O romantismo ja defendia uma postura mais individualista, um idioma não só claro como commum, e a liberdade de poder se inspirar em quem o poeta quisesse. Contra os excessos deste romantismo, vieram os parnasianos com uma atualização do discurso classicista. Nenhum delles jamais abandonou a metrica.


Isso posto, paira a ideia de que o Modernismo é um movimento cabal. Mário de Andrade, no seu texto O movimento modernista, defende que o Modernismo brasileiro possibilitou a emergência de qualquer forma de literatura. Ou seja, se pode fazer de tudo depois disso (aceitação é outra história).

É relativo essa emergencia de qualquer forma de litteratura. A que isso se refere? E veja que isso tambem pode servir de desculpa perfeita para a má litteratura. Seja o que for, a idéa de que hoje não existe uma "cartilha esthetica" a se seguir é meio enganosa (até porque o seculo XX foi a era das vanguardas e dos ideologismos esthetiscistas). A forma como estudamos e fallamos sobre os movimentos da historia são em grande parte abstratas. Os Parnasianos em these deveriam ser frios, objectivos e requitadamente classicos, e não compor, como Bilac fez, um sonnetto sobre sexo oral. Os mais diversos experimentos foram feitos no decorrer desses tempos, desde o Byron invocando a tediosa musa (Hail, Muse! et cetera), ao Keats, que era romantico, escrevendo Ode a uma Urna Grega. Não conto nem as satiras. Outro poncto tambem, que se pode levantar, é que essa possibilidade de emergencia de qualquer forma de litteratura seja justo da eterna revolução que o Eliot critica. Se isso significa, por outro lado, maior liberdade de imitação, como o Erico Nogueira diz, estou de accordo.

Pelo que vi ali no texto, o problema está no próprio conceito de verso livre. No entanto, acredito que o que se queria com isso era uma "liberdade total" em relação à forma.
A galera do Mário de Andrade defendia liberdade total, mesmo. Escrever o que quiser como quiser. Quando alguém fala em Modernismo no Brasil é isso aí que me vem à cabeça.

Não sei; eu nunca achei o Mario essas coisas. Perto do respeito que tenho pelo Pound e pelo Eliot, no Brazil, só tem o Bandeira, porque esses caras sabiam o que estavam fazendo; não eram franceses que só queriam ver a queda da Bastilha por ver mesmo. Escrever como quiser tambem me lembra a decepção do Eliot. De qualquer modo, o maior principio que os modernismos, creo eu, emprehenderam foi o da adequação da falla poetica à falla commum. Os anglophonos comprehendiam a necessidade de abolir a metrica associada à dicção antiga, para que então emergisse um novo systema metrico. Ja os tupiniquins, paresce que queriam anarchismo mesmo hahaha.
 
Última edição:
Olá, @DiphthongoRhythmico. Eu tenho uma dúvida: você escreve assim sempre? Digo, até em mensagens de whatsapp, trabalhos de escola/faculdade, etc.?

Em geral, confesso que pouco me importa a parte técnica e métrica de um poema; eu penso que o sentimento e o aspecto metafísico são muito mais importantes. Gosto até de concretismo, veja só. Mas admito que não tenho conhecimento técnico o suficiente para discutir sobre poesia: eu apenas leio, aprecio, reflito... Se me impactou de alguma forma, eu acho que é o bastante.
 
Olá, @DiphthongoRhythmico. Eu tenho uma dúvida: você escreve assim sempre? Digo, até em mensagens de whatsapp, trabalhos de escola/faculdade, etc.?
Escrevo quando posso. Na universidade, e em outros lugares onde o individuo é livre segundo a liberdade que o estado define, onde a penna que grapha "penna" com dois N's sofre a pena cruel que o aborto orthographico determina (brincadeirinha hahahaha), sou obrigado a dar descanso aos meus radicais etymologicos :(


Em geral, confesso que pouco me importa a parte técnica e métrica de um poema; eu penso que o sentimento e o aspecto metafísico são muito mais importantes. Gosto até de concretismo, veja só. Mas admito que não tenho conhecimento técnico o suficiente para discutir sobre poesia: eu apenas leio, aprecio, reflito... Se me impactou de alguma forma, eu acho que é o bastante.
Entendo. O teu juizo não é errado, porque é sobre gosto. Mas aqui a gente tá fallando de outra coisa hehe.
 
Eu já vi diversas vezes esse poema do "sexo oral" ser atribuído a Olavo Bilac, mas ele não consta nas Poesias, e ainda tem um pé quebrado num dos versos, coisa que Bilac não faria nem na juventude, me parece. Então fica a curiosidade: donde surgiu primeiramente a ideia de que esse poema seja dele mesmo? Qual a fonte confiável para averiguar? Talvez seja dos não-canônicos satíricos que foram compilados na Sátira do Parnaso... Mas sei lá, ainda me soa estranha a técnica, ou alguém o transcreveu com erro.
 
Eu já vi diversas vezes esse poema do "sexo oral" ser atribuído a Olavo Bilac, mas ele não consta nas Poesias, e ainda tem um pé quebrado num dos versos, coisa que Bilac não faria nem na juventude, me parece. Então fica a curiosidade: donde surgiu primeiramente a ideia de que esse poema seja dele mesmo? Qual a fonte confiável para averiguar? Talvez seja dos não-canônicos satíricos que foram compilados na Sátira do Parnaso... Mas sei lá, ainda me soa estranha a técnica, ou alguém o transcreveu com erro.

Sim, não paresce muito o Bilac mesmo não, não só pelo pé que tu mencionou, mas tambem pela escassez de sinereses, comparado ao estylo do Bilac (como em "Di\sse\me\e\lla" em vez de "Di\sse\me e\lla)
** Posts duplicados combinados **
Hoje comecei ler o segundo capitulo do livro, mas é provavel que só o termine admanhan. Confesso que o desgraçado me seduz. Summarizo o treco até agora:

O Steele começa então se propondo a analysar a historia da prosa e da poesia.
Os gregos, de quem elle começa dizer, sabiam muito bem da distinção entre metrica e rhythmo. Embora nunca incorporassem a metrica à prosa (e na verdade, que grave erro! consideravam ser isto), porque seria a metrica conjuge monogamica da poesia, preocupavam-se, e muito, com o rhythmo da escripta prosaica. É importante antes destacar alguns ponctos. Embora o verso fosse por excellencia ficcional, era praticado mesmo quando tractava de assumptos não poeticos; Platão criticava isso, e as coisas meio que mudaram: a prosa passou a ocupar o seu lugar, nos discursos, etc.
Aristoteles escreve, na Rhetorica:

The form of diction (sterna tes lexeds) should be neither metrical (emmetron ) nor without rhythm (arrhythmon ). ... If it is without rhythm, it is unlimited, whereas it ought to be limited (but not by metre); for that which is unlimited is unpleasant and unknowable. Now all things are limited by number (arithmo), and the number belonging to the form of diction is rhythm ( rhythmos ), of which the metres (metra) are divisions. Wherefore prose {logon) must he rhythmical, but not metrical [i.e., in a specific metre such as trimeter or hexameter], otherwise it will be a poem {poiema). Nor must this rhythm he rigorously carried out, hut only up to a certain point.

Horacio escreve:
It is clear, then, that prose should be bound or restricted by rhythm (numens), but that it should not contain actual verses {versibus). In short, prose should hint at metricality without being in meter.

A partir do trecho de Aristoteles, fica claro que, para os gregos e latinos, a metrica era elemento, não só indispensavel, mas constitutivo da definição de poema, e que, por isso mesmo, a prosa deveria evital-a, sem perder o bom rhythmo. Reforço a distincção entre ambos, comprehendida por esses tios, mas não pelos modernistas.

A razão pela qual a prosa, que era "discursada" digamos assim, não poderia ser composta em metrica é diversa. As pessoas ouviam a declamação dos poetas com o deleite e o prazer indesejaveis para o discurso, porque a sonoridade da metrica poderia tirar a atenção do assumpto principal. Por outro lado, o rhythmo importava na medida que não entediava as gentes. Esse rhythmo consistia nos parallelismos, no cuidado com o tamanho de cada phrase, no correcto uso da sintaxe, como se cada oração do Estylo Periodico (ou Ciceroniano) medisse um hexametro. Ha tambem outras masturbações, que Aristoteles e os amigos fazem, como dizer que se deve acabar com tal pé e terminar com o inverso delle, ou que se deve sugerir a metrica poetica e seguir-lhe variação, etc.
Resumindo: a prosa devia ter o rhythmo, as technicas, os elementos, quase tudo da poesia, menos a metrica que a characteriza.

Escreve o Steele:

To the modern student, writing prose with so conscious an eye on rhythmical arrangement may seem peculiar, and he may ask to what extent ancient writers put the ideas we have been examining into practice. The answer is, fairly extensively. The practice of prose rhythm was, in its particulars, never uniform. There was, however, an almost universal agreement about its importance. What is more, the available evidence (e.g., Aristotle, Rhetoric, 3.8.1 ; Dionysius, On Literary Composition, 1 1 ; Cicero, De Oratore, 3. 195 _ 96) indicates that even uneducated audiences could appreciate skillful rhythm in an oration and could, by the same token, be irritated and put off by inept rhythm.

A parte curiosa disso se revela quando voltamos para a ocupação da poesia nesses tempos: ocupação de prestigio. Era nella que os poetas narravam os epicos, os grandes feitos, as canções de amor, as canções solenes, o lyrismo, o Ode, etc. Por essa razão, a prosa a tinha como referencial esthetico. A visão que o Steele nos convida a ter é a de que no modernismo o contrario aconteceu: a prosa ganhou prestigio, a poesia morria. E por isso, como dizia Pound, a poesia deveria ser escripta como se escreve boa prosa.

Steele:
To speak briefly of issues we will be examining in the third section of this chapter, the ancient notion of prose approximating but not being meter is much like modern notions of free verse, especially those advocated by Eliot. Furthermore, ancient discussions of the dangers of seeming overly artificial in prose have their counterparts in the modern period. In the modern period, however, the dangers are discussed with reference not to the prose writer but to the poet, who is often counseled to avoid meter in order to avoid appearing artificial.

Ahi, entramos a fallar do desenvolvimento da prosa na nossa modernidade.
Com a queda do Imperio Romano, os rhythmos quantitativos do latim classico (syllabas longas e curtas characteristicas da prosodia latina) são substituidos aos poucos pelos accentuais, que é o que temos hoje nas linguas neolatinas. A poesia e a prosa se aproximavam. A Renascença, então, emprehende, não só imitar a "arte mais elevada" da poesia, como tambem, a partir disso, conferir dignidade ficcional à prosa. É bem neste periodo, notem, que o romance começa dar sua cara. Tanto era o referencial poetico à prosa que mesmo o termo "poesia" se relativizou, de modo que, expressado nas palavras de Philip Sidney, ser poeta e fazer poesia não seria rhymar e versificar, mas sim o artificio das imagens, do deleite na escripta, ainda que fosse prosa. Veja só! No seculo XVIII, Henry Field defendeu o uso da prosa para a escripta de epopéas. E não é menos o que aconteceu e acontece hoje em dia. O genero epico, narrativo, foi desapropriado da poesia e adoptado pela prosa, na forma de romance. Isso, não por desleixo das Musas, mas por propria iniciativa dos movimentos poeticos de então, em especial o romantismo. Nelle, apesar da exploração de novas thematicas, de uma nova dicção, e de todas as outras contribuições importantes, a poesia se torna mais intimista e lyrica, desvinculando-se das narrativas e da composições longas (que quando a são, devem ser comprehendidas em partes menores, como nos aconselha o velho E. A. Poe). É certo que existiram, como o D. Juan do Byron; mas não ha gente que negue a esterilidade poetica do periodo para com o genero. O Steele commenta que se Milton tivesse nascido nelle, O Paraiso Perdido é provavel que fosse um romance calhamaço à la Hugo e Tolstoy.

Terminam aqui minhas notas haha. Mas disso, é previsivel o resto: a prosa ganha o prestigio que outrora tinha a poesia. E escreve o Pound, numa carta a Harriet Monroe, de janeiro de 1915: Poetry must be as well written as prose.
A solução dos modernistas, para salvar a poesia, foi escrevel-a tão bem escripta quanto à prosa, o mais similar possivel à prosa.

Ou, em outras palavras, escrever prosa em verso. Ou prosa e chamar de poesia. Sei la! haha!
 
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