DiphthongoRhythmico
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Olá, é meu primeiro topico
Estou lendo um livro interessantissimo: Missing Measures, do Timothy Steele, um poeta americano a quem é commum relacionar o New Formalism, Novo Formalismo, movimento que surge no fim do seculo passado e que ainda possui uma certa influencia sobre a nossa anarchica contemporaneidade. Disso, e do titulo, ja alguns de vocês podem inferir sobre o que se trata a obra; o Steele faz uma analyse em busca das razões pelas quais o verso metrificado, cultivado desde antes de Christo e tudo mais, afigurou-se na lista moderna de coisas para se abolir.
Ainda só pude ler o primeiro capitulo (que ja por si só é bastante materia para se debater aqui), e logo mais posso vir a actualizar a discussão. Por enquanto, porém, dado e aqui mencionado a não parcialidade do Steele, faço um resumo rapido e conciso do que, entre tudo o que li até agora, mais me chamou atenção, de modo que os senhores tenham uma comprehensão basica do argumento.
Bom, que é de revoluções estheticas que a tradicção artistica se desenvolve, o mundo inteiro sabe. Movimentos que se insurgem contra outros e, com o folego de novos tempos, instauram um paradigma dominante, substituindo o antigo, são parte natural do systema. O que é singular na analyse do Steele é que ella chama atenção para o facto de que, no contexto da Poesia, as revoluções quase sempre visam a adequação, ou melhor: atualização da dicção poetica aos novos tempos que se seguem. Isso foi a characteristica fundamental do romantismo de Wordsworth, em cujo prefacio, de Lyrical Ballads, é exposto uma defesa da dicção simples, do homem commum, sobre temas communs de sua realidade commum. Commum!
Pouco differente foi a que defendeu Eliot e os grandes nomes do modernismo, como Pound e seu muito admirado amigo, em especial, Ford Madox Ford, para os quais o novo movimento advogava pela:
1) Reforma do idioma rumo à falla commum;
2) Reorientação do conteudo poetico em direcção à vida moderna e contemporanea;
3) Incorporação de palavras, phrases e expressões modernas.
Contra quem os modernistas se insurgiam? Contra o vocabulario pomposo, obscuro e elevado dos Victorianos, é claro: da epocha anterior, cuja dicção poetica se banalizou, se degradou. A differença, diz Steele, que singulariza esse movimento é a associação da dicção victoriana, contra a qual investiam, com a metrica usada no periodo (o facto della ter sido usada em todos os outros antes deste parecia não importar muito). No mesmo barco da dicção defasada estava a metrica, e se quisessemos abolir um, haveriamos de abolir o outro, na esperança de, fundada uma nova dicção, fundar uma nova metrica, como Eliot diz: "When we reach a point at which the poetic idiom can stabilized, then a period of musical elaboration can follow", em que, diz-nos o Steele, no contexto da obra do Eliot, por "idiom", quer-se dizer "dicção" e, por "musical elaboration", metro.
O Steele enfatiza essa singularidade do modernismo neste poncto da metrica; varios outros movimentos, na historia, surgiram com o proposito de reformar o idioma, mas nenhum delles cumpre precedente de abolir o metro. Euripedes, por exemplo, criticou o discurso difficil do theatro de sua epocha, propondo retratar, em vez disso, os homens como elles de facto são, como de facto fallam. Horacio, por sua vez, tambem questiona a mania de seu tempo em idolatrar o passado, a falta de clareza, a obscuridade poetica e a linguagem em desuso, defendendo uma falla simples, de seu tempo, sobre coisas da sua contemporaneidade e de sua patria, mas não procura dar fim ao metro consolidado em sua lingua pelas gerações passadas.
Escreve Steele:
Horace, however innovative in his treatment of subject matter and in his adaptions of earlier forms, is a master of traditional craft. In fact, in Epistle 1.19, he insists that maintaining conventional versification in no way diminishes a poet’s claim to originality. “And lest you should crown me with a scantier wreath,” he remarks (26-29), discussing his achievements in the Epodes and Odes, “because I feared to change the measures and form of verse, see how manlike Sappho moulds her Muse by the rhythm of Archilochus; how Alcaeus moulds his, though in his themes and arrangement he differs.” As Horace says in Satire 2.1.28, “My own delight is to shut up words in feet {me pedibus delectat claudere verba)." He is an innovative poet. His experiments, however, are carried out in the context of metrical tradition.
O Steele tambem faz varias outras citações de nomes, cuja auctoridade os modernistas elevavam para se justificar, em que se vemos ao mesmo tempo uma defesa da linguagem clara, que se assemelhe à prosa em sua naturalidade, não vemos menos tambem o cultivo da rhyma, da metrica, etc.
Ora, e aqui chegamos no poncto crucial: se a abolição da metrica e a instituição de um novo systema ou, como diz o Eliot, de uma nova "elaboração musical", não se faz coisa necessaria para uma revolução esthetica, haja vista as tantas que ao modernismo precederam, uma vez que aceitamos a peculiaridade deste movimento, resta-nos saber por quê! Não por que abolir a metrica em si, porque isso ja aqui foi dito (a dicção, o idioma, emfim, o modo do fallar poetico victoriano era fortemente associado ao cultivo da metrica pelo Pound, pelo Eliot, pelo Ford), mas por que tal associação.
Steele faz uma citação do J. V. Cunningham, em The Iowa Review, em que elle diz que "the missunderstanding concerning to a confusion of scansion with the actual metrical pattern" é a raiz do problema. Para os modernistas, escanção metrica do verso equivaleria ao rhythmo do verso, ou trocando em miudos: um verso em iambo hexametro, diz Pound, ha de soar assim:
Steele defende isto ser errado. Elle cita Julio Cesar Escaligero, em sua Poetica...
The measure of the verse is invariable, its rhythm variable... It will be therefore the measure that determines its extent. Rhythm on the other hand determines its temperament.
... e addiciona: em grego, um dos significados de Rhythmo é "disposição", "temperamento".
De modo diferente, os modernistas tinham que, para que se houvesse variação rhythmica, era necessario haver tambem uma variação metrica correspondente, sem a qual dois decassyllabos, por exemplo, hão de soar, por mais distintos que sejam em materia, sempre: ti-tum, ti-tum, etc.
Para contradizer esta visão, o Steele nos offerece seis iambos hexametricos (respectivamente de Ben Jonson, Rochester, Jane Austen, E. A. Robinson, Robert Frost, e Thom Gunn):
Farewell, thou child of my right hand, and joy.
French truth, Dutch prowess, British policy.
The day commemorative of my birth.
If ever I am old, and all alone.
Snow falling and night falling fast, oh, fast.
Resisting, by embracing, nothingness.
Elle nos aponcta para a sonoridade distincta de cada verso -- sonoridade, isto é: rhythmo, ainda que a abstração metrica idealizada seja a mesma. Isto ha, continua nos dizendo, porque a lingua não é feita apenas de syllabas fortes e fracas, mas de tonicas secundarias, terciarias, syllabas que se contrastam umas às outras, que cavalgam mais ligeiras, outras que trotam, cambaleiam etc, de modo que a sonoridade é sempre relativa ao conteudo vocabular do verso, não a sua metrica. A confusão entre estas duas coisas, segundo Steele, é devido ao modo como a escanção era e é ensinado nas escolas e nos manuais de versificação: ti-tum, ti-tum. Sempre se enfatiza, mais do que o necessario, isto é: mais do que a falla commum e natural enfatizaria e daquillo que é proprio das palavras, para que se comprehenda a idéa. Pronunciamos: Shall - I - com - PARE - thee - TO - a - SUM - mer's - DAY. Meio musicado, meio exagerado, meio "metrico demais", sem deixar que as pallavras exerçam sua verdadeira tonicidade, Shall I compare thee to a summer's day.
(Uma nota, que vale a pena commentar: Mario Ferreira dos Santos, em seu livro de Rhetorica, no capitulo dedicado à declamação poetica, faz a mesma critica a essa gente que exagera na tonicidade, e advoga por uma voz natural, fallada como se falla de verdade.)
Isto tudo -- tudinho -- porque o Pound desce o pau na metrica por acusal-a de ter um imprescindivel character "metronomico". Ti-tum, ti-tum... Outra coisa que deve ter causado má impressão eram as tentativas de systematizar a metrica do verso a um compasso musical. Sidney Lanier tentou isso no seu tractado, The Science of English Verse, defendendo que o iambo equivalesse a um compasso de 3/8 (que por si só ja é um compasso, sejamos francos, bizarro): a syllaba atona sendo representada por uma colcheia (que vale 1/8, pra você que não é manjador de musica) e a tonica por uma seminima (que vale 1/4 ou 2/8). Isso sim, emfim, foi metronomizar o iambo.
De qualquer forma, o curioso é: ao mesmo tempo, no entanto, que condemnam o "ti-tum", ou em outras palavras, a rigidez à qual a metrica é imprescindivel, os modernistas, em geral, mas em especial o Eliot, (que em seu ensaio sobre o Verso Livre diz não haver tal coisa como um verso que seja livre [e a origem do termo é algo que o Steele explica, mas que collocar aqui me custa ser chamado de prolixo]) alegavam que qualquer coisa possui metrica, qualquer coisa pode ser escandida. O Eliot, em seu ensaio, escreve:
If vers libre is a genuine verse-form it will have a positive definition. And I can define it only in negatives: (1) absence of pattern, (2) absence of rhyme, (3) absence of metre.
The third of these quantities is easily disposed of. What sort of a line that would he which would not scan at all I cannot say. Even in the popular American magazines, whose verse columns are now largely given over to vers libre, the lines are usually explicable in terms of prosody. Any line can be divided into feet and accents.
O Pound tambem expressa coisa similar, de que é virtualmente impossivel para um poeta compor fugindo a qualquer tipo de metrica, "não-metricamente":
Alexandrine and other grammarians have made cubby-holes for various groupings of syllables; they have put names upon them, and have given various labels to ‘metres' consisting of combinations of these different groups. Thus it would be hard to escape contact with some group or other; only an encyclopedist could ever be half sure he had done so. The known categories would allow a fair liberty to the most conscientious traditionalist. The most fanatical vers-librist will escape them with difficulty.
Ora, ora! Se por um lado dizem haver rigidez na metrica, e por isso ella deve ser evitada, como não se figura contradicção dizer que tudo o que existe é metrico e que à metrica não se pode escapar? Aqui eu ja discordo um pouco do Steele que diz de facto haver contradicção; eu, na minha opinião, acho que a rigidez da qual falavam era a "monotonia" do ti-tum. Seja o que for, contra isso ja houve o que dizer.
Para o Steele, emfim, a razão de ser desta contradicção é que, emquanto o argumento do ti-tum deslegitima a metrica convencional, o argumento da metrica inevitavel legitima o verso livre como metrica, ou ao menos como projeto, cujos fructos serão a instituição de um novo systema metrico que reaviva o discurso poetico e o distingua dos tempos anteriores, ao mesmo tempo em que se lhe consolide como continuação. Isso não aconteceu
E aqui entra a parte interessante disso tudo, logo apos o triumpho do movimento: a desilusão dos versilibristas -- fallo do Eliot, do Pound, do Williams. Em vez da consolidação de um novo paradigma, de uma nova phase da tradicção, bom..., houve mais e mais experimentos, e experimentos, e experimentos...
Pound escreve:
Vers libre has become as prolix and as verbose as any of the flaccid varieties that preceded it...
Ja o Eliot, em seu ensaio, de 1942, “Music of Poetry”:
The craving for continual novelty of diction and metric is as unwholesome as an obstinate adherence to the idiom of our grandfathers.
E em 1944, na sua palestra sobre Dr. Johnson, diz:
Originality, when it becomes the only, or the most prized virtue of poetry, may cease to be a virtue at all; and when several poets, and their respective groups of admirers, cease to have in common any standards of versification, any identity of taste or of tenets of belief, criticism may decline to an advertisement of preference.
E em 1947, na sua palestra sobre Milton:
"We cannot, in literature, any more than in the rest of life, live in perpetual state of revolution", e alerta sua audiencia para o perigo de “a progressive deterioration, and that is our danger today".
E em 1950, Eliot escreve em uma carta á Janet Adam Smith:
I was shocked when my grand-niece presented me with some verses that she had written as school exercises to find that little girls in an American school were encouraged to write in vers libre.
(Hahaha! Que fofo! Não a menininha, mas o Eliot vendo o Verso Livre virar orthodoxia.)
William Carlos Williams, em 1942, numa correspondencia:
I have wanted to link myself up with a traditional art, to feel that I was developing individually it might be, but along with that, developing still in the true evolving tradition of the art. I wonder how much I have succeeded there. I haven’t been recognized and I doubt that my technical influence is good or even adequate.
Em 1948, em seu ensaio "Poem as a Field of Action", elle reclama da experimentação tediosa da escripta contemporanea:
The tiresome repetition of this ‘new,’ now twenty years old, disfigures every journal.
E em 1953, em seu "On Measure - Statement for Cid Corman":
There is nothing interesting in the construction of our poems, nothing that can jog the ear out of its boredom. I among the rest have much to answer for. Without measure we are lost. But we have lost even the ability to count. . . . There are a few exceptions but there is no one among us who is consciously aware of what he is doing.
------------------------------
Emfim, acaba-se o primeiro capitulo. Fica ahi um pouco de minhas notas. A quem quiser dar uma lida no livro: é possivel pegal-o emprestado em Archive.org
Pode me chamar em privado tambem.
A questão que fica para a discussão é a do titulo -- questão mais para se reflectir do que para se responder, eu creo. Sei que ha aqui no forum gente que cultiva o habito de ler poesia, com quem eu adoraria conversar; o topico sobre poesia contemporanea foi um dos mais instrutivos e completos que aqui vi.
Se me der tempo, vou ainda traduzir os trechos em inglez, para a galera que não manja muito da lingua.
Perdoa a orthographia se te incomoda
E até!
Estou lendo um livro interessantissimo: Missing Measures, do Timothy Steele, um poeta americano a quem é commum relacionar o New Formalism, Novo Formalismo, movimento que surge no fim do seculo passado e que ainda possui uma certa influencia sobre a nossa anarchica contemporaneidade. Disso, e do titulo, ja alguns de vocês podem inferir sobre o que se trata a obra; o Steele faz uma analyse em busca das razões pelas quais o verso metrificado, cultivado desde antes de Christo e tudo mais, afigurou-se na lista moderna de coisas para se abolir.
Ainda só pude ler o primeiro capitulo (que ja por si só é bastante materia para se debater aqui), e logo mais posso vir a actualizar a discussão. Por enquanto, porém, dado e aqui mencionado a não parcialidade do Steele, faço um resumo rapido e conciso do que, entre tudo o que li até agora, mais me chamou atenção, de modo que os senhores tenham uma comprehensão basica do argumento.
Bom, que é de revoluções estheticas que a tradicção artistica se desenvolve, o mundo inteiro sabe. Movimentos que se insurgem contra outros e, com o folego de novos tempos, instauram um paradigma dominante, substituindo o antigo, são parte natural do systema. O que é singular na analyse do Steele é que ella chama atenção para o facto de que, no contexto da Poesia, as revoluções quase sempre visam a adequação, ou melhor: atualização da dicção poetica aos novos tempos que se seguem. Isso foi a characteristica fundamental do romantismo de Wordsworth, em cujo prefacio, de Lyrical Ballads, é exposto uma defesa da dicção simples, do homem commum, sobre temas communs de sua realidade commum. Commum!
Pouco differente foi a que defendeu Eliot e os grandes nomes do modernismo, como Pound e seu muito admirado amigo, em especial, Ford Madox Ford, para os quais o novo movimento advogava pela:
1) Reforma do idioma rumo à falla commum;
2) Reorientação do conteudo poetico em direcção à vida moderna e contemporanea;
3) Incorporação de palavras, phrases e expressões modernas.
Contra quem os modernistas se insurgiam? Contra o vocabulario pomposo, obscuro e elevado dos Victorianos, é claro: da epocha anterior, cuja dicção poetica se banalizou, se degradou. A differença, diz Steele, que singulariza esse movimento é a associação da dicção victoriana, contra a qual investiam, com a metrica usada no periodo (o facto della ter sido usada em todos os outros antes deste parecia não importar muito). No mesmo barco da dicção defasada estava a metrica, e se quisessemos abolir um, haveriamos de abolir o outro, na esperança de, fundada uma nova dicção, fundar uma nova metrica, como Eliot diz: "When we reach a point at which the poetic idiom can stabilized, then a period of musical elaboration can follow", em que, diz-nos o Steele, no contexto da obra do Eliot, por "idiom", quer-se dizer "dicção" e, por "musical elaboration", metro.
O Steele enfatiza essa singularidade do modernismo neste poncto da metrica; varios outros movimentos, na historia, surgiram com o proposito de reformar o idioma, mas nenhum delles cumpre precedente de abolir o metro. Euripedes, por exemplo, criticou o discurso difficil do theatro de sua epocha, propondo retratar, em vez disso, os homens como elles de facto são, como de facto fallam. Horacio, por sua vez, tambem questiona a mania de seu tempo em idolatrar o passado, a falta de clareza, a obscuridade poetica e a linguagem em desuso, defendendo uma falla simples, de seu tempo, sobre coisas da sua contemporaneidade e de sua patria, mas não procura dar fim ao metro consolidado em sua lingua pelas gerações passadas.
Escreve Steele:
Horace, however innovative in his treatment of subject matter and in his adaptions of earlier forms, is a master of traditional craft. In fact, in Epistle 1.19, he insists that maintaining conventional versification in no way diminishes a poet’s claim to originality. “And lest you should crown me with a scantier wreath,” he remarks (26-29), discussing his achievements in the Epodes and Odes, “because I feared to change the measures and form of verse, see how manlike Sappho moulds her Muse by the rhythm of Archilochus; how Alcaeus moulds his, though in his themes and arrangement he differs.” As Horace says in Satire 2.1.28, “My own delight is to shut up words in feet {me pedibus delectat claudere verba)." He is an innovative poet. His experiments, however, are carried out in the context of metrical tradition.
O Steele tambem faz varias outras citações de nomes, cuja auctoridade os modernistas elevavam para se justificar, em que se vemos ao mesmo tempo uma defesa da linguagem clara, que se assemelhe à prosa em sua naturalidade, não vemos menos tambem o cultivo da rhyma, da metrica, etc.
Ora, e aqui chegamos no poncto crucial: se a abolição da metrica e a instituição de um novo systema ou, como diz o Eliot, de uma nova "elaboração musical", não se faz coisa necessaria para uma revolução esthetica, haja vista as tantas que ao modernismo precederam, uma vez que aceitamos a peculiaridade deste movimento, resta-nos saber por quê! Não por que abolir a metrica em si, porque isso ja aqui foi dito (a dicção, o idioma, emfim, o modo do fallar poetico victoriano era fortemente associado ao cultivo da metrica pelo Pound, pelo Eliot, pelo Ford), mas por que tal associação.
Steele faz uma citação do J. V. Cunningham, em The Iowa Review, em que elle diz que "the missunderstanding concerning to a confusion of scansion with the actual metrical pattern" é a raiz do problema. Para os modernistas, escanção metrica do verso equivaleria ao rhythmo do verso, ou trocando em miudos: um verso em iambo hexametro, diz Pound, ha de soar assim:
"ti-tum, ti-tum, ti-tum, ti-tum, ti-tum, ti-tum".
Steele defende isto ser errado. Elle cita Julio Cesar Escaligero, em sua Poetica...
The measure of the verse is invariable, its rhythm variable... It will be therefore the measure that determines its extent. Rhythm on the other hand determines its temperament.
... e addiciona: em grego, um dos significados de Rhythmo é "disposição", "temperamento".
De modo diferente, os modernistas tinham que, para que se houvesse variação rhythmica, era necessario haver tambem uma variação metrica correspondente, sem a qual dois decassyllabos, por exemplo, hão de soar, por mais distintos que sejam em materia, sempre: ti-tum, ti-tum, etc.
Para contradizer esta visão, o Steele nos offerece seis iambos hexametricos (respectivamente de Ben Jonson, Rochester, Jane Austen, E. A. Robinson, Robert Frost, e Thom Gunn):
Farewell, thou child of my right hand, and joy.
French truth, Dutch prowess, British policy.
The day commemorative of my birth.
If ever I am old, and all alone.
Snow falling and night falling fast, oh, fast.
Resisting, by embracing, nothingness.
Elle nos aponcta para a sonoridade distincta de cada verso -- sonoridade, isto é: rhythmo, ainda que a abstração metrica idealizada seja a mesma. Isto ha, continua nos dizendo, porque a lingua não é feita apenas de syllabas fortes e fracas, mas de tonicas secundarias, terciarias, syllabas que se contrastam umas às outras, que cavalgam mais ligeiras, outras que trotam, cambaleiam etc, de modo que a sonoridade é sempre relativa ao conteudo vocabular do verso, não a sua metrica. A confusão entre estas duas coisas, segundo Steele, é devido ao modo como a escanção era e é ensinado nas escolas e nos manuais de versificação: ti-tum, ti-tum. Sempre se enfatiza, mais do que o necessario, isto é: mais do que a falla commum e natural enfatizaria e daquillo que é proprio das palavras, para que se comprehenda a idéa. Pronunciamos: Shall - I - com - PARE - thee - TO - a - SUM - mer's - DAY. Meio musicado, meio exagerado, meio "metrico demais", sem deixar que as pallavras exerçam sua verdadeira tonicidade, Shall I compare thee to a summer's day.
(Uma nota, que vale a pena commentar: Mario Ferreira dos Santos, em seu livro de Rhetorica, no capitulo dedicado à declamação poetica, faz a mesma critica a essa gente que exagera na tonicidade, e advoga por uma voz natural, fallada como se falla de verdade.)
Isto tudo -- tudinho -- porque o Pound desce o pau na metrica por acusal-a de ter um imprescindivel character "metronomico". Ti-tum, ti-tum... Outra coisa que deve ter causado má impressão eram as tentativas de systematizar a metrica do verso a um compasso musical. Sidney Lanier tentou isso no seu tractado, The Science of English Verse, defendendo que o iambo equivalesse a um compasso de 3/8 (que por si só ja é um compasso, sejamos francos, bizarro): a syllaba atona sendo representada por uma colcheia (que vale 1/8, pra você que não é manjador de musica) e a tonica por uma seminima (que vale 1/4 ou 2/8). Isso sim, emfim, foi metronomizar o iambo.
De qualquer forma, o curioso é: ao mesmo tempo, no entanto, que condemnam o "ti-tum", ou em outras palavras, a rigidez à qual a metrica é imprescindivel, os modernistas, em geral, mas em especial o Eliot, (que em seu ensaio sobre o Verso Livre diz não haver tal coisa como um verso que seja livre [e a origem do termo é algo que o Steele explica, mas que collocar aqui me custa ser chamado de prolixo]) alegavam que qualquer coisa possui metrica, qualquer coisa pode ser escandida. O Eliot, em seu ensaio, escreve:
If vers libre is a genuine verse-form it will have a positive definition. And I can define it only in negatives: (1) absence of pattern, (2) absence of rhyme, (3) absence of metre.
The third of these quantities is easily disposed of. What sort of a line that would he which would not scan at all I cannot say. Even in the popular American magazines, whose verse columns are now largely given over to vers libre, the lines are usually explicable in terms of prosody. Any line can be divided into feet and accents.
O Pound tambem expressa coisa similar, de que é virtualmente impossivel para um poeta compor fugindo a qualquer tipo de metrica, "não-metricamente":
Alexandrine and other grammarians have made cubby-holes for various groupings of syllables; they have put names upon them, and have given various labels to ‘metres' consisting of combinations of these different groups. Thus it would be hard to escape contact with some group or other; only an encyclopedist could ever be half sure he had done so. The known categories would allow a fair liberty to the most conscientious traditionalist. The most fanatical vers-librist will escape them with difficulty.
Ora, ora! Se por um lado dizem haver rigidez na metrica, e por isso ella deve ser evitada, como não se figura contradicção dizer que tudo o que existe é metrico e que à metrica não se pode escapar? Aqui eu ja discordo um pouco do Steele que diz de facto haver contradicção; eu, na minha opinião, acho que a rigidez da qual falavam era a "monotonia" do ti-tum. Seja o que for, contra isso ja houve o que dizer.
Para o Steele, emfim, a razão de ser desta contradicção é que, emquanto o argumento do ti-tum deslegitima a metrica convencional, o argumento da metrica inevitavel legitima o verso livre como metrica, ou ao menos como projeto, cujos fructos serão a instituição de um novo systema metrico que reaviva o discurso poetico e o distingua dos tempos anteriores, ao mesmo tempo em que se lhe consolide como continuação. Isso não aconteceu
E aqui entra a parte interessante disso tudo, logo apos o triumpho do movimento: a desilusão dos versilibristas -- fallo do Eliot, do Pound, do Williams. Em vez da consolidação de um novo paradigma, de uma nova phase da tradicção, bom..., houve mais e mais experimentos, e experimentos, e experimentos...
Pound escreve:
Vers libre has become as prolix and as verbose as any of the flaccid varieties that preceded it...
Ja o Eliot, em seu ensaio, de 1942, “Music of Poetry”:
The craving for continual novelty of diction and metric is as unwholesome as an obstinate adherence to the idiom of our grandfathers.
E em 1944, na sua palestra sobre Dr. Johnson, diz:
Originality, when it becomes the only, or the most prized virtue of poetry, may cease to be a virtue at all; and when several poets, and their respective groups of admirers, cease to have in common any standards of versification, any identity of taste or of tenets of belief, criticism may decline to an advertisement of preference.
E em 1947, na sua palestra sobre Milton:
"We cannot, in literature, any more than in the rest of life, live in perpetual state of revolution", e alerta sua audiencia para o perigo de “a progressive deterioration, and that is our danger today".
E em 1950, Eliot escreve em uma carta á Janet Adam Smith:
I was shocked when my grand-niece presented me with some verses that she had written as school exercises to find that little girls in an American school were encouraged to write in vers libre.
(Hahaha! Que fofo! Não a menininha, mas o Eliot vendo o Verso Livre virar orthodoxia.)
William Carlos Williams, em 1942, numa correspondencia:
I have wanted to link myself up with a traditional art, to feel that I was developing individually it might be, but along with that, developing still in the true evolving tradition of the art. I wonder how much I have succeeded there. I haven’t been recognized and I doubt that my technical influence is good or even adequate.
Em 1948, em seu ensaio "Poem as a Field of Action", elle reclama da experimentação tediosa da escripta contemporanea:
The tiresome repetition of this ‘new,’ now twenty years old, disfigures every journal.
E em 1953, em seu "On Measure - Statement for Cid Corman":
There is nothing interesting in the construction of our poems, nothing that can jog the ear out of its boredom. I among the rest have much to answer for. Without measure we are lost. But we have lost even the ability to count. . . . There are a few exceptions but there is no one among us who is consciously aware of what he is doing.
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Emfim, acaba-se o primeiro capitulo. Fica ahi um pouco de minhas notas. A quem quiser dar uma lida no livro: é possivel pegal-o emprestado em Archive.org
Pode me chamar em privado tambem.
A questão que fica para a discussão é a do titulo -- questão mais para se reflectir do que para se responder, eu creo. Sei que ha aqui no forum gente que cultiva o habito de ler poesia, com quem eu adoraria conversar; o topico sobre poesia contemporanea foi um dos mais instrutivos e completos que aqui vi.
Se me der tempo, vou ainda traduzir os trechos em inglez, para a galera que não manja muito da lingua.
Perdoa a orthographia se te incomoda
E até!