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Pétalas de Neve

Neve em Barbacena? Mas não!

Neve era coisa das Europa, coisa que só aquele povo estudado já viu. Mas que parece neve, parece. Assim branquinha. Assim levinha.

Uma nevinha borboletou de manso e foi chegando. Ele não quis, mas ela pousou assim mesmo. Daí que ele viu que não era gelada, era macia. Era a pétala de uma flor branca.

Ele sorriu. Mas estava tão cansado, tanto! Tinha muitas repostas e poucas perguntas, e isso cansava taaaanto. “Penso, logo existo”, de repente, pareceu uma afirmação das mais questionáveis. Até pra existir, ele estava cansado. Como se apiedado dele, o chão tremia de leve, ninando-o, e um pássaro cantou suave, ao longe.

Quanto mais ele entregava os ossos cansados à terra, mais sentia o tremor massagear suas juntas cansadas e mais ouvia o pássaro. Em pouco tempo eram só o tremor e o pássaro, o tremor e o pássaro, o tremor e o pássaro, o tremor e o pássaro...

...Que na verdade, eram um trem.

O trem o atingiu e o jogou da linha.

Pronto, era o fim.



...Mas não, não era. Caído de mau jeito como estava, ele viu o trem passar. Todas as janelas tinham fantasmas com roupas bufantes multicores, rindo frouxamente e apontando para ele. Na última janela do último vagão, uma jovem de vestido rodado dava tchau com um lenço. Oh, Deus, era Dalva.

Ele fechou os olhos. O impacto com o trem não doera. A visão da moça, sim. O trem de doido seguiu célere para Barbacena, com seus fantasmas e risadas. Um toque acariciou seu nariz, lembrando que continuava a chuva de flópalas de flores. Ou seriam póculos de neve? Qualquer coisa assim, não importava. Importante mesmo era aquela dor. Dor de Estela.

Conhecera-a por acaso. Todos os dias, ele ia trabalhar passando por um cenário em branco. Tudo bem, não era um cenário branco. Mas tinha o mesmo efeito de um. Ela ia pra não sei onde, fazer não sei o quê. Todos os dias. Quando ela passava, o mundo explodia de sons e cheiros e casas e pessoas. Virava um mundo real. Quando ela ia, tudo se apagava de novo.

Mas a Gabriela era rica e ele, pobre. Não podia oferecê-la nada que ela não tivesse. E não foi por falta de tentar.

Ele tentou ir pra encruzilhada fazer pacto com o coisa-ruim-pé-de-bode. Mas não viu ninguém lá e desistiu. Só então ficou sabendo da velha parteira.

Ela era filha de bruxa – sussurravam – e sabia segredos. Quando foi visitá-la, ela lhe deu um saquinho de pano de pendurar no pescoço e disse, serena e assustadora:

“Cê é o minino que fica suspirando por aquela coisinha do vestido de frô? Aqui, ó, bota essa mandinga no pescoço por trêis dia que arresorve o pobrema. No fim do tercero dia, cê fica de corpo fechado. Usa isso pra impressioná a muié. Quando cês... fizere as coisa, sabe? As coisa da vida. Intão, quando cês fizere as coisa, seu corpo abre de vorta e cês fica junto pra sempre. É tiro e queda.”

E ele nunca mais viu a velha de novo. Seu eu jovem e apressado só ouvira o “cês fica junto pra sempre”. Botou o feitiço no pescoço, ficou de corpo fechado, virou o heroi da região. Parava touro na unha, entrava em casa pegando fogo pra salvar gente, enfrentava bandido de arma na mão. E a Gisele? Casou com J. Pinto Fernandes, mudou pra capital e não convidou ninguém.

Ele se jogou na água, mas não se afogou. Se jogou no fogo, mas não se queimou. Ele tinha o corpo fechado, ainda.

De tanto procurou a morte que ele a achou. Ela gostou dele e passou a segui-lo como um cão fiel. E, como todo cão fiel, fazia pirraça quando o dono não dava atenção. Só de birra, a morte levava todo mundo em volta dele. Todo mundo. Todo mundo. Todo, todo, todo mundo. Como um cão carente de a-ten...ção...

Espera! Espera, espera, espera!

O que Ceifador, o velho mastim, tinha que ver com Milena? Droga, como as coisas estavam embaralhadas. O que ele se lembrava tinha acontecido com ele, ou foi alguma coisa que ele viu falar? Nossa! Como estava cansado!

Levantou-se. Loucura. Era isso. A palavra reverberava em todos os cantos de sua cabeça oca. Nada daquilo tinha acontecido. Moça-diabo-bruxa-corpo-morte. Nada estava no lugar, nada!

Se ele estava louco – e que alívio não lhe dava admitir aquilo! – devia partir o quanto antes. Não importava pra onde iria. Estava louco, todos os caminhos que seguisse levariam a Barbacena. Estava longe ou perto a cidade? Boa pergunta, aquela. Por via das dúvidas, ele decidiu correr. Não queria perder o trem das onze.

A noite estava densa com o perfume de flores molhadas de sereno. O perfume lembrava Maria. Não, era Sofia! Não!... Ah, maldição, ele estava confundindo tudo, tudo!

Era como as flórulas de febre e os pecados de noivos.

Ou qualquer coisa nesse gênero.
 

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