Sister Jack
Usuário
P E R S O N A
Um filme de INGMAR BERGMAN
Esse é de longe o melhor filme de Ingmar Bergman que eu já vi, eu que antes não gostava muito de seu estilo morto e sombrio (um pouco sombrio demais) e havia apenas gostado de Gritos e Sussurros e O Sétimo Selo. Quando vi Morangos Silvestres, eu certamente me surpreendi e adorei o filme, por que ao contrário dos dois outros filmes citados, esse era um filme tanto sentimental quanto honesto. Mais acolhedor, eu diria. E eu pensei que nunca ia gostar do lado frio de Bergman... Até assistir Persona, ontem, dia 28/1/03.
Eu ouvi muitos elogios há este filme. Sério, muitos mesmo. Mas a maioria dizia ser muito complexo e difícil de entender(que não nego) e frio demais. Então, eu vi um filme esperando algo tão bom quanto Morangos Silvestres, mas sabendo que a possível frieza dele poderia me perder. O filme certamente é bem destacado, afastado dos espectadores, com um clima hipnótico e até mesmo um tanto erótico. Ele mistura cenas de sonhos na trama sem avisar previamente a quem o assiste e assim o tornando confuso para os menos atentos. Ele também trata de temas sérios, como uma série crise de identidade, ou a união de duas mulheres com dúvidas de suas existências. Mas eu tentei e prestei atenção e deixei o filme me levar para onde queria, e como presente, eu recebi uma das melhores experiências cinematográficas que eu já tive.
A trama: uma atriz chamada Elisabeth Vogler perde a fala no meio de uma apresentação de teatro e assim continua por vários meses. Ela é internada em um hospital e os médicos não conseguem encontrar nenhuma explicação para a perda da voz. Então, uma enfermeira, Alma, é enviada para cuidar de Elisabeth na casa de praia que a médica da atriz emprestou. Tanto Alma quando Elisabeth mal se conhecem, mas na medida que convivem juntas e sozinhas na casa de praia, a sua relação se transforma de enfermeira e paciente para uma conexão de identidade e personalidade.
Pelo que parece, o problema de Elisabeth realmente não é um problema que pode ser curado com medicina. É um problema emocional, interno. Não é que ele não pode falar, é que ela não quer falar. Ela não quer atuar mais, ou conversar, ou nem mesmo assumir as suas responsabilidades. Ela só quer existir. E Alma é totalmente o oposto dela. Conversa bastante, mostra os seus sentimentos e não deixa nenhum segredos para a fria atriz. Ela sente que Elisabeth pode ser mais que uma amiga, ainda. Ela pensa na atriz como alguém em que deve confiar e se apaixonar, e tentar ajudar de qualquer maneira, mas não faz a menor idéia por que. É um mistério, um segredo. Será que a atriz e a enfermeira são mais ligadas do que imaginam? Será que elas são a mesma pessoa dividida em dois lados da personalidade? O nome da enfermeira, Alma, pode significar muito para um entendimento maior do filme. Pelo que vemos, ela parece realmente ser a alma de Elisabeth, tentando de qualquer forma dar um sentido para que ela volte a falar.
O filme tem momentos espetaculares, que te deixam de respiração presa. Por exemplo, tem um monologo aproximadamente na metade do filme que é simplesmente arrepiante. Totalmente erótico. Alma começa a falar para a Elisabeth sobre uma experiência sexual que ela teve numa praia com um jovem. O jeito que ela conta parece formar imagens imediatas na nossa mente, sem necessariamente mostrar as imagens em forma de flashback. Aliás, Ingmar Bergman provou nessa cena que flashbacks não são necessários.
Um outro tema mostrado no filme é o sacrifício. A abertura do filme é uma série de imagens que aparentemente não tem ligação alguma com o resto da história. Começa com um filme sendo rodado em um projetor, e depois mostra(pelo que eu consigo lembrar) rápidas imagens de filmes mudos(talvez representando o problema de Elisabeth) e em seguida as imagens mais importantes para o tema: um carneiro sendo sacrificado e um mão atingida por um prego. Essas duas, eu acho, são algum tipo de metáfora. As duas lembram sacrifícios. O carneiro pode representar algum tipo de ritual de alguma religião antiga que sacrificava animais para os deuses. E a mão sendo martelada pelo prego lembra a imagem de Cristo sendo pregado na cruz, que foi um tipo de sacrifício para a humanidade. Como isso se relaciona com o resto da trama? Bem, as duas mulheres tiveram problemas com a maternidade: Alma fez um aborto e Elisabeth odeia o filho por nascer deformado(que é contado em um monólogo arrepiante) e assim se afastou dele. As duas fizeram sacrifícios na vida por vontade própria. E a relação enfermeira/paciente também é um sacrifício para Alma, que tem que abandonar a sua vida para cuidar de Elisabeth.
A trama, no entanto, continua bem mais complicada que isso. Eu não revelei nem metade do filme ainda(e olha que o filme só tem 82 minutos, infelizmente), e muito mais acontece. Não revelei por que é muito melhor ver o que acontece na outra metade do que ser contado. Visualmente, o filme é simplesmente orgasmático(essa palavra existe? Ah, foda-se). A fotografia em preto-e-branco é linda e o Bergman inventou a famosa tomada das faces, com uma virada para a esquerda próxima a câmera e a outra no fundo, olhando para frente. Não apenas por estética, mas esse tipo de tomada faz lembrar muito das identidades das duas mulheres que podem ser unidas. O filme também é belo de se ver, não só pela fotografia, mas pelas duas estonteantes mulheres principais: Bibi Anderson(Alma) e a celestial Liv Ullman (Elisabeth). Suas performances foram perfeitas, mas o que poderia dar errado nas mãos de Bergman? Ele pode ser frio, mas as atuações que ele consegue do seu elenco nunca me decepcionaram. O que se tem mais para citar? A trilha sonora é surpreendentemente assustadora, parece que foi tirada diretamente de um filme de terror, e tem momentos em que ela lembra do "Tema do Monolito" de 2001: Uma Odisséia No Espaço, principalmente nas seqüências hipnóticas.
Para terminar, vou dizer que esse filme é como um poema. Um sonho. Quanto mais você aprende sobre os personagens e quanto mais fundo você chega na trama, mais o filme te suga completamente e não deixa nem piscar. Ele é lento, sim. Mas eu não vi o tempo passar. Os 80 minutos do filme me pareceram algo como meia hora. É porque Bergman sabe como fazer o filme fluir de um jeito que você simplesmente não pode parar de olhar. É assombroso. Corajoso. Original. É perfeito.
NOTA 10
(um dos pouquíssimos filmes que eu já dei nota 10)
PS: Esse filme também é conhecido aqui no Brasil por "Quando Duas Mulheres Pecam".
PPS: Review escrito por mim, tirado do meu site: http://www.monkeu.kit.net/indexx.htm
PPPS: Eu sei que pouca gente aqui no forum viu esse filme, mas por favor, assistam.