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Quando quis dizer "lógica liberal" me referi à ideia de que podem haver maiores benefícios com a redução do papel do Estado. Essa parece ser a linha que o governo está seguindo, mas claramente não quer assumir porque sabe que é impopular, aí mascara a questão como se fosse uma contenção momentânea, que não atingirá determinados setores, que sem isso o Brasil vai para o buraco, mas não era o que queríamos, é só enquanto há necessidade... Talvez, se o propósito ideológico fosse esclarecido, o debate seria mais produtivo.

Ah, saquei!
Bem, pra ser sincero, não sei em que medida o governo está realmente comprometido com uma redução do estado per se, ou se isso não é só um produto secundário (mas não indesejado) do ajuste proposto. Em outros termos, na agenda do governo, não saberia lhe dizer qual é a ordem de importância da redução do estado como fim em si mesmo. De toda forma, se eles possuem essa intenção, concordo que poderia ser mais esclarecido. Os debates seriam muito acirrados, como sempre são em torno dessas questões, mas seria a maneira mais republicana de fazer a coisa.

O que mais me incomoda é que essa opção que o governo faz de pôr em risco os investimentos de base pelos próximos X anos é típico do que acontece na área pública, que eu já sofro como servidor de baixo escalão e agora vejo acontecer em grau maior: sempre sobra pro lado político mais fraco. Reduziu o orçamento do município: vai baixar os supersalários e retirar adicionais imorais? Não, vai demitir um número maior de servidores em estágio probatório para cobrir o rombo. Orçamento do Judiciário está prejudicado. Vai acabar com auxílio-moradia e abono de férias (que são duas por ano) dos juízes? Não, vai descumprir a lei que estabelece os planos de cargos e salários e nem conte com reajustes inflacionários, que já não são pagos. O governo federal não está fazendo diferente. Além dos exemplos de voluptuosidades que eu dei, que por obrigação moral e lógica do argumento "crise" deveriam ser cortados antes (ainda que não chegassem às mesmas cifras), por que não aproveitar a maioria que se tem hoje no congresso para fazer passarem reformas que mexem com a receita, antes de mexer com a despesa de áreas que já são defeituosas? Na aprovação da urgente reforma tributária, poderíamos estabelecer a tributação sobre os dividendos, por exemplo (o Brasil é um dos poucos do mesmo padrão em que isso não há). Isso daria bilhão e muito!

A gente não pode ficar sempre aceitando levar na cara quando a coisa aperta. Você entende que a longo prazo isso vai ser bom para os pobres e a classe média, torço para que sim (mesmo porque o cenário político é todo favorável a essa PEC passar), mas você não acha que o custo poderia ser mais baixo para quem tem menos?

Olha, não vou negar nada do que você disse. Se a coisa fosse feita dentro do que considero ideal, os primeiros cortes seriam na gordura dessa galera toda. Mas infelizmente, na condição atual, isso é mais idealismo do que algo realizável. E nisso o governo Temer não está sendo em nada diferente do que qualquer governo que já esteve à frente desse país. Na prática, política é isso aí mesmo: para fazer uma agenda avançar, é preciso tentar conciliar interesses das elites, ou estas podem realizar boicote. Ainda mais nessa situação em que o governo está numa posição de refém do ajuste. Governos autoritários sofrem menos disso, mas, bem, são autoritários. Diante disso, o que é menos pior (incrível como frequentemente as escolhas políticas se dão nesses termos): um ajuste que consiga avançar na base da conciliação das elites (i.e., não cortando toda gordura como gostaríamos), ou nenhum ajuste?

* Expressão baiana que quer dizer "encontro amistoso com bebidas alcoólicas, de preferência cerveja".

Já conhecia o "comer água" de outros lugares do nordeste. E como você sabe, sou muito adepto dessa prática, e espero poder exercê-la em breve em vossa terra :beer:
 
Cara, que loco, ninguém aqui para criticar a porra da PEC. Impressionado com essa esquerda valinoriana.
 
o troço já está indo para o senado e eu continuo perdida e cheia de perguntas. por falar em perguntas: eu li em algum canto (desculpem a falta de fonte, eu to lendo tanta coisa que agora já nem sei de onde tiro as informações, acho que essa foi da época) que no caso da crise continuar (ou seja, sem uma ação como a pec) aí sim que o dinheiro para a educação diminuiria. porque por lei é prevista uma porcentagem (18%) e não um valor fixo (sei lá, trocentos bilhões de reais). 18% em um ano de baixa arrecadação seria bem menos do que o de um ano com o país com a economia equilibrada, e daí o argumento de que se a crise continua, o valor para a educação diminui. ok? ok. mas fica minha dúvida: como funciona de fato esse piso? quer dizer, em 2018 continua sendo 18% ou vai valer o valor arrecadado em 2017 corrigido pela inflação? @Fëanor ? (desculpa encher de novo heheheheheh) não sei se consegui deixar claro qual é minha dúvida. mais ou menos assim: o valor da educação não será mais uma variável (18% da arrecadação anual) mas um valor fixo sendo corrigido anualmente pela educação? basicamente: morre essa coisa de 18% para entrar um valor sendo reajustado anualmente? ajuda eu, miudim.

outra: eu li/ouvi muito economista dizendo que o vespeiro não está nos gastos primários como saúde e educação, mas na previdência. sendo verdadeiro, por que a pec vem antes da reforma da previdência? pelo custo político? mas aí não é o tipo de coisa que vão continuar empurrando com a barriga até explodir pra ninguém ter que assumir a culpa pelas medidas impopulares que precisarão ser tomadas?
 
Um texto de quem é contra, para balancear a discussão:

A PEC 241 e a cegueira ideológica

Qualquer um, inclusive o Estado, se quiser bons resultados, deve focar em gastar no que gera mais receitas. Não se pode olhar despesas e receitas em separado – regra básica econômica, financeira e contábil.

Com a PEC 241, o governo Temer, num momento de queda de receitas e aumento de despesas financeiras, congela as despesas primárias, que, provadamente por diversos exemplos teóricos e práticos, podem gerar mais produtividade e receitas.

A PEC, para ter algum sentido, deveria passar a régua rígida de congelamento no lado das despesas não primárias, não nas primárias, que deveriam sofrer revisão caso a caso. Todo ano o governo teria de pagar menos juros e quitar parte da dívida.

As trajetórias das diferentes despesas primárias são variadas e precisam ser corrigidas uma a uma, com análise complexa de políticas públicas.

São elas, ademais, que elevam demanda agregada e produtividade, de modo que, ao proibir aumentos reais, a economia ficará afundada em crise.

Investimentos públicos em infraestrutura incentivam o investimento privado e geram ativos imobilizados, como pontes, aeroportos, estradas, ferrovias, trens etc. para a sociedade.

Gastos com educação e saúde elevam o ativo humano, pois deixam os indivíduos mais produtivos e depois menos custosos para o Estado.

Gastos sociais, como o Bolsa Família, redistribuem renda numa sociedade imensamente desigual e garantem mais consumo, uma demanda agregada maior. Algo semelhante acontece com os aumentos reais de salário mínimo.

A grande maioria dos economistas mais respeitados no mundo vêm defendendo que o cerne da recuperação dos países é elevar a demanda agregada.

Por conta da desaceleração de nações como a China, que estavam puxando os demais, e por conta da concentração excessiva de riqueza e renda, não há consumo suficiente para dar conta da produção, que veio aumentando muito nos últimos anos com os avanços tecnológicos.

A forma de o mundo voltar a se desenvolver consideravelmente é incluir mais pessoas na economia, fazer com que mais gente possa consumir e, para isso, é preciso reduzir as desigualdades.

Para que o aumento de consumo não venha a gerar novos desequilíbrios lá na frente, como inflação, é interessante que a redução das desigualdades não seja apenas por distribuição de dinheiro, mas por aumento de produtividade via melhoria de infraestrutura e do nível de capital humano (educação e saúde).

As referidas despesas primárias são importantíssimas para o desenvolvimento econômico. Se a PEC 241 passar também no Senado, tal como é hoje, será um desastre para a economia, e não é possível que os membros do Ministério da Fazenda não vejam isso. Mesmo com a reforma da Previdência, ela espremerá tanto alguns gastos essenciais que sequer é viável; é inexequível.

Quanto às despesas não primárias, gasta-se centenas de bilhões em juros, os mais altos do planeta. São mais de 20% de todas as despesas.

O Brasil, ano a ano, faz o que se chama de rolagem de dívida, paga a contraída no passado com dinheiro de nova dívida. Há quem use esse número para elevar o valor de juros pagos, mas isso é obviamente um erro.

Por outro lado, contabilmente, há aí despesas e, financeiramente, há desembolso. Em suma, há uma perpetuação da dívida e do pagamento de juros astronômicos.

Juros são a remuneração pelo tempo que alguém detém o dinheiro de outrem. O ideal de um empréstimo é que ele seja pago logo, a menos que o retorno do investimento daquele dinheiro seja maior do que os juros pagos, algo incomum.

Quanto mais se paga juros – por conta de o percentual ser alto e, se for alto, é pior que o tempo seja longo –, mais chances de o empréstimo não ter valido a pena. No Brasil, paga-se juros altíssimos e a dívida apenas aumenta.

Defensores da PEC usam uma cortina de fumaça para fugir do real problema, ao criticar quem infla o valor dos juros com os valores da dívida rolados. A questão é que o País está pagando dívida, juros altíssimos e contraindo nova dívida, o que não gera retorno. É um círculo vicioso que provoca enorme aumento das despesas estatais.

O déficit brasileiro não estourou por conta das despesas primárias, que crescem regularmente desde 1997, apesar de que poderiam ser otimizadas: reduzir corrupção e má eficiência, por exemplo, para gastar melhor.

O déficit se deve à queda de receitas (provocada pela falta de demanda agregada que gera queda de vendas), às desonerações tributárias e ao aumento de despesas por quase duplicação dos juros de 7,25% em janeiro de 2013 para 14,25% em janeiro de 2016, tendo havido redução de míseros 0,25% há alguns dias.

Some-se a isso que boa parte do aumento dos gastos nos últimos tempos se deu por compra de dólar pelo Brasil para constituir sua reserva e por transferências de títulos para bancos federais, como explica Felipe Rezende.

Caíram as receitas e houve muitas despesas não primárias, mas o governo quer corrigir o déficit congelando as despesas primárias. Há erro de avaliação e de proposta de solução.

Onde está o cerne do problema da dívida: nas despesas primárias, que, como dito, têm potencial para tirar o País da crise econômica e não cresceram fora da curva, ou nas despesas financeiras, que têm apenas gerado desembolsos de centenas de bilhões em juros?

É essa a decisão que o Brasil precisa tomar, e não parece ser difícil quando o tema é colocado de forma honesta e clara.

Para pagar a dívida, é preciso que sejam geradas receitas de outro lugar, que não de novas dívidas, como o Brasil faz. Deve-se gerar mais receitas tributárias com urgência. É necessário elevar a demanda agregada, para que se consuma e se venda mais e, então, se arrecade mais.

Para que haja mais demanda agregada e maximização das receitas, é necessário destravar a economia. Não há outra saída melhor em curto prazo do que corrigir um grave desequilíbrio brasileiro: o pior sistema tributário do mundo.

Sim, o Brasil tem uma das piores políticas fiscais do planeta: juros no topo e o sistema tributário mais complicado, extenso e regressivo. Ela faz o Brasil refém do rentismo e não beneficia a produção, tanto que o País se desindustrializou nos últimos anos.

A insistência em não reformar a tributação e manter um nível sobre a indústria que é mais do que o dobro da carga dos países da OCDE, enquanto que o nível da tributação da renda da pessoa física e da riqueza está bem abaixo do nível nesses mesmos países, é acreditar – ou fingir que se acredita – que a carga tributária já é muito alta e que não se pode mais mexer nela.

A carga é altíssima para os pobres e classe média, mas baixa para os muito ricos. É necessário reformar a tributação de cima a baixo.

Não é apenas uma questão de acabar com a isenção de dividendos, mas de reformular quase tudo, para que, com a queda da tributação do consumo, ocorra redução nos preços e da inflação. Ao mesmo tempo, se pode obter mais receitas com o fim da isenção dos dividendos, a correção nas deduções permitidas no Imposto de Renda e a criação de novas alíquotas mais altas para os mais ricos.

Parece claro o que deve ser feito no Brasil. Poucos grandes economistas estrangeiros discordariam do que está sendo dito neste texto. Seus trabalhos recentes confirmam os argumentos.

Basta conferir os estudos de conservadores como Olivier Blanchard, Larry Summers e Allan Greenspan, que assumiram ter contribuído para a crise de 2007-2009 e não ter ferramentas para lidar com ela a partir dos sistemas teóricos que antes defendiam.

Está na hora dos membros do Ministério da Fazenda e dos demais apoiadores da PEC 241 se atualizarem e fazerem como Greenspan, ex-presidente do banco central americano por quase 20 anos, que, após ser posto contra a parede por conta da crise, disse que tinha cometido erros graves por cegueira ideológica.

Muitos brasileiros continuam defendendo posições que vão exatamente na linha geradora da crise. O resultado não poderá ser outro: aumento da desigualdade e mais crise.

*Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology

http://www.cartacapital.com.br/politica/a-pec-241-e-a-cegueira-ideologica


 
o troço já está indo para o senado e eu continuo perdida e cheia de perguntas. por falar em perguntas: eu li em algum canto (desculpem a falta de fonte, eu to lendo tanta coisa que agora já nem sei de onde tiro as informações, acho que essa foi da época) que no caso da crise continuar (ou seja, sem uma ação como a pec) aí sim que o dinheiro para a educação diminuiria. porque por lei é prevista uma porcentagem (18%) e não um valor fixo (sei lá, trocentos bilhões de reais). 18% em um ano de baixa arrecadação seria bem menos do que o de um ano com o país com a economia equilibrada, e daí o argumento de que se a crise continua, o valor para a educação diminui. ok? ok. mas fica minha dúvida: como funciona de fato esse piso? quer dizer, em 2018 continua sendo 18% ou vai valer o valor arrecadado em 2017 corrigido pela inflação? @Fëanor ? (desculpa encher de novo heheheheheh) não sei se consegui deixar claro qual é minha dúvida. mais ou menos assim: o valor da educação não será mais uma variável (18% da arrecadação anual) mas um valor fixo sendo corrigido anualmente pela educação? basicamente: morre essa coisa de 18% para entrar um valor sendo reajustado anualmente? ajuda eu, miudim.

Sim, o piso em 2018 será o valor de 2017 + inflação de 2017. E em 2017 Será os 18% da receita corrente líquida. Então a partir de 2018 os valores de piso serão sempre reajustados pela inflação do ano anterior, e deixam de variar com a receita. Ou seja, seria sim um valor fixo sendo corrigido anualmente.
Em comparação ao modelo atual, isso irá representar ganhos relativos sempre que a receita crescer menos que a inflação, e perdas relativas quando a receita crescer acima da inflação.

outra: eu li/ouvi muito economista dizendo que o vespeiro não está nos gastos primários como saúde e educação, mas na previdência. sendo verdadeiro, por que a pec vem antes da reforma da previdência? pelo custo político? mas aí não é o tipo de coisa que vão continuar empurrando com a barriga até explodir pra ninguém ter que assumir a culpa pelas medidas impopulares que precisarão ser tomadas?

Sim, o vespeiro maior é na previdência. Pra você ter ideia, atualmente ela consome cerca de 40% dos gastos primários, o que é mais do que o dobro do que a esfera federal gasta com educação, cultura e saúde somados (o que dá cerca de 15%).

Existem pelo menos dois motivos alegados para a PEC vir antes da reforma previdenciária: um é que essa reforma deve demandar mais tempo, e o ajuste fiscal é mais urgente. O outro é que, com a PEC em vigor, fica mais difícil de se fugir da reforma previdenciária. Como o tamanho do bolo estará fixo (em termos reais), a previdência vai gradativamente começar a estrangular os outros gastos. Sem reforma, todas as outras áreas irão perder, e isso passará a funcionar como uma grande pressão para que a a dita cuja ocorra. Deixar a coisa explodir provavelmente acabaria sendo mais impopular do que fazer a reforma, pois espirraria em muitas áreas, e deixaria a galerinha de Brasília com as mãos atadas.

Mas também não significa que a coisa necessariamente irá se desenrolar dessa maneira. E como eu já mencionei em outro post, tem especialista que acha que a ordem deveria ser realmente trocada: primeiro previdência, depois PEC. Ou então as duas coisas juntas.
 
obrigada, fea. o medo do pessoal da educação é de que no momento de um crescimento econômico a porção do dinheiro que seria maior no final das contas continue o mesmo, é isso?

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achei interessante esse video aqui do felipe rezende falando para uma comissão na câmara:


ele insiste em um ponto que é o que mais me incomoda: a pressa em aprovar a pec, a falta de debate.

tem pedro rossi também, que defende que a pec quer impor outro projeto de país (é a bola que o eriadan levantou na outra página, acho) :


são longos, mas como o @Grimnir queria posicionamentos contrários aqui no tópico, achei que os dois apresentam de um jeito que não parece insultar nossa inteligência como aquele porrilhão de memezinho de facebook. o documento citado pelo rossi é esse aqui >> http://brasildebate.com.br/wp-content/uploads/Austeridade-e-Retrocesso.pdf (não, eu ainda não li, só estou compartilhando :dente: ).
 
obrigada, fea. o medo do pessoal da educação é de que no momento de um crescimento econômico a porção do dinheiro que seria maior no final das contas continue o mesmo, é isso?

Olha, do que eu vejo da galera um pouco mais informada que é contrária à PEC, é por aí mesmo. Critica-se a rigidez futura, quando a economia voltar a crescer.

É uma crítica com a qual eu só concordaria se também fossemos colocar na mesa a questão da eficiência dos gastos. A esmagadora maioria das discussões enfatizam unicamente os montantes, sem tocar na questão de como é feito o gasto. Nossa experiência mostra - e os dados corroboram - que não temos um problema de falta de recursos em saúde e educação, mas sim de falta de eficiência. Mesmo assim, sempre se foge dessa questão.


são longos, mas como o @Grimnir queria posicionamentos contrários aqui no tópico, achei que os dois apresentam de um jeito que não parece insultar nossa inteligência como aquele porrilhão de memezinho de facebook. o documento citado pelo rossi é esse aqui >> http://brasildebate.com.br/wp-content/uploads/Austeridade-e-Retrocesso.pdf (não, eu ainda não li, só estou compartilhando :dente: ).

Eu li esse documento, e fiz uma resposta aos principais pontos dele numa postagem de facebook. Vou ver se encontro pra postar aqui. Quero ver se tiro um tempo pra ver os vídeos também.
 
Conselho Federal de Economia (COFECON) se posicionou oficialmente contra a PEC 241.


COFECON DIZ NÃO À PEC 241

Na semana em que inicia-se a votação da PEC 241, o Cofecon posiciona-se contrário à proposta, relembrando a Carta do XXV Since.

O Conselho Federal de Economia, entidade representativa dos 230 mil economistas brasileiros, posiciona-se francamente contra a PEC 241, posicionamento adotado no 25º Simpósio Nacional dos Conselhos de Economia, realizado de 31 de agosto a 2 de setembro em Natal (RN) e que reuniu cerca de 200 economistas representando os 26 Conselhos Regionais de Economia.

Somos os primeiros a defender que o Brasil precisa retomar o quanto antes o crescimento econômico, mas não a qualquer preço, e sim preservando a inclusão social e avançando na distribuição social e espacial da renda.

A sociedade brasileira fez uma opção em 1988, inserindo na Constituição um sistema de seguridade social e de educação pública que, naturalmente, demanda vultosos recursos. Mas é este sistema que hoje, mesmo com forte queda do PIB e do nível de emprego, impede que tenhamos hordas de flagelados, saques a supermercados e quebra-quebras nas periferias das metrópoles, como ocorreu em passado recente.

Não obstante os avanços nas últimas décadas, o Brasil persiste como um dos países de maior desigualdade social. Um dos principais mecanismos de concentração da renda e da riqueza, senão o principal, é nosso modelo tributário, altamente regressivo, economicamente irracional e socialmente injusto.

No atual momento de crise fiscal, não há como atender às crescentes demandas sociais sem mexer em nosso modelo tributário, no qual 72% da arrecadação de tributos se dão sobre o consumo (56%) e sobre a renda do trabalho (16%), ficando a tributação sobre a renda do capital e a riqueza com apenas 28%, na contramão do restante do mundo. Na média dos países da OCDE, por exemplo, a tributação sobre a renda do capital representa 67% do total dos tributos arrecadados, restando apenas 33% sobre consumo e renda do trabalho.

Contudo, em lugar deste debate, adota-se o caminho mais fácil, jogando o ônus nos ombros dos mais pobres. Dessa forma, o governo traça um falso diagnóstico, identificando uma suposta e inexistente gastança do setor público, em particular em relação às despesas com saúde, educação, previdência e assistência social, responsabilizando-as pelo aumento do déficit público, omitindo-se as efetivas razões, que são os gastos com juros da dívida pública (responsáveis por 80% do déficit nominal), as excessivas renúncias fiscais, o baixo nível de combate à sonegação fiscal, a frustração da receita e o elevado grau de corrupção.

Para buscar o reequilíbrio das contas públicas, propõe um conjunto de ações cujos efeitos negativos recairão sobre a população mais vulnerável, sendo a PEC 241 a principal delas, propondo o congelamento em valores reais das despesas, incluindo os recursos destinados à saúde e à educação, configurando-se em medida inaceitável, tendo em vista que o atual volume de recursos para essas áreas já é insuficiente para ofertar à população um serviço de melhor qualidade e que atenda de forma plena a demanda.

Segundo o Fórum Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde, estima-se que a medida, caso implementada, reduzirá em R$ 650 bilhões os recursos do setor nos próximos 20 anos, recursos esses já insuficientes para atender uma população que envelhece rapidamente, demandando investimentos crescentes.

http://www.cofecon.org.br/index.php...a-pec-241&catid=206:notas-oficiais&Itemid=840
 
Só um lembrete: não é pq a nota é do
Conselho de economistas q ele reflete o consenso dos economistas. Aliás, queria ver um debate entre favoráveis e contrários.
 
A resposta que eu tinha dado aos principais pontos daquele documento Austeridade e Retrocesso estão aqui (em spoilers, porque ficou grande):

  • “O ajuste fiscal promovido se mostrou contraproducente, pois gerou aumento da dívida pública e do déficit público”

Não houve "ajuste fiscal". Os gastos continuaram a subir, enquanto a arrecadação já vinha em queda desde antes disso. Desde o início da série de dados disponíveis pela Fazenda (1997-presente), a despesa primária caiu em apenas dois anos: 2003 (-3,87%) e 2011 (-2,67%), sendo que nesse último caso o fato ocorreu logo após um ano de crescimento recorde dessas despesas: 16,30% em 2010! Nos anos seguintes, a despesa seguiu crescendo sempre: 5,4% em 2012, 6,4% em 2013, 6,3% em 2014 e 2,1% em 2015. Mesmo com esse crescimento, a economia se retraiu, e daí o aumento da dívida e do déficit: enquanto receita e produto caíram, os gastos seguiram crescendo. Inclusive, nota-se que esse crescimento dos gastos não impediu o produto de cair. (ver a imagem anexada, que utiliza dados da secretaria do tesouro, ajustados pelo IPCA).

  • "Em 2015, por exemplo, os investimentos públicos sofreram queda real de mais de 40% no nível federal"

Pelo que verifiquei nos dados de investimento público do orçamento geral da união, essa queda foi na verdade de 35,4%, em valores reais (91,2 bi para 58,9 bi). Se somarmos os valores do PAC de cada ano (67,3 bi em 2014 e 49,8 bi em 2015), essa queda é de 31,4%. Gostaria de saber de onde vieram os números do artigo, mas eles não citam. Talvez eles tenham incluído inversões financeiras na conta do investimento, mas se for o caso faltou deixar isso mais claro.

  • "Naquele ano (2015), apesar de todo o esforço do governo para reduzir as despesas, que caíram 2,9% em termos reais"

Não confere. As despesas cresceram 2,1% em 2015, em termos reais (dados da secretaria do tesouro, ajustados pelo IPCA).

  • "O afrouxamento da meta fiscal para 2016 e 2017 evidencia por um lado o pragmatismo econômico e, por outro lado, hipocrisia dos que argumentam pela austeridade e, simultaneamente, passam a defender um déficit primário recorde no novo Governo."

Não há nenhuma hipocrisia em estabelecer uma meta fiscal que seja compatível com a realidade. Mudar o volume de gastos não é algo exequível da noite para o dia (como o próprio debate sobre a PEC revela), então é preciso trabalhar com os cenários reais, que envolvem a queda acentuada na arrecadação decorrente da retração econômica. Estabelecer uma meta irreal seria irresponsabilidade fiscal. Além disso, é errado falar em "defender um déficit". Ninguém defende o déficit (a não ser o artigo em questão, em alguns pontos). O déficit é apenas uma realidade, ninguém fez uma defesa dele.

  • "A proposta apoia-se em argumentos falsos de que nações desenvolvidas usam regras semelhantes. "

Tetos de gastos já foram aplicados em vários países. De maneira exatamente igual ao da proposta neste momento (isto é, com reajustes indexados apenas pela inflação) realmente não. O fato é que cada país tenta aplicar medidas adaptadas às suas necessidades e ao seu contexto. O que também não significa que não se possa olhar para outros casos para tentar tirar lições.

  • "Desde 2011, membros da União Europeia estabeleceram um limite para o crescimento da despesa associado à taxa de crescimento de longo prazo do PIB e não em crescimento real nulo. "

Países que estão em condições muito diferentes na nossa condição atual, e que não possuem um risco inerente tão grande em torno de sua dívida, o que lhes permite ter juros baixos para financiar eventuais déficits.

  • "Na maioria desses países já existe uma estrutura consolidada de prestação de serviços públicos, diferentemente do Brasil onde há muito maiores carências sociais e precariedades na infraestrutura."

Países com renda elevada possuem mais condições de consolidar serviços públicos. Sem renda, não há de onde extrair recursos para pagar as contas que decorrem dos gastos públicos, sejam em áreas sociais ou não. Nosso caso é o de um país que optou por um estado de bem-estar crescente, ao passo que nossa produtividade permaneceu estagnada. A conta não fecha.

  • "para que o teto global da despesa seja cumprido – dado que algumas despesas como os benefícios previdenciários tendem a crescer acima da inflação - os demais gastos (como Bolsa Família e investimentos em infraestrutura) precisarão encolher de 8% para 4% do PIB em 10 anos e para 3% em 20 anos"

Uma coisa é verdade: é preciso que ocorra também uma reforma previdenciária. A PEC exercerá pressão adicional para que isso ocorra. Sobre a redução dos demais gastos, não é possível precisar em que medida e onde ocorrerá exatamente. Mas se não houver reforma previdenciária, é fato que reduções terão que ocorrer em outros lugares.

  • "A nova regra não prevê nenhum mecanismo para lidar com crises econômicas ou outros choques. Ao contrário, tende a engessar a política fiscal por duas décadas."

Uma década na verdade, pois permite revisão após isso. De qualquer forma, esse de fato pode ser um problema, para quem defende que o estado tenha um papel fundamental de realizar políticas fiscais anti-cíclicas (o que não é meu caso, por exemplo, mas isso entra em outra discussão muito mais longa).

  • "o que o novo regime se propõe a fazer é retirar da sociedade e do parlamento a prerrogativa de moldar o tamanho do orçamento público"

Não retira "da sociedade", porque nunca esteve nas mãos “da sociedade” a decisão sobre o tamanho do orçamento. Ele é definido segundo critérios que não passam pela aprovação ou reprovação direta da sociedade, mas sim de seus representantes - os mesmos representantes que podem estar optando agora por reduzir sua capacidade de definir o tamanho desse orçamento. De qualquer forma, uma das conquistas mais importantes das sociedades modernas é justamente a introdução de mecanismos constitucionais que restringem o poder discricionário do estado - isto é, a sociedade escolheu restringir a ação de seus ditos representantes, o que é fundamental (Constituições são sobre isso!). A PEC é uma forma de apertar essas restrições, uma vez que as atuais (como a LRF) se mostraram insuficientes para controlar a irresponsabilidade com o dinheiro público.

  • "Quem ganha? Quem não quer financiar os serviços públicos por meio de impostos e o grande capital que enxerga o Estado como concorrente quando esse ocupa setores que poderiam ser alvo de lucros privados, como saúde e educação"

Quem financia o estado com impostos é sobretudo a população mais pobre, então essa assertiva acaba defendendo a PEC. Pergunte a qualquer um se ele gosta de pagar impostos, se ele desejaria pagar mais impostos.
E o "grande capital" não é concorrente do estado, é aliado. A melhor coisa para o "grande capital" é usar o estado para garantir suas posições e restringir a concorrência. Rent-seeking é o sobrenome do Brasil.

  • "Quem perde? A população mais pobre, isto é, aqueles que são os principais beneficiários dos serviços públicos. Além disso, aqueles que vislumbram uma sociedade mais justa e igualitária"

Quem perde são os rentistas, que ao longo do tempo perderão receitas derivadas de juros da dívida pública. Quem perde é a casta dos servidores públicos que ganham muito acima do que o mercado lhes pagaria, e que sempre conseguem revisões muito generosas de seus salários, sempre às custas do pagador de impostos (não à toa eles são um dos principais fronts no combate à PEC).

  • "A recomendação de que o Estado deve cortar gastos em momentos de crise parte de uma falácia de composição que desconsidera que se todos os agentes cortarem gastos ao mesmo tempo, inclusive o Estado, não há caminho possível para o crescimento"

A falácia está em usar um espantalho, afirmando que "TODOS os agentes cortam gastos ao mesmo tempo". De qualquer maneira, novamente aí entra a questão bem discutível do papel do estado como promovedor de políticas anti-cíclicas. Por exemplo:

  • "A solução mais razoável para tratar de um desajuste fiscal em meio a uma recessão é, portanto, estimular o crescimento, não cortar gasto. "

Se existe um déficit, como a saída para ele pode ser gastar mais, e não menos? A única saída é se esse gasto estimular o crescimento. Mas isso nem sempre ocorre (ver a imagem, onde os gastos seguiram crescendo, e o PIB caindo), e o desajuste fiscal se agrava de qualquer maneira - afinal, apenas uma fração dos recursos gastos irá retornar como receitas. Intertemporalmente, a população continua tendo que pagar a conta. Então é como se o governo aumentasse o déficit e a dívida hoje (e por consequência elevando juros, o que leva a aumento da dívida no futuro) para cobrar a conta da população amanhã. O problema estrutural não foi resolvido - provavelmente foi agravado.

  • "cortes do gasto público induzem a redução do crescimento que provoca novas quedas da arrecadação que, por sua vez, exige novos cortes de gasto. "

Não necessariamente. Não cortar gastos e manter o déficit implica que o governo precisa se financiar com empréstimos, e também implica aumento do risco - o que leva a aumento de juros, o que também retrai a economia. Em um estado muito dependente do governo, é evidente que a redução do gasto estatal vai levar a uma retração econômica no curto prazo. Mas isso pode ser saudável no longo prazo, pois deixa mais dinheiro no bolso das pessoas e da iniciativa privada. De modo geral, a análise do texto peca pela miopia: só vê questões de curto prazo e ignora o horizonte de tempo mais amplo.

  • "A obsessão alarmista contra qualquer elevação da dívida pública esconde uma agenda política permeada por interesses de grupos econômicos, mas travestida como uma questão meramente técnica, seja ao defender a retração de bancos públicos, seja ao demandar a redução dos gastos sociais. "

A dívida pública não é "meramente técnica": é questão fundamental para a saúde econômica de um país. Mas é curioso falar que a contenção da dívida é uma agenda permeada por "interesses de grupos econômicos". Além de ser uma afirmação extremamente vaga (quais grupos econômicos), ignora que, por exemplo, para rentistas que adoram viver de altos juros da dívida, a contenção da mesma naturalmente não é interessante.

  • "No fundo, a austeridade é principalmente um problema político de distribuição de renda e não um problema de contabilidade fiscal."

Aqui o autor dá a definição que ele quer para austeridade (distribuição de renda). Curiosamente, não é a definição clássica de austeridade (controle de gastos para que estejam compatíveis com as receitas).

  • "Apesar das inúmeras evidências contrárias à sua eficácia, a austeridade persiste como ideologia e sempre retorna ao debate político por ser oportuna para os grupos dominantes de poder."

Um ataque à "ideologia" da austeridade, vindo de um texto que é recheado de assertivas ideológicas. Faltou enumerar essas “inúmeras” evidências. De preferência, evidências sérias, que busquem mensurar a dimensão das políticas de austeridade e isolar seus efeitos.

  • "em contextos de baixo crescimento, a busca pelo cumprimento da meta fiscal por meio de uma política fiscal contracionista retira estímulos à demanda agregada e reduz ainda mais o crescimento econômico e a própria arrecadação."

Ou, pode enviar um sinal positivo para o mercado de que o governo será responsável, e a atividade econômica pode responder positivamente. Expectativas desempenham um papel importante, e são diretamente afetadas pela maneira que a mensagem é passada e sua credibilidade. De qualquer maneira, é uma falta de imaginação acreditar que a única saída para "um contexto de baixo crescimento" seja gastar mais. Além desse tipo de recomendação ignorar as causas desse baixo crescimento, se furtando a atacar o problema real, ela tem uma crença infundada na eficiência do gasto público. E novamente, é preciso contrastar a retração econômica recente com o contínuo crescimento dos gastos. Eles não deveriam ter estimulado a atividade econômica?

  • "Há diversas variantes institucionais para um regime fiscal, dentre essas estão as que estipulam metas fiscais ajustadas ao ciclo econômico, como a meta de “resultado fiscal estrutural”. Ou alternativamente, pode-se adotar bandas fiscais de forma análoga ao que ocorre no regime de metas de inflação. Ainda há a opção, aplicada em alguns países, de retirar todo investimento público do cálculo do superávit primário (assim como o gasto com juros é excluído desse indicador) e assim incentivar o uso do investimento público como vetor de desenvolvimento e abrir espaço para atuação anticíclica do gasto público"

Já existe uma aplicação de resultado fiscal estrutural realizada pela Secretaria de Política Econômica. Por ela, os resultados dos últimos anos seriam os seguintes (colocarei em parênteses o número do resultado primário convencional, pra contrastar): 2010: 1,7% (2,62%);
2011: 2,18% (2,94%); 2012: 1,41 (2,18%); 2013: 0,14% (1,72%); 2014: -2,02% (-0,57%); 2015: -0,9% (-1,88%).
Ou seja, quase sempre o resultado estrutural é pior, no nosso caso. Na média 2002-2015, o resultado médio pelo critério estrutural é de 1,97%, conta 2,32% pelo convencional. Se for considerar apenas o governo central, o critério estrutural aponta média de 1,29%, contra 1,61% do critério convencional. (fonte: http://www.spe.fazenda.gov.br/assun...do-fiscal-estrutural-no-periodo-2002-15-2.pdf)

Sobre bandas fiscais e remoção do investimento, também temos que pensar o seguinte: uma mudança de critérios agora pode ser um péssimo sinal, uma declaração de incapacidade de cumprir com os critérios vigentes, um atestado de frouxidão com o dinheiro público. Se esses modelos poderiam ser melhores, cabe fazer avaliação. Mas tentar mudar o sistema agora é uma receita quase certa para o pior.

  • "A dívida brasileira é tão grande? Qual é o parâmetro para definição de “grande”? Na verdade, poucos economistas se arriscam a definir um parâmetro ótimo para dívida pública, simplesmente porque as evidências não parecem indicar que esse patamar exista."

A não existência de uma medida ótima não implica que não se deva preocupar com o tamanho da dívida e que não se possa afirmar algo sobre o quão grande ela pode ser, ou quão saudável. É possível verificar, por exemplo, o quanto o pagamento de juros pode estar afetando as contas públicas, a dinâmica da dívida no médio e longo prazo e nossa (in)capacidade de pagá-la.

  • "No Brasil, a excessiva preocupação com o patamar da dívida é carregada por preconceitos ideológicos"

"Preconceito" implica que a "ideologia" em questão não considerou uma série de fatores antes de expressar sua preocupação. Não parece ser o caso quando a análise sobre a dívida é embasada em literatura, em comparações internacionais, etc. Afirmar que é "preconceito ideológico", assim, é completamente vazio.

  • "Uma dívida elevada pode custar muito caro, mas um Estado soberano não quebra por conta de dívidas na sua própria moeda."

O estado não "quebra" porque ele pode continuar extraindo recursos de sua população ou emitindo moeda. Mas até isso tem limite. Em algum ponto a coisa degringola de vez, e aí acontece o que vimos nos anos 1980. Falar que "o estado não quebra" para defender o endividamento elevado é quase sinônimo de irresponsabilidade fiscal: ignora todos os efeitos nefastos que podem decorrer desse endividamento.

  • "No final de 2014, pelo critério da dívida líquida não havia um cenário de tragédia fiscal, desenhado pelos economistas da mídia e do mercado."

Ninguém utiliza dívida líquida como critério, mas sim dívida bruta. Afirmar isso é demonstração de desconhecimento das contas públicas e de indicadores da situação fiscal do país.

  • "Havia sim, condições financeiras para realizar uma política anticíclica que ampliasse o investimento público e o gasto social para impedir que a desaceleração cíclica se transformasse em uma depressão."

Lembrando: os gastos públicos continuaram crescendo. Ainda assim, a desaceleração seguiu seu curso. Algo está errado nessa análise.

  • "a política de expansão dos empréstimos do BNDES, em 2009, foi importante para a ação contracíclica que assegurou a recuperação rápida da economia brasileira"

Sinceramente, eu preferiria que o meu dinheiro não tivesse sido destinado para Eikes Batistas para "salvar a nação da crise". Salvação que durou pouco, aliás. A conta tarda, mas chega.

  • "se o objetivo for equacionar a dívida bruta é preciso desatar o nó da gestão macroeconômica, reduzir substancialmente o gasto com juros e ponderar o custo da estratégia de acumulação de ativos."

Como reduzir gastos com juros se não há proposta de obter superávit primário para reduzir a dívida? Ao contrário, a proposta de seguir expandindo gastos terá o efeito de elevar os juros.

  • "A ideia que se disseminou no Brasil de que ao governo só compete controlar os gastos primários, desconsiderando os custos e benefícios fiscais das demais políticas macroeconômicas, deve ser revista e amplamente debatida."

Se disseminou mesmo? Olhando para a prática do governo, não se observa isso: ele continua atuando para muito além dos gastos primários.

  • "Vale notar que, a despeito de gastos elevados, o governo conseguiu manter resultados fiscais positivos na última década e meia pelo aumento da carga tributária (1999-2005) ou pelo crescimento mais acelerado do PIB (2006-2011)."

Exatamente. Agora o cenário mudou completamente. Quase não há espaço para aumento da carga tributária (também convém lembrar a curva de Laffer), bem como o crescimento do país estagnou, não somente pela questão fiscal, mas por não ter resolvido uma série de problemas estruturais. Enquanto esses problemas não forem resolvidos, teremos na melhor das hipóteses uma sucessão de vôos de galinha - um cenário que não vai permitir gastos elevados.

  • "Então, qualquer proposta de reforma do imposto de renda que não passe pela tributação dos dividendos não será tão efetiva nos objetivos de contribuir com uma maior justiça fiscal e também gerar receitas extras para o governo. "

É preciso analisar com precisão os efeitos dessa tributação. Não adianta calcular uma alíquota em cima de uma base e desconsiderar que essa base pode mudar em função da alíquota (fuga de capitais, por exemplo), ou não considerar a possibilidade de desinvestimento. Não quero defender que ricos não devam pagar impostos enquanto pobres arcam com tudo. Mas também não podemos ser Polianas e achar que as coisas vão reagir conforme gostaríamos que reagissem.

Resultado Primário 2.png


Sobre a nota da COFECON, apenas umas breves considerações:

Mas é este sistema que hoje, mesmo com forte queda do PIB e do nível de emprego, impede que tenhamos hordas de flagelados, saques a supermercados e quebra-quebras nas periferias das metrópoles, como ocorreu em passado recente

Nossa, eles querem comparar a crise de agora (cujos reflexos são no crescimento) com a de 1980 (hiperinflação)? Os saques a supermercados ocorriam pela escassez de produtos, que era gerada pelo tabelamento de preços (na vã esperança de controlar a inflação). Qualquer estudante de graduação em economia sabe disso. É muito diferente de agora, onde a inflação é muito menor, e não há congelamento de preços, o que faz com que os produtos estejam todos disponíveis nas prateleiras dos supermercados. Sem falar que, além do congelamento, a própria inflação daquele período era um fator extremamente prejudicial para os mais pobres, que obviamente sofriam muito mais pelo aumento exponencial de preços do sofrem agora (onde, apesar da inflação já ser um incômodo, ela é muitíssimo menor do que naquele período). Enfim, períodos muito distintos, com efeitos muito distintos sobre a população e sobre a economia. A comparação é sem pé nem cabeça. De toda forma, também não é um aumento do desemprego de algo em torno de 7% (2012) para 11% (2016) que vai criar uma horda de flagelados. Nota caprichada na hipérbole, e desleixada na análise do cenário.

No atual momento de crise fiscal, não há como atender às crescentes demandas sociais sem mexer em nosso modelo tributário

É evidente que também precisamos reformar o modelo tributário, inclusive já repeti isso várias vezes. Mas é um espantalho jogar isso assim como se fosse a solução pro problema de agora. Não apenas uma reforma tributária deverá demorar para ser atingida, como ela não seria possível de ser aplicada agora, em momento de crise, onde incrementos de tributos não surtem efeitos positivos. Além disso, quando se fala em aumentar impostos sobre capital, nunca se pode ignorar o design tributário para evitar fuga destes. Jogar essas informações assim, de maneira simplista e como se fosse a solução mágica necessária para a crise atual, é algo bastante problemático.

Dessa forma, o governo traça um falso diagnóstico, identificando uma suposta e inexistente gastança do setor público

Aqui eles decidiram pela ignorância pura mesmo. O que não falta é literatura sobre a ineficiência do setor público. E por ineficiência leia-se: gasta muito e gasta mal.

em particular em relação às despesas com saúde, educação, previdência e assistência social, responsabilizando-as pelo aumento do déficit público

Quando se fala dos pontos mais problemáticos em relação aos gastos eu nunca vejo essa crítica direcionada à saúde ou à educação. À Previdência sim, porque é impossível negar (e eu sinceramente espero que eles não estejam querendo falar que a previdência não é um problema).

omitindo-se as efetivas razões, que são os gastos com juros da dívida pública (responsáveis por 80% do déficit nominal)

Caramba, eles jogaram aqui o conceito de déficit nominal, que praticamente ninguém usa para avaliar a situação fiscal de curto prazo. O que se usa é o déficit/superávit primário, que não inclui os juros da dívida. O motivo? Porque se não há superávit primário, não há pagamento da dívida. Em outras palavras, num cenário de déficit primário (como agora) é errado falar em gastos com juros, porque eles não existem: o governo não economizou para poder pagá-los. Então o que o governo faz é simplesmente rolar a dívida (emitir novas dívidas para pagar as velhas).

A propósito, a dívida e esses gastos com juros tenderão a aumentar no futuro se o resultado primário continuar ruim. Então o foco no resultado primário é essencial para sanar o problema da dívida crescente (e aí sim do déficit nominal), e é disso que se trata o debate sobre a PEC.

as excessivas renúncias fiscais, o baixo nível de combate à sonegação fiscal, a frustração da receita e o elevado grau de corrupção.

Conquanto todos tenham suas parcelas de contribuição, nenhum desses fatores se resolve no curto prazo. Já estamos há décadas ignorando essas questões, essa agenda está atrasadíssima. Concordo que temos que avançar nessas frentes também, mas é ilusão achar que elas vão resolver nosso problema pelos próximos anos.


tendo em vista que o atual volume de recursos para essas áreas já é insuficiente para ofertar à população um serviço de melhor qualidade e que atenda de forma plena a demanda.

Sabem aquilo que eu disse lá em cima, de só se falar em montantes, e nunca em como gastá-los (eficiência)? Pois é, tá aqui mais um exemplo.

Sinceramente, eu fiquei com vergonha dessa nota da COFECON. Poderiam ter se posicionado contra a PEC de uma maneira muito mais embasada e qualificada. Ao invés disso, optaram pelo caminho do discurso fácil e fugiram das questões práticas. Definitivamente, essa galera não me representa.
 
Sinceramente, eu fiquei com vergonha dessa nota da COFECON. Poderiam ter se posicionado contra a PEC de uma maneira muito mais embasada e qualificada. Ao invés disso, optaram pelo caminho do discurso fácil e fugiram das questões práticas. Definitivamente, essa galera não me representa.

Bom, cada profissão tem uma relação diferente com sua entidade de classe. Algumas (como Medicina e Direito) têm mais poderes legais que outras, algumas geram mais consenso, em outras há uma briga ferrenha entre dois ou mais grupos, em outras, a massa se sente bastante alienada em relação à cúpula...

Como é a relação de vocês com a CONFECON?
 
Como é a relação de vocês com a CONFECON?

Grimnir já respondeu por mim.

Vou aproveitar pra deixar aqui um debate que rolou sobre os impactos da PEC na saúde, promovido pelo site Por Quê?, com participação de Mansueto Almeida, Drauzio Varella, David Uip (secretário de saúde de SP) e Carlos Eduardo Gonçalves (economista do Por Quê?)


Sobre a questão do desperdício, já comentada aqui, vejam o que fala o Drauzio Varella: há estimativas de que cerca de um terço do dinheiro do SUS é desperdiçado apenas por problemas de informação.
 
Sobre a questão do desperdício, já comentada aqui, vejam o que fala o Drauzio Varella: há estimativas de que cerca de um terço do dinheiro do SUS é desperdiçado apenas por problemas de informação.
Fëa, você coloca essa questão do desperdício como um argumento pró-PEC?
 
Fëa, você coloca essa questão do desperdício como um argumento pró-PEC?

Indiretamente, já que a PEC em si não aborda essa questão. O ponto da ineficiência/desperdício nesse caso é um argumento no sentido de que nosso problema não é tanto do nível de gastos, mas sim de como eles são realizados. A PEC pode ensejar uma busca por maior eficiência, mas não garante isso, então não posso simplesmente falar que ela é boa por promover diretamente essa questão - que também depende de outros fatores.

Por consequência, também é um argumento contra quem se preocupa meramente com possíveis cortes em determinados setores, sem nunca tocar no ponto da eficiência e avaliação do gasto.
 

União Europeia sugere estímulo de 50 bilhões de euros e põe fim à austeridade fiscal

Bloco quer uma injeção de liquidez que impulsione a medíocre recuperação da economia europeia



“Não sou fanático por austeridade”, disse Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, na terça-feira. Nesta quarta, o Poder Executivo da União Europeia consumará uma guinada da sua política econômica que já foi adiada inúmeras vezes. Depois da austeridade receitada entre 2010 e 2013 (uma máquina perfeita de contração econômica nesses anos) e da política fiscal neutra desde 2014, a Comissão recomenda agora um estímulo de 0,5% do PIB da zona do euro, o que significa um pouco mais de 50 bilhões de euros (184,2 bilhões de reais), para impulsionar a medíocre recuperação continental. Bruxelas pede reformas que atraiam investimentos e levem a desonerações tributárias. Reivindica que os países com maior margem – Alemanha e Holanda à frente – gastem mais, e recomenda cautela a Espanha, França e Itália, as nações com maiores déficits e dívidas.
Nos Estados Unidos, após quase uma década de políticas monetárias e fiscais expansivas, o presidente-eleito Donald Trump propõe um estímulo de um trilhão de dólares, cujo simples anúncio já causou uma formidável oscilação nos mercados. A Europa reage à sua maneira: Bruxelas recomenda uma expansão fiscal muito mais tímida, os tais 50 bilhões de euros.

Isso é apenas meio ponto percentual do PIB. Não é o estímulo sonhado pelos keynesianos. Mas é um aceno com densidade política com relação ao rolo-compressor de austeridade imposto desde o início da crise do euro. Depois de cinco anos com a Alemanha pisando no freio, a Comissão admite agora que é preciso combinar “a sustentabilidade orçamentária de longo prazo com medidas de estabilidade macroeconômica de curto prazo, usando toda a margem concedida pelo Pacto de Estabilidade”, segundo o rascunho da proposta, ao qual o EL PAÍS teve acesso.

Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/15/economia/1479243401_054408.html
 
"Rolo-compressor de austeridade"

Euro area - expense.png
"Expense is cash payments for operating activities of the government in providing goods and services. It includes compensation of employees (such as wages and salaries), interest and subsidies, grants, social benefits, and other expenses such as rent and dividends."

Euro area - deficit.png
"Cash surplus or deficit is revenue (including grants) minus expense, minus net acquisition of nonfinancial assets. In the 1986 GFS manual nonfinancial assets were included under revenue and expenditure in gross terms. This cash surplus or deficit is closest to the earlier overall budget balance (still missing is lending minus repayments, which are now a financing item under net acquisition of financial assets)."

Euro area - public spending befor and after crisis.png

Fontes: Banco Mundial e OECD
 
E a PEC passou ontem, por 4 votos de margem (contra 12 no primeiro turno).

Impressionante como que basta o governo balançar para que parte de seu apoio desapareça instantaneamente.
 

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