Luís Henrique Rodovalho disse:
Existe uma disciplina no curso de Direito: a Teoria Pura do Direito. Não encontrei muito advogado que se interessou no curso por causa dessa matéria. Fico pensando se existe uma disciplina análoga no curso de Letras. E fico pensando se, como no caso dos advogados, os críticos literários recorrem a Teoria da Literatura Pura ou a experiência para analisar as inúmeras obras que entram em contato.
A poesia já foi medida pela métrica. Pra se fazer e analisar poesia era necessário medí-la. Eu sei muito bem que textos bem estruturados provavelmente são melhores, e se tende à perfeição na escrita pelo ato de escrever. Um crítico não apenas experiente mas... crítico deve ser bem capaz de ler uma obra e perceber muitas estruturas similares, e descobrir que aquilo não é original, mas uma técnica comum de narrativa. Mas o que a análise profunda de um texto por alguém que tenha conhecimento teórico é menos trivial que de um leitor amador? Leitores amadores são superficiais?
Eu sou a favor do crítico literário que é um caçador de tesouros. Não porque ele tenha uma formação melhor, mas porque ele consegue mostrar aos leigos coisas que eles estão perdendo com auto-ajuda e leitura em escala. E muitas vezes clássicos são tesouros esquecidos. Espero que a literatura não chegue ao ostracismo como a música clássica.
Não sei se conhece Franco Moretti. Ele é um teórico literário italiano que dirige o Depto de Inglês da Universidade de Stanford, onde também é o responsável pelo Centro de Estudos do Romance (cof cof, peguei esta descrição da "orelha" de um de seus livros). Ela organizou o "catatau" A
Cultura do Romance da Editora Cosac Naify.
Além deste famoso (e caro), ele escreveu alguns livrinhos interessantes (não sei se pra todo mundo, rs). Um é o Atlas do Romance Europeu (1800-1900) Edt Boitempo. Ele propõe (mas não foi o primeiro a propor) formas diferentes de se analisar a literatura, neste livro, por exemplo, usa critérios geográficos, com mapas urbanos, atlas... Uma métrica diferente para se fazer perguntas diferentes... Novos questionamentos que permitam dar vida nova a crítica e sair um pouco da análise dos cânones e daquela discussão canhestra e nerd "Isto é melhor que isto e pior que aquilo"
O outro também usa recursos visuais, além de mapas, gráficos e "árvores" ao estilo darwiniano: é o "Literatura vista de longe" (Arquipélago editorial). Este eu já li e fiquei chocado com a quantidade de gêneros e subgêneros do romance inglês que pipocaram e sumiram durante o século XIX... (ou pelo menos como o pessoal de lá de riba se dedica em "categorizar" tudo)
Vou retirar um trecho da introdução, que acho que "acrescenta" à discussão:
"...O método de estudo aqui proposto substitui a leitura de perto do texto (o
close reading da tradição da língua inglesa) pela reflexão sobre (...) aqueles objetos diferentes, (...) resultado de um processo de deliberada redução e abstração. Em suma, de um distanciamento em relação ao texto em sua concretude. (...) A distância faz com que se vejam menos os detalhes, mas faz com que se observem melhor as relações, os
pattern, as formas.
(...)
Às razões (que me levaram a desenvolver este método), se associa uma outra, muito próxima: o fato, evidente e inevitável, de que o interesse pelo estudo da literatura está diminuindo a olhos vistos. Quando entrei na universidade, e não foi um século atrás, no curso de Letras existiam quatro professores de Latim para um de inglês. No curso de uma geração, tudo mudou. E a geração que veio depois, repare bem, quer continuar mudando. Estudar cinema, televisão, publicidade e quadrinhos está na ordem do dia. O crítico norueguês que escreveu o excelente ensaio sobre a narrativa contemporânea para
Il romanzo (seria o livro da Cosac Naify?) deixou há alguns meses sua cadeira de Literatura e foi trabalhar no centro de estudos sobre videogames. E eu acredito que o que ele fez foi correto.
E agora? Agora, como em Patmos, onde surge o perigo surge também a salvação. Uma disciplina que está perdendo seu fascínio pode tranquilamente arriscar tudo e procurar um novo modo, um novo método para tornar significativo o seu próprio trabalho. E se aqui, como já disse, os métodos serão abstratos, as suas consequências são, porém, todas concretas. Gráficos, mapas e árvores nos colocam (...) o quanto é imenso o campo literário e como sabemos tão pouco dele. É uma dupla lição, simultaneamente de humildade e euforia: humildade em relação àquilo que fizemos até aqui (bem pouco) e euforia em relação ao que ainda temos que fazer (muitíssimo). E, então, comecemos."
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