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Para Ler o Pato Donald - Ariel Dorfman e Armand Mattelart

Pensa nas tirinhas/quadrinhos do Pato Donald sendo analisadas sob a perspectiva da comunicação de massa e do colonialismo (capitalismo)... E declaradamente Marxista? Sim, é dessa forma que os autores tratam a obra...

Tem conclusões curiosissimas sobre o mundo Disney que raramente nos questionamos...

De onde o Pato Donald consegue dinheiro se ele não trabalha?
Quem são os pais de Huguinho, Zézinho e Luizinho?
Porque Donald nunca casa com a Margarida?
Como o Tio Patinhas pode ser tão frio e tão rico?

Dorfman e Mattelart discutem que tudo isso faz parte de uma "lavagem cerebral" de que o capitalismo é reforçado com estimulos ao consumo, à reprodução, à opressão como tudo isso fosse a ordem natural do mundo...

Alguém já leu e gostaria de trocar algumas idéias sobre?
 
Eu ainda não li, mas ouvi falar desse livro e pelo que você descreve do livro me pareceu meio tendencioso (os autores, não você)...

Amélie disse:
(...)
De onde o Pato Donald consegue dinheiro se ele não trabalha?
Quem são os pais de Huguinho, Zézinho e Luizinho?
Porque Donald nunca casa com a Margarida?
Como o Tio Patinhas pode ser tão frio e tão rico?
(...)

O Donald trabalha sim, muito, praticamente em cada história ele está em um emprego diferente, só que ele é rabujento e às vezes um pouco burro pra se manter em algum... :lol:

Não sei quem são os pais do Huguinho etc., mas muitos personagens de fantasias não têm pais ou família, isso é comum eu acho.
Sendo assim, quem são os pais do Chaves? E os do Pernalonga?
Não sei porque o Donald não casa com a Margarida, mas também ela é uma chata e ele um durango com três sobrinhos pra sustentar. Vão se casar? ¬¬ Depois eu sempre achei a Margarida meio galinha (apesar de pata) e que merecia ficar mesmo é com o panaca do Gastão. :lol:

E por fim, o tio Patinhas não é frio o tempo todo. Nas histórias do Carl Barks (o mais famoso e talentoso dos desenhistas da Disney, criador do Patinhas e chamado de "o homem dos patos") só nas primeiras histórias ele era frio e pão duro pois foi baseado no personagem Scrooge da história de Charles Dickens, depois o Barks escreveu muitas histórias em que o Patinhas se mostra bem humano, apesar de continuar pão duro.
;)
 
Mas a idéia de se basear no capitalismo é tendenciosa... E no livro isso fica claro o tempo todo!!!

Eles dizem que os sobrinhos são uma reprodução em série... e o fato de ter apenas tios, os desvincula dos conceitos de familia...

Adorei o que vc escreveu das respostas Clara... :rofl::rofl::rofl: Mas a intenção dos autores é ir ideologicamente além da explicação simples!
 
Amélie disse:
Mas a idéia de se basear no capitalismo é tendenciosa... E no livro isso fica claro o tempo todo!!!

Eles dizem que os sobrinhos são uma reprodução em série... e o fato de ter apenas tios, os desvincula dos conceitos de familia...

Bota tendencioso nisso! :susto:
Mas se "desvincula dos conceitos de família" então, quer coisa mais anti-burguesa que isso?


Amélie disse:
Mas a intenção dos autores é ir ideologicamente além da explicação simples!

É, eles enxergam o que querem, não é?
Dá pra fazer a leitura que a gente acha mais conveniente em muitos livros, quadrinhos, filmes e músicas por aí...
 
Não li o livro mas, pela descrição, parece meio tosco. Um tipo de análise descompromissada e superficial.

O ponto de partida não é só aceitável como também evidente: "produtos" culturais, quaisquer que sejam, relacionam-se diretamente com a ideologia hegemônica, seja através da reprodução, contraposição ou transformação. A ironia da história é que somos sempre homens de nosso próprio tempo.

Assim, apresentar a hipótese de que as histórias do Pato Donald (ou whatever) funcionam como difusoras da ideologia hegemônica é explicitar o óbvio. O difícil é o passo seguinte: demonstrar através da análise crítica como isso ocorre. É nesse ponto que o livro parece fraco (ainda que isso seja só uma impressão).

Clara V. disse:
Amélie disse:
Mas a idéia de se basear no capitalismo é tendenciosa... E no livro isso fica claro o tempo todo!!!

Eles dizem que os sobrinhos são uma reprodução em série... e o fato de ter apenas tios, os desvincula dos conceitos de familia...

Bota tendencioso nisso! :susto:
Mas se "desvincula dos conceitos de família" então, quer coisa mais anti-burguesa que isso?

A ideia de família não deve ser identificada como um traço burguês. Muito pelo contrário, é possível pensar em paralelos entre a dissolução das famílias ampliadas tradicionais e a ascensão do capitalismo. Nem mesmo a nossa família restrita atual é eminentemente burguesa, porque seria?

Não entendi a questão acerca da obra ser ou não tendenciosa.
 
Lembro de uma historinha em que o Mickey cola a cara na vitrine de uma loja e diz que adora olhar vitrines, a gente se diverte e não gasta um centavo.

E tá cheio de gente pensando assim em Shoppings pela cidade. :rofl:
 
Paulo disse:
A ideia de família não deve ser identificada como um traço burguês. Muito pelo contrário, é possível pensar em paralelos entre a dissolução das famílias ampliadas tradicionais e a ascensão do capitalismo. Nem mesmo a nossa família restrita atual é eminentemente burguesa, porque seria?

Marx escreveu sobre a necessidade da supressão da família n'O Manifesto do Partido Comunista. Considerava que "a família, em sua plenitude , existe apenas para a burguesia", já que a família atual, a família burguesa, fundamenta-se no capital e no lucro


Paulo disse:
Não entendi a questão acerca da obra ser ou não tendenciosa.

Não li o livro também e posso estar escrevendo besteiras, mas pela amostra que a Amélie colocou no post ficou parecendo, pra mim pelo menos, que os autores utilizaram algumas histórias, talvez algumas ideias dos produtos Disney pra concluir que estes fazem uma lavagem cerebral nas pessoas que lêem os gibis: tio Patinhas é o frio rico opressor, Donald o proletário oprimido que nunca consegue emprego ou levar uma vida digna.
Ou talvez Patinhas represente os países ricos e Donald os do terceiro mundo...
Seguindo essa linha de pensamento pode-se fazer essa relação opressor/oprimido em tudo quanto é história que tenha mocinhos e vilões.
Com o Batman e o Coringa; com Homem Aranha e Duende Verde; com Aragorn, Elfos, Mago e Hobbits de um lado e Golum, orks e Sauron de outro ...
Sempre os primeiro vistos como opressores e os segundos como oprimidos que se rebelaram, que foram contra a ordem estabelecida.
 
Clara V. disse:
Marx escreveu sobre a necessidade da supressão da família n'O Manifesto do Partido Comunista. Considerava que "a família, em sua plenitude , existe apenas para a burguesia", já que a família atual, a família burguesa, fundamenta-se no capital e no lucro

Primeiro uma qualificação: o Manifesto, ainda que tenha um caráter literário belíssimo, não é uma obra conceitualmente rigorosa.

A ideia desse trecho que você mencionou é a seguinte: com o avanço do modo de produção capitalista é possível observar uma certa preservação da família burguesa consoante à destruição da família proletária.

Marx e Engels disse:
Sobre que assenta a família actual, a família burguesa? Sobre o capital, sobre o proveito privado. Completamente desenvolvida ela só existe para a burguesia; mas ela encontra o seu complemento na ausência forçada da família para os proletários e na prostituição pública.
[Manifesto do Partido Comunista - Cap. 2]

Essa passagem é discutível. Ainda assim, o argumento do livro parece ser que a ausência de figuras paternas ou maternas nas histórias do Pato Donald os apresenta, precisamente, não como burgueses, mas como proletários (i.e., segundo a passagem acima, esses sujeitos cuja ideia de família existe apenas como ausência). O argumento faz sentido se você pensar que essas histórias são destinadas não à fina flor da burguesia, mas à massa proletarizada.

Complementando: que a família burguesa (i.e. a família restrita contemporânea, jamais a família ampliada tradicional) seja uma estrutura adaptada aos imperativos do capital, não se pode derivar daí que seja também uma estrutura burguesa por princípio, ou mesmo que seja necessária para a reprodução do capital. Ocorre justamente o oposto, é a dissolução da família proletária tradicional que existe como pressuposto para esse modo de produção.

[quote='Clara V.]Não li o livro também e posso estar escrevendo besteiras, mas pela amostra que a Amélie colocou no post ficou parecendo, pra mim pelo menos, que os autores utilizaram algumas histórias, talvez algumas ideias dos produtos Disney pra concluir que estes fazem uma lavagem cerebral nas pessoas que lêem os gibis: tio Patinhas é o frio rico opressor, Donald o proletário oprimido que nunca consegue emprego ou levar uma vida digna.
Ou talvez Patinhas represente os países ricos e Donald os do terceiro mundo...[/quote]

Acho que o termo que você quer usar é "simplista" e não "tendencioso". Se o livro faz esse tipo de analogia tão direta, sem mediações, então eu confirmo a minha impressão inicial de que é uma análise tosca. Mas isso não tem relação com ser "tendencioso".

Clara V. disse:
Seguindo essa linha de pensamento pode-se fazer essa relação opressor/oprimido em tudo quanto é história que tenha mocinhos e vilões.
Com o Batman e o Coringa; com Homem Aranha e Duende Verde; com Aragorn, Elfos, Mago e Hobbits de um lado e Golum, orks e Sauron de outro ...
Sempre os primeiro vistos como opressores e os segundos como oprimidos que se rebelaram, que foram contra a ordem estabelecida.

Essa parte do seu post ficou um pouco confusa. Contra a ordem estabelecida só podem se rebelar os oprimidos. Para os opressores, o status quo é sempre desejável.

Isso não significa, contudo, que todo questionamento da ordem seja igualmente lícito. O escravocrata que lamenta o fim da escravidão, apesar de se rebelar contra a atual ordem estabelecida (ou contra uma parte dela), não pode ser igualado ao escravo do século XIX que se rebelou (justamente) contra a antiga ordem.
 
hahahaha gente, como vcs conseguem discutir sobre a obra, se vcs nem leram?!?

tipo, bacana toda essa explicação... mas olha, eu garanto, por mais que seja tendencioso e óbvio (o que eu não acho tanto, já que são poucas obras que se propõem a fazer isso de maneira tão clara), só posso dizer que é super engraçado!!!!

Relax...
 
Pensa nas tirinhas/quadrinhos do Pato Donald sendo analisadas sob a perspectiva da comunicação de massa e do colonialismo (capitalismo)... E declaradamente Marxista? Sim, é dessa forma que os autores tratam a obra...

É impossível ler isso sem dar algumas risadas. Certas coisas são tão bizarras que acabam cômicas. Fez que eu lembrasse da declaração do diretor-adjunto do Departamento de Justiça e Classificação Indicativa, senhor Tarcízio Ildefonso, dizendo por que as Meninas Super Poderosas não receberiam selo de programa Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes:

No tempo em que eu era criança, o local de confraternização dos Superamigos era o Palácio da Justiça. Hoje, a confraternização das meninas heroínas acontece, muitas vezes, em um shopping. (...)Mas, na minha opinião, ele (o desenho) também dificilmente seria considerado recomendado, porque esse gesto é segregacionista, já que nem todos podem fazer compra em shopping, além de ser um estímulo ao consumismo

De resto, tio patinhas é um ótimo pato, mas um péssimo capitalista. Apesar de ser um self-made duck (guardando a moedinha número um e tudo o mais), deixa todo seu dinheiro parado num cofre. É sovina – ou seja, consome pouco- e não movimenta a economia. Mesmo assim, é um dos heróis da minha infância.
 
Eu já li, há muito tempo atrás, que esse lance dos sobrinhos está muito presente nas obras da Disney e remete à cultura norteamericana. Podem reparar que em vários desenhos o personagem mora com o tio, ou então o tio está presente (como O Rei Leão).

Mistérios Disneyanos...
 
Clover disse:
Lembro de uma historinha em que o Mickey cola a cara na vitrine de uma loja e diz que adora olhar vitrines, a gente se diverte e não gasta um centavo.

E tá cheio de gente pensando assim em Shoppings pela cidade. :rofl:

POR ISSO, que a Disney é cheia de mensagem subliminar.
 
Importante! Denúncia encontrada no site da Cultura acerca do livro:

José V. Lessa

Os autores não viram o essencial

Não perceberam a insidiosa e diabólica divisão de classes que há entre o Pateta e o Pluto. Afinal, ambos são caninos. Mas o Pateta veste roupas, usa chapéu, pensa e fala como gente, enquanto que o Pluto late, persegue esquilos e enterra ossos no quintal. Uma odiosa demonstração de desigualdade social.
 
Peço desculpas pelo comentário seguido, tropecei nesse texto e lembrei daqui.

Da coisificação do humano à admiração ingênua


[align=justify] Se os entes são modalidades das manifestações do Ser — o Ser em sendo — e a cultura, em seus mais triviais aspectos, uma emanação psíquica no tempo dos entes consciencializados, permissível nos é uma redução ontológica dos personagens de Disney. E se o filósofo é a medida da alienação de sua cultura, como dizia Marx, o mesmo dir-se-á do artista, em especial daquele que tão profundamente se espargiu nas massas marginalizadas do privilégio do saber.
Patinhas: a subjetividade carrancuda do quaquilionário, estratificada em decorrência da strugle for life nesta selva de lobos, não esconde que outrora o avarento tio partilhasse da ingênua Weltanschauung de Pateta. Mas numa estrutura em que os valores do ser são metamorfoseados pelo dinheiro — que, como nos diria um jovem teórico, é a alienação na abstração, ou o somatório abstrato de todas as alienações concretas — não se permite uma atitude ingênua e contemplativa.
Esta postura admirativa, que segundo Aristóteles é o gérmen do filosofar, persiste ainda em Pateta. Em um texto denso e complexo de sua Metafísica, diz Aristóteles: “É com efeito a admiração que leva e levou os primeiros homens à especulação filosófica. Ora, perceber uma dificuldade é admirar-se da própria ignorância”. Transportemo-nos a um episõdio (“A Onda dos Redemoinhos”, in Mickey, nº 175) onde, diante de um silo do qual emanam estranhos ruídos, o sobrinho Gilberto, produto hibrído do racionalismo mecanicista de um Pardal e da formação humanística de um professor Ludovico, inquire:
— Epa, que é aquilo?
Da admiração surge a pergunta e o conhecimento, diz-nos Karl Jaspers. Instaurada a indagação, demonstrando excepcional e ingênua sensibilidade, Pateta, em pleno processus de captação poética do desnudar-se fenomênico do Ser, responde:
— Elementar, meu caro sobrinho, algo faz vóim, vóim, vóim dentro do silo.
No pensamento contemporâneo é uma constante o diálogo entre o poeta e o filósofo, pois ambos, embora com fins diversos, partem de uma mesma problemática, a existência. Não por acaso, Sartre é filósofo e literato. Nesta captação primitiva de Pateta há uma admirável apreensão filosófica do eidos fenomênico. Discordamos dos que afirmam que a “sonolência do olhar acusa a letargia da consciência”. Diríamos que esta sonolência é conotativa de uma virgindade cultural que Donald, por exemplo, não possui. Num outro episódio (“Operação Kiwi Voador”, in Almanaque Tio Patinhas, nº 16) Donald, chegando a uma tribo indígena, interpela um pequeno guerreiro:
— Nós, nesta terra, intenção querer caçar. Saber onde estar guia?
O indiozinho entra na tenda e diz ao cacique:
— Papai! Este turista está tentando explicar-se usando todos os verbos no infinito. Não o entendo.
Donald aproximou-se com um pré-conceito — muito escusável se considerarmos o background donaldiano do real — que quase impossibilita a comunicabilidade entre seres de duas culturas distintas, não fora a disponibilidade do infante e a abertura ao diálogo do cacique.
Donald é o homem comum que, sem maiores ambições, satisfaz-se plenamente com o consuetudinário. Não é excepcionalmente inteligente, excepcionalmente forte ou excepcionalmente rico, senão excepcionalmente medíocre, se é que medíocre comporta tal advérbio. Voltando-nos em um flashback à sua vida escolar (“Esta é a sua vida, Pato Donald”, in Almanaque Tio Patinhas, nº 9), notamos que seu mais heróico feito foi ganhar uma competição cuja meta era colocar o número máximo de colegas numa cesta de lixo. Donald é a imagem perfeita do pato incompreendido e descrente dos homens. Acusador é o seu lamento:
— Preconceitos em toda a parte!
Talvez este episódio da infância explique sua inação burguesa. Donald encarna a alienação em sua plenitude, ao deixar-se explorar vilmente em sua força de trabalho pelo tio quaquilionário. Ou este deixar-se explora radicar-se-ia na consciência da inutilidade de uma eventual tentativa de libertação?
Pois o sustentáculo da fortuna de Patinhas não repousa em Patinhas — os valores do ter são exteriores à interioridade do homem. Suas imensas posses repousam na primeira moeda, avaramente guardada em uma redoma de vidro, cercada pelos dispositivos de segurança interna da caixa-forte, elemento de equivalência na arte disneyniana do fundamento histórico-sociológico da plus valia — a divisão do trabalho.
Disney não se pronuncia maniqueisticamente em sua obra: a função libertária é entregue não a um representante de um Bem Absoluto, mas a personagens eticamente mistos: irmãos Metralha, Madame Min e Maga Patalógica, representações simbólicas de duas tônicas do processo de libertação dos povos, a saber, a ação guerrilheira de grupos radicais e a tentativa de transformação do status pela força da magia, típica das esquerdas católicas.
Desde logo notamos o fracasso e a impotência da magia no ataque a este evento alienante, a primeira moeda. Se analisamos atentamente a caracterização psicológica dos personagens, fácil é notar a sensualidade estampada no facies de Maga Patalógica e o fenecer pós-menopáusico da carne em Madame Min, que nada mais quer senão satisfazer seus últimos estremeções sexuais com qualquer que caridosamente a aceite. Motivações assim pessoais para a luta revolucionária estão fadadas ao insucesso. As contínuas incursões contra a simbólica primeira moeda do capitalista Patinhas nada mais são senão meros pretextos das magas para demoradas e deliciosas viagens do castelo mal-assombrado à caixa-forte, montadas em suas longas vassouras, quais virgens ciclistas. Inegável é a função fálica dos cabos de vassoura na simbologia disneyniana.
Já a ação guerrilheira dos Metralhas aproxima-se mais do êxito, se bem que — por transitórios condicionamentos sócio-históricos (serviços de segurança, atitude reivindicatória isolada do povo) — esteja também fadada ao insucesso. E aqui cabe uma crítica a Disney. Parece-nos que sua concepção cíclica da história, manifesta no fato de que cada fracasso das magas ou dos Metralhas nunca é um fato absolutamente novo nem nunca será o último a ocorrer, seria válida tão-somente se inserta numa cultura clássica, mas não na hodierna. Característicos desta concepção são os versículos do Eclesiastes: “Que é que foi? O mesmo que haverá de ser. O que é que foi feito? O mesmo que se haverá de fazer. Nada de novo sob o sol, nem ninguém pode dizer: Vede, isto é novo; porque já aconteceu nos séculos que nos precederam”.
Magas e Metralhas jamais terão a posse da primeira moeda. E isto — reservamo-nos uma postura crítica — de certo modo empobrece a arte de Disney, pois além do fato de tal concepção encontrar-se em defasagem em relação ao nosso momento cultural, elimina a possibilidade de suspense, pois nos habituamos já a esperar pelo happy end e, conseqüentemente, limites temáticos são impostos à abordagem de outras alternativas.
Por outro lado, o Lobão — encarnação absoluta do Mal — não nos interessa, pois insere-se na literatura infantil de Disney, seu agir nada tem de histórico. Seu filho Lobinho, o Bem absoluto, tem do mesmo modo uma função meramente antitética: a preservação da sobrevivência dos três porquinhos. Voltemos pois àquela unidade de elementos contraditórios da verdade humana, tão bem e artisticamente captada por Disney.
(A ausência total da figura da mãe nas estórias — só encontramos pais ou filhos, tios ou sobrinhos, primos ou irmãos, avós ou netas — mereceria profundas digressões psicanalíticas, o que escapa às pretensões deste estudo).
Diz-nos Claude Tresmontant analisando a obra de Teilhard de Chardin: “O Mal provém do Múltiplo, faz parte integrante do processus de uma Criação evolutiva à base do Múltiplo; e isto por construção. Não podemos, portanto, considerar o Mal como um acidente, nem imaginar uma Criação desprovida de Mal”. A partir desta ótica cosmológica, explicita-se aquela dose mista de Bem e Mal, intrínseca tanto a nós quanto aos Metralhas, magas, Patinhas ou Mickey. Exceptus excipiendis, poupemos Pateta, que se situa num estágio pré-ético.
Diz Teilhard: “Não pode haver ordem em formação que, em qualquer grau, não implique desordem... Nada, nesta condição ontológica, que cheire a maniqueísmo. O Múltiplo puro, inorganizado, não é mau: mas por ser Múltiplo, quer dizer submetido essencialmente ao jogo de probabilidades dos arranjos, encontra-se na absoluta impossibilidade de progredir a caminho da unidade sem gerar, aqui e ali, o Mal — por necessidade estatística. Necessarium est ut adveniant scandala.”
Se nos Metralhas saudamos o agir revolucionário, em Mickey — personagem positivo tão ao gosto de um realismo socialista — vamos encontrar aquele que tanto Josph Losey como Bertold Brecht qualificariam como o “homem em ação, capaz de se descobrir, de reestruturar situações e libertar-se”. Um pseudolibertar-se, em verdade, pois a ação de Mickey não coincide com a necessidade histórica, senão que está a serviço dos departamentos de segurança do imperialismo (“Um porta-aviões no céu”, in Mickey, nº 172, e “Operação Unidade Invisível”, in Mickey, nº 168). Mas a ação, tanto de Mickey como dos Metrlhas, possui uma característica comum: a violência, produto de nossos dias, da práxis social. A violência no mundo é a necessidade da costrução do correto e da destruição do humano e do irracional. Mickey, no entanto, não realiza uma apologia da violência pela violência, como o fazem João Bafodeonça ou Mancha Negra.
Mas Disney não resolve sua problemática em termos de ação policial ou revolucionária. Metralhas, Patinhas ou magas nada mais senão representações de situações, modalidades de engajamentos (na acepção sartreana, a livre e consciente opção), mundivivências de seres, extraídos e capturados, em suas totalidades, do real. E nesta honestidade e respeito na abordagem das manifestações fenomênicas da cultura contemporânea, reside a grandiosidade e o engenho do artista.
A solucionática disneyniana embasa-se no nihilismo e na desesperança, tão típicas de uma cultura em decadência. Sinal dos tempos: do cenário agreste do western emerge a figura desdramática do anti-herói: Peninha. (“Aqui está o nhum-nhum-nhum”, in Mickey, nº 166).
Se em John Ford, Howard Hawks, Man e Dmytryck o personagem central da história tem funções de kosmokrator, em Disney encontramos a superação deste posicionamento, cuja validade só se radica nas convulsões revolucionárias de um momento histórico já ultrapassado. Disney, transpondo artisticamente a assertiva teilhardiana de que a desordem é intrínseca (Hegel explicita isto muito bem em sua Filosofia da História) a qualquer processus ordenativo, faz de Peninha o instaurador do kaos no kosmos, a própria essência do anti-heroísmo.
Onde surge Peninha, o cenário é destruído. Essa inter-relação unitária e indestrutível do homem (personagem) com seu mundo (o cenário), manifesta-se deletéria e destragicamente, compondo a medida demencial do desencadeamento e da desordem do mundo (ver seqüências finais de “Limpeza em Regra”, in Zé Carioca, nº 781, o cenário caótico de “Beleza de Mudança”, in Zé Carioca, nº 791, ou ainda “Atchim”, mesma revista, nº 803).[/align]

[align=right](Janer Cristaldo. Sátira à crítica cinematográfica. Porto Alegre, Correio do Povo, 02/07/67)[/align]
 
Caro Raphael, uma preocupação me tira o sono: será que você entendeu que o texto é uma piada? Veja bem, não faço troça de suas capacidades interpretativas tão bem afiadas e afinadas mas, dada a monstruosa falha do autor em ser engraçado, temi que lhe escapasse o sentido pretendido ao texto. O problema aqui é que o Sr. Cristaldo ignora uma regra vital no humor: mesmo as piadas mais absurdas demandam coerência interna. Como o referido texto é uma colagem de frases e palavras pretensamente irônicas, acredito que o Sr. Cristaldo tenha pensando que coerência seria uma demonstração de zelo excessivo.

Devo admitir, contudo, que a preocupação acima descrita não foi, verdadeiramente, a minha motivação para voltar à esse tópico. O caso é que o acaso é sempre fortuito e, de formas tortuosas, esse texto, e mais precisamente o autor do mesmo, tem alguma serventia para a discussão em curso.

Desde já peço desculpas por uma digressão que, ao contrário de minhas intenções, pode parecer desnecessária e demasiadamente longa. Com sorte, ao final do argumento, será demonstrada sua pertinência.

O ponto é que o ilustre Sr. Cristaldo não conta apenas com seu blog (quase tão bom quanto os textos do Olavo de Carvalho) e com seus admiradores para divulgar suas ideias na internet. O ilustre Sr. conta também com um perfil no Orkut, e não aguarda convites para expressar suas, digamos, "opiniões".

Dada a multiplicidade de exemplos, selecionei um que parece ajudar nessa discussão: na comunidade Luis Fernando Veríssimo, em meio à inúmeros fãs do popular autor, o Sr. Cristaldo anuncia sua presença com o seguinte tópico: "Veríssimo mente".

Entre outras "ideias", diz o Sr. Cristaldo:

Sr. Cristaldo disse:
O mito de "Guernica"
Vitor me perguntava se a tela "Guernica" não foi inspirada no massacre de Guernica. Não foi.

O mundo todo crê que o quadro pintado por Picasso em homenagem ao bombardeio da cidade basca de Guernica, embora no quadro não se encontre nem sombra de bombas, bombardeios ou cenas de guerra. Os fatos foram bem outros. Picasso havia pintado uma tela de oito metros de largura por três e meio de altura, intitulada "La Muerte del Torero Joselito", plena de cores fúnebres, que iam do preto aobranco, em homenagem a um amigo seu, o toureiro Joselito, morto em uma lídia.

O quadro ficara esquecido em algum canto de seu ateliê. Ao receber uma encomenda para o pavilhão republicano da Exposição Universal de Paris de 1937, Picasso lembrou do quadro. Foi quando Guernica foi bombardeada pela aviação alemã.

Oportunista genial, o malaguenho não teve dúvidas: titulou o quadro como Guernica. De uma só pincelada, o vigarista espanhol traiu a memória do amigo e mentiu para a História. E até hoje não há jornal que não ponha um aposto explicativo, quando ao quadro se refere: "pintado em homenagem ao massacre de Guernica pelos nazistas".
[http://www.orkut.com.br/Main#CommMs...5328&na=4&nst=171&nid=39826-13485328-82589059]

Resumo da ópera: a inspiração do quadro de Picasso, Guernica, não foi o bombardeio da cidade homônima. Como fundamento para expressar tal idéia, diz o Sr. Cristaldo que não é possível encontrar no quadro "nem sombra de bombas, bombardeios ou cenas de guerra".

A refutação desse absurdo, através de documentação e análises reconhecidas, foi empreendida no mesmo tópico por um membro da comunidade, Alexandre. O desenrolar do debate pode ser acompanhado nos links acima.

Pondo um fim à já longa digressão, no que esse caso ajuda a discussão em curso nesse tópico?

Ora, a partir das participações irônicas do Raphael e desse último texto do Sr. Cristaldo (a malfadada piada) tenta-se argumentar (sempre através de subterfúgios e desvios, jamais de forma explícita, vale dizer) que são ilícitas (e rídiculas!) quaisquer análises cujos resultados apontem para interpretações que superem o senso comum e o óbvio.

Assim, o livro em questão (Para Ler o Pato Donald) é merecedor de críticas não pela forma como empreende essa análise, mas por afrontar o senso comum e imaginar que nas inocentes histórias do Pato Donald encontra-se mais do que o infantil cotidiano de patópolis.

Para "Guernica" ser um quadro inspirado no bombardeio, era necessário apresentar ao menos uma bomba! Da mesma forma, a menos que Donald seja textualmente referido como "proletário" pelas próprias hq's, é abusivo a priori, a despeito de quaisquer outros indícios, caracterizá-lo dessa forma.

Apesar de não ter empreendido a leitura do livro em questão, o argumento aqui é válido uma vez que os comentários sarcásticos do Raphael (e de seu guru) não se limitam a esse livro mas, como já disse, à qualquer análise complexa.

No limite, a proibição colocada pelo Raphael (e cia) incorre na impossibilidade da história enquanto disciplina científica. Ora, toda a historiografia fundamenta-se na idéia de que vestígios do passado (textuais ou não) revelam questões e problemáticas das sociedades que os produziram. Se é lícito pensar que o Coliseu nos diz muito sobre as práticas romanas, porque seria tão ridículo pensar que o Pato Donald nos revela muito sobre a sociedade do séc. XX?

Por fim, e apenas para ilustrar, duas indicações:

"Gothic Oedipus: subjectivity and Capitalism in Christopher Nolan's Batman Begins", de Mark Fisher; e "The Pervert's Guide to Cinema", escrito e apresentado por Slavoj Žižek.
 
Prezado Paulo, como vão as coisas?

Algo me diz que você tem tempo demais nas mãos, mas tudo bem. Isso não é assunto meu. Só o que posso aconselhar é o seguinte: laugh a little bit.

Você discutiria a sério com um macarthista hidrófobo? Não dá. O mesmo vale para algumas viúvas de Marx dos nossos tempos. Vêem conspirações imperialistas escondidas atrás de cada arbusto (ou quadrinhos dos duck tales). Que mais não seja, o texto foi postado como forma (ou tentativa) de humor. Se um ou dois membros entenderam e tiverem rido, já terá valido a pena

Em tempo: Diz a lenda que vários intelectuais procuraram Janer para discutir melhor o texto. Muito boa-praça, Cristaldo logo entregou o jogo para um deles (professor da UnB). Revelou que o texto era piada. Parece que desapontou bastante gente.
 

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