• Caro Visitante, por que não gastar alguns segundos e criar uma Conta no Fórum Valinor? Desta forma, além de não ver este aviso novamente, poderá participar de nossa comunidade, inserir suas opiniões e sugestões, fazendo parte deste que é um maiores Fóruns de Discussão do Brasil! Aproveite e cadastre-se já!

Autor da Semana Oscar Wilde

Ana Lovejoy

Administrador
Oscar_Wilde.jpeg

Biografia

Wilde foi criado numa família protestante (convertendo-se à Igreja Católica depois), estudou na Portora Royal School de Enniskillen e no Trinity College de Dublin, onde sobressaiu como latinista e helenista. Ganhou depois uma bolsa de estudos para o Magdalen College de Oxford.Wilde saiu de Oxford em 1878. Um pouco antes havia ganhado o prêmio "Newdigate" com o poema "Ravenna".

Passou a morar em Londres e começou a ter uma vida social bastante agitada, sendo logo caracterizado pelas atitudes extravagantes. Foi convidado para ir aos Estados Unidos a fim de dar uma série de palestras sobre o movimento estético por ele fundado, o esteticismo, ou dandismo, que defendia, a partir de fundamentos históricos, o belo como antídoto para os horrores da sociedade industrial, sendo ele mesmo um dândi.

Em 1883, vai para Paris e entra para o mundo literário local, o que o leva a abandonar seu movimento estético. Volta para a Inglaterra e casa-se com Constance Lloyd, filha de um rico advogado de Dublin, indo morar em Chelsea, um bairro de artistas londrinos. Com Constance teve dois filhos, Cyril, em 1885 e Vyvyan, em 1886. O melhor período intelectual de Oscar Wilde é o que vai de 1887 a 1895.

Em 1892, começa uma série de bem sucedidas histórias, hoje clássicos da dramaturgia britânica: O leque de Lady Windermere (1892), Uma Mulher sem Importância (1893), Um Marido Ideal e A importância de ser Prudente (ambas de 1895). Nesta última, o ar cômico começa pelo título ambíguo: Earnest, tem o mesmo som de Ernest, nome próprio; Publica contos como O Príncipe Feliz e O Rouxinol e a Rosa, que escrevera para os seus filhos, e O crime de Lord Artur Saville. O seu único romance foi O Retrato de Dorian Gray.

A situação financeira de Wilde começou a melhorar, e, com ela, conquista uma fama ainda maior. O sucesso literário foi acompanhado de uma vida bastante mundana, e suas atitudes tornaram-se cada vez mais excêntricas.

Fonte: Wikipedia

***

Agora Anica fala sobre Wilde

Meu primeiro contato com Oscar Wilde se deu bem cedo, eu tinha algo em torno de 8 a 9 anos quando peguei na biblioteca do bairro O Fantasma de Canterville e outras histórias. Achava que seria um livro todo de histórias de fantasmas, e mesmo que a que dava nome à coletânea seria assustadora, e bem, não era. Fiquei meio decepcionadinha, confesso. Mas né, eu era uma criança ainda. Passam alguns anos, eu tinha quatorze anos quando li O Retrato de Dorian Gray pela primeira vez. Foi uma paixão imediata, especialmente por causa das coisas que a personagem Lord Henry dizia. E eu que estava em uma fase de profunda paixão pela Inglaterra, vibrei ainda mais com aquele retrato da sociedade com o tal do "humor britânico" que Wilde dominava tão bem. Assim, ele entrou na minha lista de favoritos (tanto o livro quanto o escritor).

Passou mais algum tempo quando ganhei de um ex-namorado um Obras Completas, que tinha junto as peças de teatro de Wilde. Eu tinha ali algo na casa dos 19 anos de idade, e me encantei com os diálogos precisos do autor, chegando ao ponto de pensar que era realmente uma pena que muitas pessoas só conhecessem Wilde pel'O Retrato de Dorian Gray, desconhecendo peças geniais como A Importância de Ser Prudente ou ainda O Marido Ideal (uma das minhas favoritas). Foi mais ou menos nessa época que tranquei a faculdade de jornalismo e tentei Letras, planejando já desde o primeiro ano fazer minha monografia sobre Wilde (não, não fiz. Mas apresentei um seminário sobre Wilde em Literatura Inglesa que me deixou orgulhosa foréva pelos elogios que ganhei de Liana Leão, uma das ~~minhas ídolas~~ da graduação, hehe).

Pulam alguns anos, vou para Paris e entre tanto defunto famoso enterrado lá, adivinha para quem vou prestar homenagens? Sim, Wilde. Será sempre um autor muito querido para mim, porque acho que um dos responsáveis por me guiar aos clássicos foi justamente ele. Enfim, comprei girassóis (a flor favorita dele), saí como uma doida com aquilo nos braços de metrô em metrô até chegar no Père-Lachaise, onde tive a oportunidade de visitar o túmulo do Wilde ainda sem o vidro de proteção (que foi colocado em novembro do ano passado). Ó eu pimpona aqui (a imagem tá bem grande e talz, só para avisar):

Europa 382.jpg

Enfim, tudo isso para dizer que Wilde, quando você conhece, não sai mais da sua vida. Juro, não lembro mesmo de alguém chegando para mim e dizendo "Nossa, achei O Retrato de Dorian Gray chato" ou "Joguei meu tempo fora lendo Wilde". Ele é delicioso, divertido, ácido, apaixonante. E muito do que ele disse continua surpreendentemente atual.

Começo por onde, Anica?

Sejamos óbvios e não vamos arriscar: o melhor começo é realmente O Retrato de Dorian Gray. Evite o De Profundis, que já é mais coisa de fã hardcore (embora eu ache que se você estiver em um momento pé na bunda vai se identificar profundamente com as queixas de Wilde para Bosie). E dê uma chance para as peças de teatro, que são realmente fantásticas. Se alguém estiver interessado nas peças, recomendo fortemente A importância de ser prudente e outras peças que saiu ano passado pela Penguin-Companhia das Letras. A edição é um capricho só, e dá para achar bem em conta por aí. Vou copiar aqui minha resenha que publiquei no Meia Palavra:

A importância de ser prudente e outras peças (Oscar Wilde)

Há algo de irônico na produção teatral de Oscar Wilde: as falas e ações de suas personagens parecem a todo momento um festival de tapas de luva de pelica na mesma sociedade que iria aos teatros assistir às peças, ou que aceitaria o dramaturgo em seu convívio (obviamente aceitação anterior ao período que passou na prisão de Reading). O artista que falava da arte pela arte, de escrever sem querer passar morais edificantes, no final das contas conseguia através de suas peças fazer as mais ácidas críticas a uma sociedade que vivia de aparências, um jogo de máscaras onde ninguém de fato era o que aparentava ser.
É o que se pode ver em A importância de ser prudente e outras peças, lançado recentemente através do selo Penguin-Companhia da editora Companhia das Letras. As três peças que fazem parte da coletânea têm em comum o fato de servirem como retrato perfeito do comportamento da grande sociedade da época, cheia de figuras que mostram a mais completa frivolidade sobre assuntos considerados importantes, como o casamento, por exemplo.
A coletânea abre com Uma mulher sem importância, que teve sua primeira apresentação em 1893. A ação se passa na casa de campo de Lady Hunstanton, em um encontro com diversas pessoas que representam a alta classe inglesa, embora nas palavras de Lady Caroline “ela seja um pouco permissiva na seleção das pessoas que convida para vir aqui”, o que pode significar uma crítica inclusive para sua interlocutora, a americana Hester. Aos poucos durante a peça as verdadeiras personalidades vão se revelando, até chegarmos ao desfecho que é até um tanto inesperado se considerarmos a época.
O chame de Uma mulher sem importância não reside tanto no enredo, mas nos diálogos criados por Oscar Wilde. Muitas das citações que as pessoas fazem do escritor sobre casamento, mulheres, etc. são retirados desta peça, principalmente das falas da ótima personagem que é Lorde Illingworth. Para quem está familiarizado com o Retrato de Dorian Gray, acredito que basta dizer que ele se parece em muito com Lord Henry.
A peça a seguir é O marido ideal, que aqui mescla politicagem e amor a já mencionada falsidade da alta sociedade vitoriana. Mais uma vez os diálogos inteligentes e rápidos fazem toda a graça da história, que tem como enredo o sucesso político de Robert Chiltern sendo ameaçado por uma chantagista, Lady Cheveley. Quem rouba a atenção aqui é o excelente Lorde Goring, que como os outros “lordes” de Wilde é um bon vivant encantador, talvez até mesmo por sempre dizer a verdade que a sociedade tanto se esforça para esconder sob máscaras.
Inclusive a relação de Goring com a irmã de Robert Chiltern, Mabel, também rende ótimos momentos. Há um diálogo próximo no quarto ato que é simplesmente impagável:
MABEL – Você quer dizer que não veio até aqui expressamente para me pedir em casamento?
LORDE GORING – (triunfante) Não; foi um lampejo de genialidade.
MABEL – O seu primeiro.
LORDE GORING – (com determinação) O meu último.
MABEL – Fico muito feliz em saber. Agora não saia daqui. Volto em cinco minutos. E não caia em nenhuma tentação enquanto eu estiver longe.
LORDE GORING – Mabel, querida, quando você esá longe, não há nenhuma tentação. Isso me torna terrivelmente dependente de você.
É esse tipo de conversa, com jogos de palavras e um tom muito espirituoso que tomam conta das peças de Wilde, inclusive na última da coletânea e que justamente dá nome ao livro: A importância de ser prudente. Há nesse título um trocadilho que infelizmente acaba se perdendo na tradução, entre a palavra Ernest (nome bastante importante no enredo) e Earnest (palavra que pode ser traduzida como “honesto”). Uma vez que não há pessoa que se chame “honesto”, está aí a razão para que tenha sido escolhida a outra possibilidade de tradução da palavra, “prudente”, que até que satisfaz o sentido. Essa peça já foi traduzida também como A importância de ser honesto e A importância de ser Ernesto, mas prefiro a tradução da Penguin-Companhia.
O motivo pelo qual o nome é tão importante é que o enredo todo se sustenta nele: Prudente (Ernest no original) é o nome adotado por Jack para viver uma vida livre de qualquer cobrança ou preocupação na cidade, enquanto no campo por conta da resposabilidade que deve à Cecily encarna uma personalidade de “homem respeitável”. Por outro lado, Algernon adota o nome Prudente quando visita a casa no interior de Jack, e se apaixona por Cecily. Temos então alguns desencontros misturados sempre ao ótimo humor de Wilde até chegarmos ao final feliz.
O tema da falsidade se repete, servindo como crítica para a alta sociedade da Inglaterra vitoriana. O mesmo grupo que tanto parece admirar Wilde embora como colocado na introdução de Richard Allen Cave, o trate como uma espécie de bufão, o bobo da corte que tem a licença poética para falar as verdades que eles mesmos queriam tanto esconder. Aliás, a introdução de Cave é muito interessante, por ser observada principalmente sob a ótica do teatro em si – algo que falta em material traduzido aqui no Brasil sobre Oscar Wilde.
A importância de ser prudente e outras peças vem também com as já conhecidas notas do selo Penguin-Companhia, que complementam (e muito) a leitura. Considerando que boa parte do texto do Wilde é crítica social, é fundamental conhecer detalhes da sociedade em questão, que é uma das informações que as notas trazem. Elas aparecem no final do livro, e embora eu prefira as que fiquem no rodapé da página, até entendo a opção: alguns textos das notas são relativamente longos e a formatação da página ficaria estranha. Mas é realmente algo que faz valer inclusive eventuais releituras. Comento isso por experiência, já que O Marido Ideal é uma das minhas peças favoritas e a conheço quase de cor. Mesmo assim, ler acompanhando as informações das notas enriqueceu muito a experiência.
Assim, somando à introdução de Cave e à boa seleção das peças, dá para dizer que A importância de ser prudente e outras peças é indispensável para os fãs de Wilde, e uma boa sugestão para quem leu O Retrato de Dorian Gray e quer conhecer um pouco mais do autor. Acreditem, ler Wilde é realmente um prazer. São raros os casos em que fica tão claro que humor é também um sintoma da mais fina inteligência.

A importância de ser prudente e outras peças
Oscar Wilde
Tradução: Sonia Moreira
424 Páginas
Preço sugerido: R$28,50
 
O Lol é por causa do A Importância de ser Ernesto.

Já li Dorian Gray e é mesmo muito bom e o final é :callas:

Também já li o De Profundis, mas já faz tempo e não me lembro muito bem. Mas é bem denso.
 
Passei boa parte da aula ontem imaginando 50 tons de cinza entre Basil, Dorian e Lord Henry. Mas aí pesquisei sobre essa edição e, basicamente, o que essa edição sem cortes faz é que ela deixa mais claro as relações homoeróticas entre o Basil pro Dorian e do Dorian ele mesmo (e outras referências aos amores femininos de Dorian como sendo apenas amantes). São mudanças relativamente pequenas, mas substanciais, ainda mais prum romance desse calibre.

Aqui, ó:

Dorian Gray, 120 anos depois, finalmente sem cortes

Mais de cem anos depois de ser lançado, O Retrato de Dorian Gray é relançado sem cortes.

O texto, agora reproduzido como Oscar Wilde gostaria que tivesse sido publicado à época, chega ao mercado em um livro de capa dura, ilustrado e cheio de notas informativas que explicam referências e contextos culturais, informa a Barnes & Noble.

Além disso, há explicações a respeito do processo de edição feito em 1891, quando foi lançado, e marcações de trechos que, para os editores, deveriam ser limados, como este que traduzo aqui livremente:

“Eu nunca amei uma mulher… do momento que encontrei você, você teve extraordinária influência sobre mim… eu o adorei enlouquecidamente, extravagantemente, absurdamente. Eu sentia ciúmes de todas as pessoas com quem você falava. Queria você todo para mim. Só era feliz quando estava com você”.

Evidentemente, o texto, mesmo cortado, chocou as sociedades europeia e americana da época por seu teor homossexual (como lembra matéria da Barnes & Noble, homossexual era palavra proibida em 1891. Dorian Gray foi chamado de “corrupto”, “leproso” e “decadente”, entre outros substitutos verbais para se referir à homossexualidade – ou à “homosensualidade” – do texto).

Basicamente, a primeira edição, aquela que prevaleceu por 120 anos, foi feita para conceder ao personagem principal um aspecto mais monstruoso e menos simpático do que o desejado por Wilde, que pouco participou do processo de corte (veja aqui a matéria e o trailer de O Retrato de Dorian Gray, adaptado por Oliver Parker, que acaba de estrear nos cinemas).

Dorian Gray teria sido inspirado em John Gray, poeta por quem Wilde foi apaixonado.

Casado com Constance Lloyd, mulher de beleza supostamente arrebatadora, Wilde vivia uma vida clandestinamente gay.

Por isso, anos depois do lançamento de Dorian Gray, foi acusado de perversão sexual e condenado. O escritor jamais se recuperaria do baque e morreria sozinho e em dacadência.

Wilde certamente não poderia imaginar que, 120 anos depois, seu texto original seria reverenciado e resgatado na íntegra, e que o mundo estaria a tal ponto mudado que um nobre pop-star inglês (sir. Elton John) frequentaria o casamento do príncipe acompanhado de seu marido.

Por enquanto, The Pictures of Dorian Gray: An Annotated, Uncensored Edition pode ser comprado via Amazon (US$ 22,00 – aproximadamente R$ 35,00) .

FONTE: http://colunistas.ig.com.br/livros/2011/05/02/dorian-gray-120-anos-depois-finalmente-sem-cortes/

Um link em inglês:

Uncensored Picture of Dorian Gray published
Over 120 years after it was condemned as 'vulgar' and 'unclean', an uncensored version of Oscar Wilde's The Picture of Dorian Gray is published by Harvard University Press

Oscar-Wilde-007.jpg


Revised after it was condemned in the British press over 130 years ago as "vulgar", "unclean", "poisonous" and "discreditable", an uncensored version of Oscar Wilde's The Picture of Dorian Gray has finally been published.

Wilde's editor JM Stoddart had already deleted a host of "objectionable" text from the novel before it made its first appearance in Lippincott's Monthly Magazine in June 1890, cutting out material which made more explicit the homoerotic nature of artist Basil Hallward's feelings for Dorian Gray and which accentuated elements of homosexuality in Gray himself.

Deciding that the novel as it stood contained "a number of things which an innocent woman would make an exception to", and assuring his employer Craige Lippincott that he would make the book "acceptable to the most fastidious taste", Stoddart also removed references to Gray's female lovers as his "mistresses". He went on to cut "many passages that smacked of decadence more generally," said Nicholas Frankel, editor of the new edition, for Harvard University Press.

The public outcry which followed the novel's appearance – "it is a tale spawned from the leprous literature of the French Decadents – a poisonous book, the atmosphere of which is heavy with the mephitic odours of moral and spiritual putrefaction," wrote the Daily Chronicle – forced Wilde to revise the novel still further before it appeared in book form in 1891.

"It is quite true I have worshipped you with far more romance of feeling than a man should ever give to a friend. Somehow I have never loved a woman," Hallward tells Dorian, in one passage which was changed. The censored version read: "From the moment I met you, your personality had the most extraordinary influence over me".

Frankel, associate professor of English at Virginia Commonwealth University said "the time is ripe for the publication of Wilde's novel in its uncensored form … It is the version of the novel that Wilde, I believe, would want us to be reading in the 21st century … I'm bringing it out of the closet a little more."

Harvard University Press said the differences between Wilde's original text and the published version of the novel "have until now been evident to only the handful of scholars who have examined Wilde's typescript".

Among other restored passages, Hallward describes the feelings which had driven his portrait of Gray. "There was love in every line, and in every touch there was passion". Another restored line describes Gray walking the street at night; "A man with curious eyes had suddenly peered into his face, and then dogged him with stealthy footsteps, passing and repassing him many times." Gray also reflects on Hallward's feelings for him. "There was something infinitely tragic in a romance that was at once so passionate and sterile".

In another instance, the question; "Is Sybil Vane your mistress ?" was altered to "What are your relations with Sibyl Vane ?" – one of three references to Gray's "mistresses" that were cut by the editor.

But critics and academics in the US have not been universal in their praise of the uncensored version. Reviewing the new edition, author and columnist Brooke Allen wrote on the Barnes and Noble website that "whether the original text is actually 'better' than the book version published in 1891 is a moot point".

"Some of Wilde's original material may have been lost in the latter … but much was gained, too," she wrote. "This annotated version, though a treasure for scholars and for anyone with a serious interest in Wilde, the 1890s, and Aestheticism, should serve as a supplement to the standard text rather than a replacement."

FONTE: http://www.guardian.co.uk/books/2011/apr/27/dorian-gray-oscar-wilde-uncensored#ixzz2UgPXZYzg
 
Eu li Wilde faz alguns meses, foi pouco antes de excluir minha conta antiga e acabei não falando sobre ele aqui.

Li primeiro 'Dorian Gray', depois essa edição da Companhia das Letras com as peças 'Uma mulher sem importância', 'O marido ideal' e 'A importância de ser prudente'. Bom, meu primeiro contato com Wilde foi sua coletânea de contos que nem cheguei a ler, alguns aforismos e o ensaio introdutório da tradução do Galindo de Ulysses, que fala da importância da obra enquanto uma crítica da tradição literária com um personagem que se faz a si mesmo, sem pai, não-gerado, aplicando isso de certa forma ao Stephen. Achei isso interessante e guardei na memória.

As peças foram surpresas, eu achei apaixonante demais o cinismo dos 'Henry's que nelas se encontram, como eles dominam magicamente o mundo em que vivem, não apenas tendo conhecimento do psicológico como do materialmente contingente. É como se o mundo inglês apresentado nas peças se curvasse a esses homens, visto que um mundo só é mundo enquanto reproduz a alma dos homens que nele vivem e somente quem se especializa no humano se torna dono desse mundo, tão humano mundo. Ocorrem pedras no caminho desses magos, como no caso dos 'Prudentes', mas eles ainda mantém a maestria, o domínio e provam dominando o palco da vida, ainda que nele e apenas nele se satisfaçam, ali encontram plena liberdade e reinam absolutos.

Os tipos descritos nas peças, as situações tão cômicas, tudo é impagável e hilariante.

Então li Dorian Gray. Olha, esse livro me fez cair de amores pela obra do irlandês, quer dizer, posso não ter lido muito dele mas posso dizer que gosto de tudo que leio. A obra é muito mais que uma crítica moral da sociedade inglesa, pós-vitoriana, pré-moderna. O livro é uma verdadeira metafísica da sensualidade, da arte. É uma estética das paixões. Uma ontologia do vício. Isso é muito importante porque quando se pensa no movimento estético de Oscar Wilde se pensa simplesmente em alguma coisa de um tipo solipsista, de auto-engano metafísico de péssimo gosto, de uma tentativa de fuga do moralismo pela exaltação individualista da contemplação estética, do fazer artístico que se goza a si mesmo na reprodução de um homem qualquer, virtuoso ou viciado. E isso parece ecoar no homossexualismo de Wilde e no de vários de seus personagens homens que parecem menos homens que criaturas degradadas, que só podem se arvorar em juízes por terem ultrapassado a hipocrisia ao assumirem o vício abertamente. Pós-modernismo. Niilismo.

Mas Wilde vai além, ele não é nenhum niilista, é alguém que crê no vício, crê no mal que o vício realiza não apenas na alma mas também no corpo, uma unidade antropológica bem tradicional, não cai nem na exaltação cadavérica da renúncia do corpo nem na masturbação do 'espírito', seja em suas vertentes mais 'intelectuais' ou místicas. Wilde vai além e prepara, de certa forma, o 'épico do corpo' de Joyce. Ele traz uma sociedade corrompida pelo vício, onde só pessoas como Lord Henry, um ser único como ele, cheio de pecados mas com um controle artístico sobre o vício, um domínio que se não é estoico não deixa de ser heroico, pode se destacar de forma protagonista, monárquica. Penso que é nele que Wilde coloca um certo 'ideal', um homem que é verdadeiro, é orgânico exatamente por ser um dândi porque é o único que não assume valores que ele não pode cumprir nem concordar e que estão fora de moda, fora de qualquer representatividade em uma sociedade praticamente pós-tradicional. Henry não é covarde, é apenas alguém que toma consciência da própria finitude, assume o espírito universal de sua época, dele se reveste e manipula a própria alma brilhantemente, estendendo esse domínio por toda uma sociedade que ele 'domina'. Ele conhece aquelas almas, suas tramoias, seus cacoetes, trejeitos e manias, suas historinhas, sua falta de fé e perspectiva e um otimismo mórbido diante de qualquer pequena oportunidade de prolongar seus pequenos orgasmos. A homossexualidade tem aqui um caráter andrógino também: ela é menos um vício que um desgosto pelo normal que se mata dia a dia, e uma posição de domínio sobre uma masculinidade atrofiada e uma feminilidade que ainda não se reconhece nem no mundo velho nem no mundo novo. Lord Henry é mitológico, é um homem que absorve tudo sem se deixar dominar por nada, é um mago, um conjurador de sortilégios. Porque domina a alma, domina a alma dosando corretamente o uso estratégico de virtudes temperado com uma malícia orgânica, um conhecimento superior do bem e do mal que ele usa a seu bel-prazer. É o homem superior.

Esse homem encontra então Dorian Gray, puro, inocente, tímido, sem muitas projeções ou orientação. É uma mina de ouro, um ser angelical e tão purissimamente belo como aquele vivendo NESSE mundo? Henry teme por ele, assim como Basil. Henry teme pela sua ingenuidade não provada pelo fogo, sua falta de referenciais reais, seu quimerismo, teme que o mundo o destrua lentamente e sabe que nenhuma virtude o protegerá da erosão lenta e contínua, não duvida de sua Queda mas teme que tal decaída seja lenta e corruptora de seu espírito, em vez de uma queda pela qual ele se domine, e domine o mundo à sua volta. Lord Henry começa a tentar formá-lo.

Basil é um caso à parte, ele não é exatamente um modelo de virtude mas em seus vícios ainda sobrevive certa decência, certo orgulho, é como se os próprios vícios o impedissem de cair mais baixo, e esses contrastes que ele não domina o vão limpando e purificando. Ele conhece o mal no mundo e se mantém inocente, eis a verdadeira alma artística, a que navega pelo mar tempestuoso das paixões que sempre o empurram à frente, com mais desejos desvairados, mais impulsos da vida que se abre ao mundo sem se corromper e se derrama, iluminando a vida através do belo, belo que é essa mesma contradição entre vida e morte. Assim como a sexualidade é bem esse jogo entre vida e morte, pura poesia, pura arte, as perversões sexuais e morais não nascem do mal mas como uma reação metafisicamente sexual, que buscará gerar, parir todo um mundo novo, mundos e cosmos novos, sem se prender a dialéticas estéreis. Seria patente que Basil não poderia influenciar Dorian, mas poderia simplesmente lhe empurrar na direção de um teste, uma tarefa ontológica. O retrato nada mais é que o esforço de viver, de resistir ao mal, seja pela ascese seja pelo domínio mefistofélico, mas Dorian é muito influenciado por Henry para aderir ao primeiro e é fraco demais para seguir no segundo.

Dorian não domina nada. Ele vai caindo, caindo, caindo e se degradando cada vez mais. Fraco, não consegue se sobrepor aos vícios como Henry, pelo contrário, ele crê ter ido além de seu mestre e ter descoberto uma verdadeira 'ciência do vício' mas só o que essa ciência conseguiu foi deformar ainda mais seu retrato. Na espiritualidade do cristianismo ortodoxo se fala que o verdadeiro objetivo da vida espiritual é a theosis, a deificação, que nada mais é que a recuperação da imagem divina em nós, imagem danificada pelo pecado ancestral (pode-se dizer que todos temos um retrato de nós mesmos, uma imagem enfraquecida pela qual devemos nos guiar, rumo à sua purificação, imagem difusa, diferente do claro retrato de Dorian Gray que ao mesmo tempo que é a sublimação do ato gerador artístico é um dom divino a Dorian para que ele se guie por esse alerta mais claro mas ele falha nessa empreitada) e que devemos buscar recuperar e, com ela, o estado adâmico original, isso é a base de toda verdadeira espiritualidade tradicional. O nous (intelecto) obscurecido precisa ser alimentado do bem, purificado das paixões e iluminado pelas energias divinas, do contrário só errará de abismo em abismo até que na hora do Juízo o fogo abrasador não lhe seja anelante, mas torturante. Só se anela pelo fogo espiritual a alma que conseguiu se purificar e se espiritualizar, já a alma materialista, a amante dos vícios só experimentará a dor. E existe um terceiro caminho, que parece ser a aplicação da estética de Wilde na obra: a terceira via, o caminho do feiticeiro, do bruxo, do demiurgo, aquele que mantém o bem como casca para não se deixar pegar pelos demônios e por eles ser escravizado, e que se torna conhecedor do mal, das potências lunares, anímicas, do devir e da transformação e pelo seu domínio dessas forças malignas, acaba por ter verdadeiro domínio. Domínio sem libertação, digamo-lo, mas domínio.

Pode ser uma viagem alucinante mas eu enxergo dessa forma o livro, um tratado sobre a 'terceira via', a sublimação da arte enquanto geradora de uma consciência mais limpa e cristalina do futuro espiritual, a colocação de opções pelas quais a mesma consciência pode optar por seguir, e em tudo pairando a influência de uma forma de vida no vício que, se não liberta, pelo menos, protege contra a dissolução profunda do vício. É uma verdadeira metafísica mefistofélica, um manual de bruxaria esse livro, no sentido de que relata como as consciências dissolutas do nosso tempo dissoluto não estão presas no inferno, visto que o céu se tornou inatingível, mas ainda possuem pela arte, arte enquanto fenômeno espiritual de domínio das realidades humana e sub-humana (sub-consciente?), arte que busca tornar toda a vida um fenômeno estético que podemos sublimar, uma forma iniciática, solar, de afastar nuvens negras e sem se embriagar nas exigências impossíveis e insanas da santidade, escala os mais altos montes da possibilidade de realização metafísica e controla todo o cosmo com seu olhar de lince, seu espírito indomável, sua malícia de feiticeiro.

O grande drama ainda é o estado mental e espiritual e Dorian no final do livro, quando se vê ate onde o vício leva o homem, à total despersonalização do tipo mais daemônico, a imersão nos abismos mais profundos do terror, do homicídio, da sensualidade mais vil e grotesca, da loucura mais maligna. O suicídio aqui é a consumação de todo mal, é a morte de Deus no homem pelo ato mais luciférico, a destruição da imagem de deus em si mesmo. A destruição do retrato consegue ser pior que o suicídio, é esfaquear o próprio espírito.

Cambaleante, Dorian vê que nunca teve o espírito forte de Henry muito menos o anelo profético de Basil. Ele simplesmente foi um fraco agraciado com um dom poderoso e maravilhoso demais.
 
Última edição por um moderador:

Valinor 2023

Total arrecadado
R$2.434,79
Termina em:
Back
Topo