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Os queridos de Salinger

Anica

Usuário
Ótimo artigo de Roberto Muggiati que saiu na Gazeta hoje. Agrada os fãs de Salinger e o pessoal que adora uma lista de indicações literárias ;D


[size=x-large]Os queridos de Salinger[/size]
Em seu último conto publicado, “Hapworth 16, 1924”, o escritor faz uma lista de preferências literárias

Explorando a internet (em todos os sentidos), baixei as 22 short stories de J.D. Salinger (1919-2010), publicadas avulsamente de 1940 a 1965, em revistas de todo tipo – comerciais, acadêmicas, literárias. O conto mais longo é “Hapworth 16, 1924”, de 60 páginas, último texto publicado por Salinger, que saiu na revista New Yorker de 19 de junho de 1965. Em 1996, uma pequena editora da Virginia anunciou a publicação de “Hapworth” na forma de livro, requerendo registro no catálogo da Biblioteca do Congresso. Salinger chegou a aprovar o tecido que seria usado na capa, mas a notícia vazou para a imprensa e ele suspendeu a publicação.

“Hapworth 16, 1924” consiste numa carta que Seymour Glass (o irmão mais velho, o santo da família, que se suicida no conto “Um Dia Ideal para os Peixes-banana”, de Nove Estórias) escreve para os pais de um acampamento de férias. Detalhe: Sey­mour tem apenas 7 anos de idade, mas faz observações e reflexões de uma maturidade inacreditável. Emite opiniões sobre tudo: o comportamento sexual dos adultos, Deus, transcendentalismo, filosofia, literatura. Seria um texto absurdamente inverossímil mas, graças à magia narrativa de Salinger, o leitor se convence de que tudo aquilo sai mesmo da cabeça de um menino de 7 anos. Na verdade, tudo sai da cabeça do próprio autor, na época com 46 anos. É a mesma idade de Buddy Glass, irmão de Seymour e o escritor da família, alter ego do próprio J.D. Buddy acabou de receber, em remessa registrada, a carta manuscrita de Seymour – mandada pela mãe, Bessie, que a tirou do fundo do baú, 41 anos depois de escrita – e passa a transcrevê-la em datilografia.

No último terço do conto, Seymour enumera os livros que deseja receber no acampamento de férias, alguns dos quais serão compartilhados pelo irmão de 5 anos, Buddy. Sua voracidade literária é impressionante. Além de conversação italiana, livros sobre Deus (de autores com sobrenome iniciado por H em diante), pede a Prece Gayatri, de autor anônimo, dois volumes do indiano Vivekananda (Raja-Yoga e Bhakti-Yoga), a Bíblia Sagrada, compêndios chineses e hindus sobre técnicas de respiração. E também livros sobre a Grande Guerra, de preferência não escritos por veteranos ou jornalistas, sem fotografias. (“Quanto mais velhos ficamos, mais nos inclinamos a passar por cima de fotografias excelentes.”)

Outros destaques da lista

“As obras completas do Conde Leão Tolstói. Não mandem Ressurreição ou A Sonata a Kreutzer, ou até mesmo Os Cossacos de novo, uma segunda leitura intensiva destas obras-primas não sendo necessária ou desejada.”

Gênio

“Dom Quixote, de Cervantes, este homem é um gênio além de qualquer comparação fácil ou barata!”

Dickens e Eliot

“Charles Dickens, em sua abençoada totalidade ou em qualquer forma ou modelo tocante. Meu Deus, eu o saúdo, Charles Dickens!”

“George Eliot, mas não em sua totalidade. (...) William Ma­­ke­­peace Thackeray, não na totalidade. (...) Jane Austen, em sua totalidade ou em qualquer forma ou modelo, descontando Orgulho e Preconceito, que já está em minha posse. Não vou perturbar o gênio desta garota incomparável com observações dúbias.”

“John Bunyan. Para ser franco, não dei a este homem uma oportunidade justa quando mais jovem [reparem, Seymour tem apenas 7 anos de idade], mas nesta releitura pretendo dar a seu gênio natural e tocante mais reconhecimento e admiração.”

Surpresa

“As irmãs Brontë de novo, que garotas encantadoras! Lembrem que Buddy estava lendo Villette quando embarcou para o acampamento. No passado, eu pessoalmente nunca abordei Charlotte de uma maneira carnal mas, em retrospecto, suas atrações são uma tremenda e agradável surpresa.”

Franceses

“Em quantidades generosas, mandem livros de Victor Hugo, Gustave Flaubert, Honoré de Balzac, ou simplesmente Honoré Balzac, pois ele se deu o aristocrático ‘de’ a partir de um motivo tocante e humorado, sem qualquer autorização. Em quantidades menores, também em francês para prática e puro prazer, diversas seleções das obras de Guy de Maupassant, Anatole France, Martin Leppert, Eugene Sue. Recuso-me absolutamente a aceitar Maupassant como ilustração do abuso de sensualidade. Minha indesculpável má vontade se estende também ao senhor, Anatole France, grande mestre da ironia! Como derradeiro francês, mandem-nos Marcel Proust, em sua totalidade. Já preparei para Buddy muitas passagens magníficas, como esta do tantalizante À Sombra das Raparigas em Flor: ‘On ne trouve jamais aussi haut qu’on avait espérés, une cathédrale, une vague dans la tempête, le bond d’un danseur’ [‘Nós jamais encontramos, tão altos quanto esperávamos, uma catedral, uma onda numa tempestade, o salto de um bailarino’]. Mandem também os ensaios de Montaigne, aí está um francês encantador, superficial e delicioso! Vamos erguer o chapéu para sujeitos talentosos e encantadores; meu Deus, eles são raros e impressionantes!”

Sherlock vs. Goethe

“Mandem-me as obras completas de Sir Arthur Conan Doyle, com exceção dos livros que não se ocupem de Sherlock Holmes. Outro dia, enquanto nadava no lago, subitamente me ocorreu que amo Sir Arthur Conan Doyle, mas não amo o grande Goethe!”

Apanhador

Não há espaço aqui para enumerar toda a literatura requisitada por Seymour Glass para preencher seus momentos de lazer no acampamento. Mas não foi só em “Hapworth” que Salinger revelou suas preferências. Na obra que o consagrou, O Apanhador no Campo de Centeio (título inspirado pelo poema do escocês Robert Burns “Comin’ thro’ the Rye”), ela coloca na boca de Holden Caulfield algumas opiniões sobre Isak Dinesen, Ring Lardner, Thomas Hardy e Somerset Maugham. Os três primeiros o comovem; Maugham escreve bem, mas não mexe com suas emoções. Afirma o anti-herói: “O que realmente me tira o fôlego é um livro que, quando você o acabou de ler, deseja que o autor fosse um tremendo amigo seu e que você pudesse telefonar para ele sempre que sentisse vontade”.

J.D. Salinger é desses autores de quem temos vontade de ser tremendos amigos e telefonar para ele sempre que sentirmos vontade. Pena que ele nunca atendeu o telefone...

Fonte: Gazeta do Povo
 
[align=justify]Salinger é legal por conta, principalmente e em minha opinião, da maneira como ele constrói o humor nas suas obras. Ele consegue aliar erudição e irreverência de forma espetacular. É como se você lesse algo erudito sem se cansar e como se lesse uma literatura bem humorada sem se incomodar com falta de conteúdo.[/align]
 
De Salinger só conheço mesmo "O apanhador..." e não me canso de dizer que este é um dos livros da minha vida. Releio sempre. Uma vez por ano, pelo menos. :sim:
 
Bem legal essa lista hein? Ele escreve o porquê da escolha, diferentemente das listas que vemos por aí que se limitam a "listar" livros...

Adorei a passagem “O que realmente me tira o fôlego é um livro que, quando você o acabou de ler, deseja que o autor fosse um tremendo amigo seu e que você pudesse telefonar para ele sempre que sentisse vontade”. Acho que isso não se aplica só ao autor, mas aos personagens também. Muito bom quando se termina de ler um livro e sentimos "saudade" do personagem, como se ele fizesse parte da nossa vida...
 
[align=justify]Podes crer, com certeza queria ligar para o Holden e bater um papo com ele. Aliás, gostaria de ouvir a opinião do Holden sobre as pessoas que normalmente encontro nas ruas, XD é uma pena não poder saber isso.[/align]
 

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