Tópico muito interessante, parabéns.
É interessante esses pensamentos sobre os órfãos, e é incrível como eles fazem sucesso, não apenas em Tolkien, mas em geral, órfãos sempre estão na mídia. Para citar dois exemplos mais atuais: Chiquititas que fez um sucesso tremendo entre as meninas e pré-adolescentes e Harry Potter que faz um sucesso tremendo com quase todo mundo, rs.
Acho que existem tantos personagens órfãos assim porque nos identificamos muito com eles, o que é interessante pois a maioria das pessoas não são órfãos de verdade, mas em alguma medida, nem que seja inconsciente, acredito que todos tem um sentimento de órfão, desprovido de pais e proteções, sozinhos no escuro das intempéries do mundo.
Freud diz que "o pai é para a criança o que deus é para o fiel", ou seja, quando somos crianças nossos pais são os heróis, eles (na nossa cabeça) são os mais fortes, os mais inteligentes e os mais bonitos. Quando uma criança entra em alguma encrenca corre logo contar para seu pai, seu protetor e defensor, ela tem certeza que ele cuidará de tudo, não importa que perigo ela tenha encontrado. Teve uma situação na praia que surgiu um gambá na varanda da casa. Os adultos espantaram o gambá com a mangueirade água e quando as mulheres chegaram o menino correu para mãe dele dizendo: "Mãe, o pai matou o Gambá". Na verdade, naa disso tinha acontecido, o gambá não foi morto, mas espantado, e não foi o pai dele que fez isso, o pai dele ficou com medo e correu para dentro da casa, mas na cabeça do menino o pai foi o herói e salvou o dia. Isto é: os pais são super-poderosos. Quando crescemos e percebemos que nossos pais não passam de reles mortais que tem que pagar contas e não têm todas as respostas do mundo, sendo subjugados desde o governo de outros países até o policial corrupto da cidade, nossos pais deixam de ser super-poderosos e se tornam mortais... nós ficamos órfãos, não temos mais um protetor insuperável, então encontramos deus. O nosso novo pai, esse sim insuperável, todo-poderosos de fato, que vai nos proteger, nessa vida ou na outra. Esse era o pensamento de Freud.
Talvez por isso nós nos interessemos tanto pelas histórias dos órfãos, porque nos sentimos como eles, entendemos como eles estão sozinhos no mundo e sem proteção, porque nos sentios assim. Talvez por isso algumas pessoas se dedicam tanto a religião, outras aos super-heróis (que se formos analisar veremos que também são outros órfãos. Mas estes se tornam tão poderosos que dispensam a necessidade dos pais, eles acabam se tornando os pais, os vigilantes misteriosos, nossos protetores invisíveis ), outras à fantasia. Na verdade essa busca e interesse nessas áreas pode muito bem ser uma busca pelos pais, para afastar nosso sentimento de órfão.
Voltando ao Senhor dos Anéis, Frodo não é só órfão dos pais dele, conforme o desenrolar da história ele fica órfão de cada figura protetora que conheceu. Ele fica órfão de Gandalf em Moria, fica órfão de Aragorn quando a Sociedade se divide, fica órfão de Boromir e até Gollum que por muito tempo cumprem funções protetoras, quase paternais, protegendo de inimigos e "mostrando o caminho"... e nos filmes, Frodo chega a ficar órfão até de Sam, quando Gollum faz a armadilha do Lembas na Escada Reta em Minas Morgul.
Desprovido de tantos pais, e absolutamente órfão Frodo morre, quando Laracna, o monstro da ausência, do escuro que é a falta de luz, a falta de esperança o atinge e o embalsama. Frodo só volta a vida quando seu pai Sam retorna triunfal para salvá-lo, super-poderoso, praticamente um "grande guerreiro élfico, bem ao modo como os pais fazem e parecem para as crianças indefesas. Além disso, Frodo tem a estrela de Eärendil, "uma luz quando todas as outras luzes se apagarem", quer frase mais maternal e protetora que essa? E quando ele tropeça em Mordor ele não cai em seu solo seco e frio, mas na grama macia e molhada de orvalho do Condado e quem oferece a mão para levantá-lo é Galadriel dizendo: "Essa missão é destinada a você Frodo Bolseiro, e se você não conseguir cumpri-la, ninguém mais conseguirá" é o pensamento de todos os pais a seus filhos, eles querem que nós nos demos bem na vida, para que sejamos "alguém na vida", que superamos as adversidades que vamos encontrar no nosso caminho e alcancemos nossos objetivos, embora eles não poderão nos acompanhar por todo o caminho. Por que por mais que eles vivam, a missão deles é apenas nos preparar como puderem, pois a demanda da nossa vida é um fardo que apenas cada um de nós pode carregar e ninguém mais pode fazer isso por nós.
Nesse caminho, vamos encontrar grandes dificuldades, fazer e perder amigos e inimigos, por diversas vezes nos sentiremos sozinhos, com frio e com fome, nunca saberemos ao certo se estamos no caminho correto e de vez em quando, nos perderemos. E no final, nossa demanda deixará marcas, visíveis e invisíveis. Frodo perdeu um dedo, nós perderemos nossa face, pois envelheceremos. Frodo perdeu o Condado, que nunca mais foi o mesmo para ele, nós perderemos o conforto da infância, pois envelheceremos.
Órfãos arremessados no mundo, encarregados de tarefas grandiosas e fúteis, muitas vezes sem saber em qual é essa missão, qual é a demanda, mas continuaremos (ao menos a maioria de nós) a caminhar e no final pode ser que nos surpreenderemos, pois teremos uma experiência de vida, uma história, que poderia ser colocada em um livro ou muitos deles. Mas isso tudo nós só conseguiremos se abandonarmos o útero aquecido de nossas super-poderoas mães e sermos cuspidos sozinhos no frio mundo e começarmos a nossa longa, e muitas vezes solitária, caminhada de órfão.
Afinal, já dizia o pensador: "Os barcos estão mais seguros nos portos, mas não foi para isso que eles foram construídos".