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Os Nossos Antepassados - Ítalo Calvino

Primula

Moda, mediana, média...
Já faz algum tempo que eu ouvi falar sobre Ítalo Calvino e fiquei curiosa sobre o homem. Mais especificamente fui fisgada pelo diálogo que vi num documentário.

Carlos Magno perguntou: - Por que não mostra seu rosto, cavaleiro? Percebe a grosseria contra seu rei?

- Não posso, Majestade. Eu não existo.

- Essa é boa, agora tenho em meu exército um cavaleiro que não existe. Erga o elmo.

E com efeito debaixo do elmo nada existia. O cavaleiro era apenas a armadura.

******

Somente agora no entanto consegui juntar o $$$ para comprar os 3 volumes em um. E se você não me conhece é melhor parar de ler meu monólogo aqui, porque a seguir vai vir um monte de comentários e impressoes e spoilers.

O que posso dizer? É fantasia, tem estórias fantásticas. Li uma vez. Li mais uma vez...

E dá comixão de ler de novo. (o que deve fazer o autor de "por que ler os clássicos" dar umas boas risadas)

O primeiro livro é algo meio ingênuo, e não é surpresa afinal foi o primeiro que o autor escreveu. Mesmo assim, a verdade te atinge em cheio.

E que verdade? De que mesmo lendo o livro, estando ali só para me distrair (oh ópio!), o autor me pregava uma peça me fazendo questionar a mim mesma.

Uma das que mais marcou foi depois da volta da metade boa do Visconde Medardo. Então o povoado ficou confuso porque ora Medardo fazia suas maldades habituais, ora se tornava um santo preocupado com o bem estar das pessoas.

Quando a babá de Medardo encontrava a parte boa ela dava bronca sobre as maldades dele.

- Mas isso não fui eu quem fez! Foi a minha outra metade!

- Oras, mas se todos não dizem que foi o Visconde Medardo quem fez isso! Você é Medardo, ou não?

- Sou mas...

E a estória continuou. Tipo, as pessoas do livro riam porque a babá estava ficando caduca, mas há uma verdade nisso. Tipo, ele é Medardo. E o outro também é Medardo. Cada um faz as coisas inerentes de ser bom ou mau, mas ambos são Medardos. E só porque estão separados, isso não significa que ele deixe de fazer aquelas coisas. Ele faz, digo fez, foi feito! Taí para todo mundo ver. Foi Medardo. Não interessa se bom ou mau, foi Medardo!

Se a gente pensa em termos de gente inteira (e não partido ao meio) tipo, usamos de outros artifícios. Foi o diabo que me tentou, eu tava drogada tava fora de mim, fiquei louco de raiva, etc.. Como se a metade boa do EU não pudesse ter controle da metade ruim.

Medardo bom não tinha mesmo controle sobre Medardo mau. Mas e as pessoas normais?

Essa necessidade de dizer "não fui eu", a babá escancarou na frente de meu rosto com uma força que apenas loucos podem fazer. Era apenas um fato isolado, algo que para ela é natural, óbvio. E tão óbvio que só deu meia página do romance.

Talvez o fato do autor ainda ser verde nesse terreno tenha ajudado muito. Fosse eu, teria me alongado sobre o assunto e o assunto teria perdido a força.

Ao ler o tomo seguinte "O barão nas árvores" talvez até ele tenha quase caído nesse poço. Mas então se tornou outra coisa, que não Medardo. Cosme não é Medardo... aliás Medardo não é Medardo inteiro até o final, e quando temos Medardo inteiro a estória acabou.

Cosme não... ele foi inteiro do começo ao fim.

Mas sobre o Barão preciso de tempo.

Por fim o Cavaleiro. No prefácio, escreve-se que Visconde e Cavaleiro fazem algo como uma capa para o Barão. Calvino até pensa que Cavaleiro devia vir antes. Eu discordo. Cavaleiro retoma a força de Visconde, com a maturidade que ele aprendeu em Barão. Realmente ele é o fecho de ouro.

Sobre o Cavaleiro, as coisas são muito mais perturbadoras.

Em um determinado ponto o escudeiro (e apenas o Cavaleiro acataria a ordem imperial de ter um escudeiro desses sob seu serviço) que é o oposto do Cavaleiro. Er...

O que é o cavaleiro? Ele não existe fisicamente, mas existe em consciência.

O escudeiro para ser o oposto teria de existir fisicamente, mas não existir em consciência.

Tem uma hora em que dão os restos de sopa de repolho para o escudeiro.

-Tome, tudo isto é seu. A sopa toda. - riam os cozinheiros.

- Quanta sopa! - retruca Gurdulu em seu entusiasmo de sempre - Tudo sopa!

- Oh, não Gurdulu! Ele novamente se identificou com o objeto que viu e pensa agora que ele é a sopa - retruca o hortelão - nao é a sopa que deve comer você, é você que deve comer a sopa.

Tarde demais, porque Gurdulu já estava enchardo de sopa, escorrendo pela barba com a panela cheia de crostas de gordura na cabeça. "Tudo sopa!" ele gritava. E vendo isso, o jovem teve medo de que ele estivesse certo e que todo o mundo ao redor deles inclusive ele fosse sopa.

Sobre todos os personagens, alegorias que vi no último conto, até minha cabeça deu voltas. As vezes me vejo no jovem, outras no cavaleiro, outras em Gurdulu. E o medo do jovem de que "tudo seja sopa" inclusive eu também me toma, pois Calvino diz que encontrar o cavaleiro inexistente pelo mundo é fácil.

Definitivamente aquele autor com cara de Mr. Bean ("Por que ler os clássicos?"? essa é boa!) deve estar dando risada desta leitora.[/quote]
 
Eu li " O visconde partido ao meio" .Muito bom, dá para pensar bastante, Mosttra como ninguém pode ser completamente bom nem completamente mal, me fez refletir sobre a dualidade entre o bem e o mal e as doses certas de cada coisa.gostei muito.
Vou ler agora "As cidades invisíveis", que também tem cara de ser super demais.
 

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