- Renascimento e outros destinos daqueles que vão para Mandos
Ora, os eldar diziam que, para cada criança élfica, um novo fëa é dado, não aparentado aos fëar dos pais [exceto pertencer à mesma ordem e natureza]; e este fëa ou não existia antes do nascimento, ou é o fëa de alguém renascido.
O novo fëa, e portanto no seu início todos os fëar, eles acreditavam vir diretamente de Eru e de além de Ëa. Logo, muitos deles sustentavam que não podia se afirmado que o destino dos elfos é estar confinado em Arda eternamente e com ela cessar sua existência. Esta última opinião eles inferiram de seu próprio pensamento, pois os valar, não tomando parte na concepção dos Filhos de Eru, não sabem completamente os propósitos de Eru a respeito deles, nem os objetivos finais que ele prepara para eles.
Mas eles não chegaram a estas opiniões de uma vez ou sem discordância. Em sua juventude, enquanto seu conhecimento e experiência eram pequenos e ainda não haviam recebido a instrução dos valar [ou não a tinham compreendido completamente], muitos ainda sustentavam que na criação de sua raça, Eru entregou-lhes este poder: gerar crianças iguais a eles em todos os aspectos, corporal e espiritualmente; e que, portanto, o fëa de uma criaça vinha de seus pais, assim como o hröa.
Contudo, alguns sempre discordaram dizendo: "De fato, uma pessoa viva pode parecer-se com os pais e ser vista como uma combinação, em vários graus, destes dois; mas esta semelhança é mais logicamente relacionada ao hröa. Ele é mais forte e mais nítido na juventude, enquanto o corpo é dominante e mais semelhante aos corpos de seus pais." [Isto é verdadeiro para todas as crianças élficas.] "Visto que em todas as crianças, apesar de que em algumas possa ser mais marcante e logo aparente, existe uma parte da personalidade não compreendida pelo parentesco, ao qual pode ser inteiramente contrária. Esta diferença é mais claramente atribuída ao fëa, novo e não aparentado com os pais; pois ela torna-se mais forte e mais clara enquanto a vida prossegue e o fëa aumenta em supremacia."
Posteriormente, quando os eldar tornaram-se cientes do renascimento, este argumento foi adicioado: "Se os fëar das crianças fossem normalmente derivados dos pais e a eles aparentados, então o renascimento seria antinatural e injusto. Pois ele privaria os novos pais, sem consentimento, de metade de sua linhagem, colocando em sua família uma criança em parte estranha a eles."
Apesar de tudo, a opinião mais antiga não foi totalmente invalidada. Pois todos os eldar, estando cientes disto em si próprios, falavam da passagem de muita força, mental e corporal, para suas crianças, na concepção e no nascimento. Logo, eles sustentavam que o fëa, embora não criado, extrai energia dos pais antes do nascimento da criança: diretamente do fëa da mãe enquanto ela carrega e nutre o hröa, e igualmente através do pai, cujo fëa está unido com o da mãe e o suporta.
Era por esta razão que todos os pais desejavam viver juntos no ano da gestação, e consideravam a separação nessa época como uma tristeza e aflição, privando a criança de uma parte de sua família. "Pois", diziam eles, "apesar da união dos fëar do casal não ser quebrada pela distância de lugares, mesmo em criaturas que vivem como espíritos encarnados, fëa somente comuna com fëa em sua totalidade quando os corpos estão juntos".
Um fëa desabrigado que escolhera, ou ao qual fora permitido retornar à vida, entrava novamente no mundo encarnado através do parto. Somente desse modo ele poderia retornar.* Pois é evidente que a provisão de um lar corpóreo para o fëa, e a união do fëa com o hröa, era feita por Eru aos Filhos, para ser completada no ato da concepção.
* Salvo em raros e estranhos casos: isto é, onde o corpo que o fëa tivesse abandoado fosse intacto, e ainda permanecesse coeso e incorrupto. Mas isto poderia raramente acontecer; pois a morte contra a vontade somente podia ocorrer quando uma grande violência fosse causada ao corpo; e na morte pela vontade, tal como ocasionalmente acontecera por causa de cansaço absoluto ou grande pesar, o fëa não desejaria retornar, até que o corpo, deixado pelo espírito, estivesse dissolvido. Isto acontecia rapidamente na Terra-média. Somente em Aman não havia deterioração. Assim, Míriel lá foi realojada em seu próprio corpo, como é contado mais adiante.
Quanto a esse renascimento, ele não era uma opinião, mas conhecido e certo. Pois o fëa renascido de fato torna-se uma criança, desfrutando uma vez mais de todas as maravilhas e novidades da infância; mas lentamente, e somente após ter adquirido um conhecimento do mundo e o domínio de si mesmo, sua memória despertaria; até que, quando o elfo renascido fosse adulto, recordasse toda sua vida anterior, e então a antiga vida, e a "espera", e a nova vida tornassem-se uma identidade e uma história ordenada. Esta memória possuiria assim uma satisfação dobrada pela infância, e também uma experiência e conhecimento maiores do que os anos de seu corpo. Deste modo, a violência ou pesar que o renascido sofrera eram reparados e seu ser era enriquecido. Pois os renascidos são duplamente instruídos e duplamente aparentados**, e possuem duas memórias da alegria de despertar e descobrir o mundo dos vivos e o esplendor de Arda. Sua vida é, portanto, como se um ano tivesse duas primaveras e, embora um frio fora de época seguisse-se após a primeira, a segunda primavera e todos os verões posteriores eram mais belos e abençoados.
** Em alguns casos, um fëa renascido poderia novamente ter os mesmos pais. Por exemplo, se seu primeiro corpo tivesse morrido muito jovem. Mas isto não acontecia freqüentemente; nem um fëa reingressava necessariamente na sua antiga família [ou casa], pois normalmente um grande espaço de tempo passava-se antes que desejasse ou lhe fosse permitido retornar.