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Os contos de fadas e seus críticos

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Calib

Visitante
Data de criação: 10/12/2015
Texto de Márcia Xavier de Brito, que coordenará a equipe de tradução d''O Fabuloso Livro Azul, obra da atual campanha da Concreta

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A boa fantasia, fruto do “ensolarado país do bom senso”, como lembrava Chesterton, nos fornece desde a tenra idade “as perspectivas do real e do ideal, do mundano e do sagrado, do pequeno e do grande, do temporal e do eterno”. Trazem para as vidas de crianças e adultos modelos de heroísmo, um senso de significado e de providência, a idéia de uma felicidade condicional, reforçam a crença na vocação humana e o amor pela criação.

Existem, contudo, os que criticam a educação pelos contos de fadas. Dentre eles poderíamos destacar dois tipos diferentes, mas que, no fundo, são essencialmente iguais.

O primeiro tipo de crítico poderíamos chamar, em homenagem a Charles Dickens (1812-1870), de “Sr. Gradgrind”. No romance de Dickens, o Sr. Gradgrind já enunciava sua pedagogia na advertência: “No momento o que quero são fatos. Ensine a esses meninos e meninas nada além de fatos. Somente fatos são necessários na vida.” Um crítico do tipo Gradgrind nos diz, portanto, que a educação por contos fantásticos e histórias de fadas promove um escapismo acrítico da realidade. Os Gradgrinds são “grandes realistas”, verdadeiros seguidores de Rousseau, Bentham, James Mill, só para citar alguns pensadores que partilham desses ideais. Desejam censurar e controlar as crianças para que os “pequenos adultos” se tornem “grandes homens”, sem desperdício ou devaneios.

Para os Gradgrinds, todos os aspectos da vida têm de se voltar para a realidade, tudo tem de ser problematizado, politizado, afinal, essa é a vida real! Para esse tipo de crítico teria sido muito melhor ensinar as crianças a respeito de grandes vultos históricos, que aprendessem sobre coisas e fatos da vida real (Chesterton nos adverte que a Duquesa de Somerset era um desses tipos gradgrindianos). Para eles até o lazer – e aí incluímos a literatura – tem de ser instrumentalizado, escolarizado, tem de ter um propósito prático. Pretendem fincar com chumbo os pés da criança no mundo cinza e ideologizado daquilo que chamam de realidade. O didático tem de se sobrepor ao literário, a realidade à fantasia.

Infelizmente, essa rejeição do maravilhoso e do fantástico não é novidade nem exclusividade do século XXI. O próprio Andrew Lang (1844-1912), o famoso folclorista e compilador de contos de fadas escocês, já comenta, no prefácio d’O Fabuloso Livro Verde (The Green Fairy Book):

Existem algumas pessoas adultas que dizem que histórias não são boas para crianças porque não são verdade; porque não existem bruxas nem animais falantes e porque nelas as pessoas são mortas, em especial por gigantes malvados.

E argumenta com seu leitor a respeito da falta de razoabilidade desses adultos:

Mas, provavelmente, vós que ledes sabeis muito bem o que é verdade e o que é faz-de-conta e ainda não ouvi falar de uma criança que tenha matado um homem muito alto simplesmente porque João matou gigantes, ou que tenha sido grosseira com sua madrasta, caso tenha uma, porque nos contos de fadas as madrastas sempre são desagradáveis.[1]

No Brasil, desde a primeira coletânea de 61 histórias de fadas traduzida pelo jornalista Alberto Figueiredo Pimentel (1869-1914), os Contos da Carochinha (1896), já vemos a imagem desse tipo de narrativas ser amesquinhada, associada à mentira e à bruxaria, visto que “carocha” era o nome dado à mitra dos condenados pela Inquisição. Assim, tais contos eram tão-somente mentiras e bobagens para mera distração das crianças.

Em 1937, numa outra coletânea chamada Reino das Maravilhas, Contos de Gênios e de Fadas, o escritor e jornalista Godin da Fonseca (1899-1977) fazia uma advertência no prefácio que ainda é muito atual:

Formou-se no Brasil de hoje uma corrente de pedagogia contra os contos de fadas, e é para admirar que entre os que condenam a vulgarização de Perrault, Grimm, Bazilio, Gozzi, Mme. D’Aulnoy, etc., haja espíritos mais ou menos brilhantes e de sofrível cultura. Falta de visão intelectual? Falta de sentimento? Não sei. O que sei é que dão tratados de mecânica e eletricidade a meninos e meninas, e aconselham como infalíveis geradores de virtudes uns certos “apólogos morais”, que são tudo o que há de mais soberanamente enfadonho para leitores grandes ou pequenos! Servem apenas, esses tratados e esses apólogos, para tirar a jovens e crianças o gosto da leitura e para lhe ir pouco a pouco embotando a mais nobre de todas as faculdades da alma , que é, sem dúvida, a faculdade de sonhar.

Os antigos “fatos” dos Gradgrinds científicos, agora são transformados em “informação” – em pixels ebites –, informatizados, pelos Gradgrinds reformadores do mundo: os pedagogos e filósofos iluminados do século XXI. Desenvolveram uma filosofia e uma linguagem cheias de boas intenções – aquelas mesmas que abarrotam os porões do Inferno. A nova utopia desses reformadores do mundo é pretender criar para a humanidade um ambiente sem conflitos, limpo e homogeneizado em que a vida possa ser feliz e harmônica.

Não há mais tempo a perder, tudo tem de ser rápido – rápido e espetacular! Pelo espírito dos novos tempos temos de ficar entretidos e entreter, mas não precisamos necessariamente de recordar. Memória? Que memória? Vivemos uma grande era visual, cheia de cores e estímulos aos sentidos, em que para tudo basta um toque na tela do computador. O mundo digitalizado e interativo está ao alcance de qualquer um! Já vivemos imersos no maravilhoso e no fantástico, só precisamos garantir que nada aflija esse estado de coisas da modernidade e suas conquistas. Eis o ambiente em que surge o politicamente correto.

Os Gradgrinds modernos, entusiastas de métodos alternativos de educação, portanto, não utilizam mais “apólogos morais” nos moldes do Apólogo para Crianças (1924) de Coelho Neto (1864-1934). O método é tão ou mais “soberanamente enfadonho”, porém muito eficaz: politizar e controlar a “realidade” e a mente das crianças. Nesse contexto, um dos gêneros mais atacados é o dos contos de fadas.

Os contos clássicos trazem uma mensagem bastante inconveniente à nova ideologia. Ensinam que “a natureza humana não é inatamente boa, que o conflito é real, que a vida é severa antes de ser feliz”.[2]Ensinam ainda que existe uma constante comum de humanidade e que a felicidade é condicional: “uma incompreensível felicidade se apóia sobre uma incompreensível condição.”[3] Eliminar o conflito, censurar palavras e expressões tidas como ofensivas ou violentas pelo tribunal dos ideólogos do “Mundo Feliz”, criar novas versões de contos e cantigas tradicionais – nada disso elimina a verdade e a sabedoria contidas nos contos tradicionais. Esses novos Gradgrinds se esquecem (claro, não valorizam a memória!), contudo, de que são exatamente essas narrativas que permitem as crianças tomar consciência delas mesmas e do mundo que as cerca. São essas narrativas aparentemente simples e fantásticas que as ensinam a lidar com conflitos, a dominar não só um código de leitura, mas um código dos símbolos que as permitirá desenvolver um critério de julgamento da própria realidade.

É extremamente necessário que pais e educadores entendam de uma vez por todas que “um outro mundo” não é possível. Não há como mudar a natureza humana, nem com um milhão de histórias boazinhas e moralizantes em que os conflitos e a violência tenham sido assepticamente higienizados e homogeneizados pelos ideólogos do politicamente correto. Nem só de Barney vivem as criancinhas! :lol:

Educar sem oferecer a possibilidade da formação de juízos de valor baseados em uma constante comum de humanidade é criar, como dizia C. S. Lewis, “primatas de calças”, indivíduos verdadeiramente destituídos da capacidade humana de imaginar ou sentir, que tornar-se-ão “homens sem peito”, os homens desumanos, depressivos e entediados da sociedade moderna.

O absurdo dessa situação no âmbito dos contos de fadas foi ilustrado pelo norte-americano James Finn Gardner em Contos de Fadas Politicamente Corretos – Uma Versão Adaptada aos Novos Tempos. O autor reescreveu, em linguagem politicamente correta, várias dessas histórias, denunciando com muito bom humor o despropósito da nova tendência da linguagem “apropriada” nesse gênero literário. Na versão de Gardner vemos, por exemplo, uma Chapeuzinho Vermelho que, ao ser abordada pelo lobo, responde:

Considero a sua observação sexista e extremamente ofensiva, mas vou ignorá-la por você desempenhar um papel tradicional de pária da sociedade. Agora, se você me desculpar, preciso seguir caminho. E Chapeuzinho foi andando pela estrada afora. :rofl:

Ou ainda, no momento em que Chapeuzinho vê o lobo disfarçado de vovozinha, eis como o narrador descreve a impressão “politicamente correta” da menina:

A menina ficou assustada ao ver o lobo vestido daquele jeito, mas evitou fazer qualquer comentário ou dizer qualquer piada preconceituosa e de mau gosto sobre a opção sexual do animal, mas pôs-se a gritar devido à deliberada invasão do seu espaço pessoal.

Creio que é desnecessário explicar o desarranjo mental que um tipo de literatura assim causaria às futuras gerações.

O outro tipo de crítico que desejo apontar aqui, mais brevemente, é o tipo “caçador de bruxas”. Parte de uma visão de mundo religiosamente perturbada e condena histórias de imaginação como mitos de origem pagã e new age, cujos efeitos são desastrosos nas mentes mais jovens. Da mesma maneira que os tipos gradgrindianos buscam fatos e informações, o “Caçador de Bruxas” acha possível trazer o Reino de Deus para o aqui e agora. A realidade é demasiado mundana para sua religiosidade. Crê que só a letra fria da Palavra de Deus (e nesse caso, as alegorias e metáforas são tratadas com extrema literalidade) ou a vida exemplar dos santos bastam para nutrir a imaginação. Não compreende mitos, metáforas e alegorias; quer espiritualizar o mundo, mas já é um desencantado. É um tipo paradoxal e, como os outros dois, admite gradações. Talvez esse sujeito já seja, ele mesmo, ainda que acredite ser muitíssimo religioso, um fruto do processo de secularização.

Estão, sem saber, imbuídos do espírito mórbido da moralidade moderna, que só consegue indicar os horrores de uma “violação à lei” cuja única certeza é a existência do mal e não a presença onipotente do bem. Tudo é imperfeição, tudo é profano. Assim como os realistas tentam usar a ciência ou a informação para promover a moralidade, os “caçadores de bruxas” pretendem utilizar o que identificam como visão religiosa do mundo para promover uma moralidade moralista. Assim como a crença dos ateus modernos é profundamente teológica, a crença desses religiosos “caçadores de bruxas” é profundamente atéia.

Ambos os tipos são “espíritos mais ou menos brilhantes e de sofrível cultura”, que, segundo Chesterton, poderiam ser chamados de “hereges”. Tentam moldar um outro tipo de homem que não possua os óbvios limites e defeitos da atual natureza humana. Como Prometeus modernos, pretendem criar um homem de natureza feliz, sem conflitos, sem contradições, sem violência, sem pecado e, por isso mesmo, sem mistério nem encantamento, sem bem nem mal; um homem que não acredita em fadas.

“E toda vez que uma criança diz ‘Eu não acredito em fadas’, uma fada cai morta em algum lugar.”[4]
Que tal incentivar essa educação nos ajudando a traduzir uma das maiores obras de contos de fadas do séc. XX? Basta escolher sua recompensa.
:bruxa:

[1] “To the Friendly Reader”, in The Green Fairy Book, Nova York, Dover, 1965. p. X.
[2] Tatar, in Brenman, p.184.
[3] G. K. Chesterton, Etica da terra das fadas, São Paulo, LTR, p. 79.
[4] J.M Barrie, Peter Pan, Rio de Janeiro, Zahar. p. 16.

Fonte: https://editoraconcreta.com.br/crowdpublish/os-contos-de-fadas-e-seus-criticos/
 
É o quadro típico do ritmo automatizantes e robotizante em que a pessoa engole a comida em grandes quantidades, em alta frequência, rapidamente, mecanicamente, mas não absorve, não se nutre, permanece incompreensivelmente caquética, muito mais magra que a Magali da Turma da Mônica, desnutrida de fato e com uma alma faminta de experiência.

Eventualmente a qualidade do “alimento informativo” piora também pela competição para ver quem é um robô melhor, quem é mais padronizado (invisível). Aliás, nesse ponto minha opinião é subversiva. Porque mesmo na bíblia, se Jesus viesse hoje continuaria sendo tratado como terrorista, afinal as pessoas se preocupam no máximo em tratar o corpo (somatoterapia) e quando muito a mente (psicoterapia), não há no ensino intenção de ensinar sobre significados e nem ações que busquem a visão do todo (visão holística ou cósmica). Para um certo tipo de pensadores basta dizer que é preconceituoso e a natureza é toscamente ignorada (como se a natureza fosse obedecer aos cabeçudos), como um bandido fora da lei.


Trazendo pra nossa realidade, aqui de cabeça eu lembro que na Turma da Mônica (exemplo de cenário de vendas do imaginário infantil) teve pelo menos 3 iniciativas que acompanhei como leitor:

-Mônica em Inglês e Espanhol

-Edições comemorativas para livrarias (MSP 50, etc...)

-Turma da Mônica Jovem


De longe o material fraco da lista, TMJ, é tratado como simples compêndio da moda da cultura cibernética no tempo em que foi escrito e que não resiste ao processo de “datação”. O que permanece é um amontoado de personagens padronizados e pasteurizados pelo momento politicamente correto (as tendências de maldade e bondade “na média”, a aparência e as opiniões ficam “na média” do socialmente aceitável), encarcerados em situações simplórias de “copiar e colar” sem transferências notáveis. Todavia, de forma global as imagens podem ser adulteradas e editadas em Photoshop em relação aos volumes antigos pra salvaguardar os novos leitores. Dá só uma olhada:



http://www.mbbforum.com/mbb/showthr...INITOS-BAIRROS!-NUMERA%C7%C3O-ZERADA!/page166



No que na verdade é um tipo de deterioração do ambiente criativo (por exemplo, da arquitetura “moderna” da mesmice das cidades brasileiras chata e improdutiva, razão da pobreza financeira das pessoas com a pobreza de espírito que padecemos) e a ecologia local de elementos que precisava funcionar como um personagem interessante tanto quanto as pessoas mas que se torna inútil (desinteressante) apela para criar tensão tampando o buraco com algo grandioso, com um “Ataques na Casa Branca” e outras esterilidades dos filmes de heróis. No fim do vídeo abaixo tem uma cena que é emblemática no filme do Avengers aonde nada acontece a não ser o líder da Shield falando e falando sem criar nenhuma empatia. Uma doutrinação ao invés de uma contextualização e cujo trabalho perde a chance de mostrar o que vai por baixo da superfície calma de cada elemento de cena incluindo os seres que não são pessoas sem conectá-los com o público. (o vídeo vale a pena, sério, são só 8 minutos)




Pessoalmente entendo que até as guerras tem seu tempo, incluindo a luta para a pessoa se educar, (não é apenas o Eclesiastes mas é uma questão filosófica de mérito próprio) porque a natureza é assim, que um planeta qualquer do universo não é formado com pedidos de “por favor” e “com licença”, mas com bólidos violentamente lançados em chamas de cima pra baixo contra o chão. É extremamente irônico e trágico que quem tiranize a visão dos fatos trate os fatos de forma tão primitiva.


E é num cenário culturalmente faminto, esfarrapado e vazio que muitos procuram viver, porque é mais cômodo ser um robô (não precisa ter opinião política ou qualquer opinião forte que seja) basta levantar uma bandeira qualquer como um alucinado, como a massa que busca o panelismo do Efeito Allee na sociedade negativamente hiperconecatada de hoje:

(https://en.wikipedia.org/wiki/Allee_effect)
 

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