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Os chifres de Rohan

Em bom jornalismo, não se recomenda começar um texto com um truísmo - aquelas afirmações meio óbvias, que são consenso quase geral e não têm muito "conteúdo informativo", como os papas da profissão costumam dizer. A vantagem de escrever pra Valinor de vez em quando é que eu posso dizer um sonoro "dane-se" a essas regrinhas e começar com um bom e velho truísmo: todo mundo tem uma cena preferida de O Senhor dos Anéis.

Todo mundo tem aquele "momento psicológico" (como a Emília costumava dizer nos livros do Monteiro Lobato) que estava louco pra ver na adaptação cinematográfica, no qual o coração bate mais devagar por uma fração de segundo, as mãos suam e, se você for meio manteiga-derretida (como é o meu caso), as lágrimas vêem aos olhos. A obra-prima tolkieniana está lotada desses momentos, mas, cá entre nós, duvido que algum se equipare, mesmo de longe, aos chifres de Rohan sendo soados ao nascer do Sol.

Como quase tudo que Tolkien escreveu, a sinfonia dos Rohirrim no Pelennor é uma mistura curiosa de fato e mito, uma espécie de arqueologia criativa do insconsciente humano, e em especial do inconsciente coletivo da Europa Ocidental, a terra do coração do escritor. Histórias sobre chifres (eu prefiro essa tradução às "cornetas" da edição nacional, já que os instrumentos eram feitos de chifre de boi, como os berrantes dos boiadeiros) estão por toda parte na Europa germânica da Idade Média, e não é muito difícil imaginar o que elas querem dizer.

Numa palavra, o significado de um chifre soprado diante do inimigo é desafio - a disposição de lutar até o fim, seja lá qual for a superioridade do inimigo. Um dos registros mais antigos da atitude lembra Boromir contra os orcs e aparece na Chanson de Roland (A Canção de Rolando), épico francês do século X cujo herói é Rolando, sobrinho de Carlos Magno. Diante do ataque das forças imensamente superiores dos mouros, Rolando sopra seu chifre em desafio e ataca, acabando morto.

No mundo da história, muito mais perto de nós, os lanceiros suíços que lutavam na Itália no século XVI repetiram a atitude ao serem encurralados a um passo da derrota por seus inimigos francesas. No campo de Marignano, os "cantões florestais" de Uri e Unterwalden - qualquer semelhança com os Rohirrim não é mera coincidência - acionaram seus chifres lendários, a "Vaca" de Uri e o "Touro" de Unterwalden, para reunir suas forças num último ataque suicida.

Dá para ver como todos esses elementos se cristalizam para formar o ataque irresistível dos Cavaleiros sobre as hostes de Mordor, mas há mais dois elementos cruciais aí, e são eles que formam um retrato irresistível de coragem e vitória além da medida humana. Tolkien nos conta que "a manhã veio, a manhã e um vento do mar". A escuridão que cobria Gondor, uma cortina de fumaça vomitada pela magia negra de Sauron no Orodruin é varrida para longe, como se a própria natureza se rebelasse contra a ousadia do Senhor do Escuro.

No entanto, antes que os chifres possam soprar sua nota de coragem, há outro som, que irrompe exatamente no momento de desespero em que Gandalf vê o horror do Rei Bruxo: um galo cantando. "Aguda e claramente ele cantou, nada sabendo de feitiçaria ou de guerra, saudando apenas a manhã que no céu muito acima das sombras da morte estava chegando com a aurora."

O cantar do galo é um símbolo imemorial pra qualquer um que já tenha montado um presépio na vida: no topo da gruta, acima da manjedoura, a tradição cristã conta que ele foi o primeiro animal a saudar o nascimento de Jesus Cristo - para Tolkien, cristão convicto, o momento que iniciou para valer a libertação da humanidade do Mal. Com o sopro dos seus chifres, os Rohirrim respondem a esse chamado mostrando que o tempo de temer a morte e as trevas já passou - e vencem por isso.

Há quem sugira, como o pesquisador britânico Tom Shippey, que o maior símbolo da obra tolkieniana é outro chifre - o que Merry recebeu de Éowyn e Éomer, vindo direto do tesouro do dragão Scatha. Em meio à desorientação e ao desespero dos hobbits que sofriam com o Expurgo, o chifre soprado por Merry infundiu nova coragem. Se o Condado é mesmo a Inglaterra que Tolkien amava, então ele certamente não tinha desejo maior que soar esse chipre e dissipar o desespero, o medo, o conformismo. Não acho que seja otimista demais dizer que, em muitos aspectos, ele conseguiu.
 

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