No início, Eru dá aos ainur temas musicais, que cantam sozinhos ou em pequenos grupos, enquanto os outros ouvem, pois cada um compreende apenas sua parte, a parte da mente de Ilúvatar da qual se originara. Com o passar do tempo, eles começam a ter uma compreensão mais profunda, e então Eru os reúne e lhes indica um tema que eles adornam ao seu estilo, pois possuíam a Chama Imperecível. Com o desenrolar da Grande Música, contudo, Melkor começa a entremear o tema de Eru com os seus próprios, e surge uma dissonância. O que estaria Melkor criando nesse momento? O que a dissonância poderia estar causando à Criação? Podemos apenas supor. Mas essa dissonância cresceu, e “as melodias que haviam sido ouvidas antes soçobraram num mar de sons turbulentos‿. Ergueu-se Ilúvatar, e levantou a mão esquerda. “E um novo tema surgiu em meio à tormenta, semelhante ao tema anterior e ao mesmo tempo diferente, e ganhava força e apresentava uma nova beleza. Mas a dissonância de Melkor cresceu em tumulto e o enfrentou. Mais uma vez houve uma guerra sonora, mais violenta que a anterior‿. Podemos imaginar as lutas entre Melkor e os valar na formação de Arda, seguindo o padrão da música.
“Ergueu-se então novamente Ilúvatar, e os ainur perceberam que sua expressão era severa. Ele levantou a mão direita, e vejam! Um terceiro tema cresceu em meio a confusão, diferente dos outros. Pois, de início parecia terno e doce, um singelo murmúrio de sons suaves em melodias delicadas; mas ele não podia ser subjugado e acumulava poder e profundidade. E afinal pareceu haver duas músicas evoluindo ao mesmo tempo‿, uma profunda, triste e bela, outra fútil e barulhenta. Então Ilúvatar ergueu as duas mãos, a música cessou, e ele mostrou aos ainur sua criação, pois “nenhum tema pode ser tocado sem ter em mim sua fonte mais remota, nem ninguém pode alterar a música contra a minha vontade. E aquele que tentar, provará não ser senão meu instrumento na invenção de coisas ainda mais fantásticas, que ele próprio nunca imaginou.‿
E no terceiro tema os Filhos de Ilúvatar foram criados. Os elfos foram criados primeiro, os Primogênitos. Depois foram criados os homens, com a estranha dádiva da insatisfação e da liberdade. E entre eles, podemos ver os orcs, que foram concebidos na dissonância, em imitação aos Primogênitos. E podemos considerar a criação dos homens como o fator decisivo na luta entre os ainur e Melkor. Pois os homens são a raça que está sempre em contradição consigo mesma, lutando tanto ao lado dos valar quanto de Morgoth. E que faz com que, na Grande Música, o terceiro tema de Ilúvatar seja vitorioso.
Os orcs foram realmente criados pela malícia de Melkor, em escárnio aos Filhos de Ilúvatar. E não podem ser chamados de Filhos de Eru por não terem sido criados no terceiro tema, mas na dissonância de Melkor. E também por não terem fëa. Pois como escreve Tolkien, “acho que deve-se assumir que ‘falar’ não é necessariamente o sinal de posse de uma ‘alma racional’ ou fëa‿, assim os animais e os dragões também não a possuem. Orcs não têm fëa, nenhuma alma a ser salva no final dos tempos. São somente “bestas de forma humana [para zombar dos homens e dos elfos], são deliberadamente pervertidos.