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Onde está o Cristo em O Senhor dos Anéis?

Onde está o Cristo, em “O Senhor dos Anéis”?

Praticamente todos os leitores atentos de o Senhor dos Anéis sabem que seu artífice, o magnífico espírito de J. Ronald R. Tolkien, tinha horror à alegoria; isto afirmado pelo próprio Tolkien, na introdução da obra supra referida.

E em 1971, J. R. R. Tolkien concedeu à rádio BBC de Londres uma entrevista (que hoje é histórica); a entrevista concedida pelo professor Tolkien foi ao programa Now Read On..., da BBC rádio 4 e o entrevistador foi Dennis Gerrolt, que, a certa altura, questionou do mestre literato:

Gerrolt: “O livro {The Lord of the Rings} deve ser considerado como uma alegoria?”

Tolkien: “Não! Eu repugno a alegoria sempre que lhe sinto o cheiro.”
Contudo, há diferença de essência entre fazer alegoria e inspirar-se em experiências pessoais; não é uma assertiva de difícil compreensão. Assim, embora Sauron e o Anel não sejam - e muitos disseram o contrário - alegorias de Hitler nem da bomba atômica, muitas situações da vida de Tolkien foram por ele utilizadas como summa ratio ou mesmo como limitada (do ponto de vista da influência sobre o total da obra) inspiração para determinados cenários e/ou personagens.

Tolkien era católico e firme em sua crença e na vivência dela:
Gerrolt: “(...) tudo está enfraquecendo e ficando velho, pelo menos para o fim da Terceira Era tudo gira em torno de transformações. Agora isto parece ser um pouco como Tennyson ‘a velha ordem dá lugar a uma nova, e a vontade de Deus se cumpre em muitas formas’. Onde está Deus em O Senhor dos Anéis?”

Tolkien: “Ele é mencionado algumas vezes.”

Gerrolt: “Ele é o Um ? (aqui Gerrolt está fazendo referência a Eru Ilúvatar, também conhecido como ‘O Um’, e não ao Um Anel. Ilúvatar aparece apenas em ‘O Silmarillion’)”

Tolkien: “O Um... sim.”

Gerrolt: “Você é um ateísta?”

Tolkien: “Oh, eu sou um católico romano. Católico romano devoto.”

Diante dessas premissas, o presente artigo pretende responder à sua pergunta-título: onde está o Cristo, em O Senhor dos Anéis?
Antes, algumas explicações etimológicas. A palavra Cristo é de origem grega e significa Consagrado, sendo o título que os hebreus reservavam ao futuro libertador dos seu povo. Equivalia a Messias, em hebraico. Foi aplicada a Jesus (Iehoshua ou Jeschua, um dos nomes judeus mais comuns daquela época), que, por sua vez, significa Deus salva.

Avancemos.

Não podemos dizer se algo tem a luz, em si, sem antes definirmos o que é a luz. Da mesma forma, não podemos determinar se há o Cristo, em O Senhor dos Anéis, sem antes precisar o conceito da palavra Cristo.

E aqui, os problemas começam, pois o Cristo é entendido de diversas formas, dependendo da escola teológica que se palmilhe. Vejamos os principais posicionamentos.

Para a teologia católica tradicional, o Cristo é uma das pessoas da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo); portanto, é uma das partes do todo divino, uma das frações de Deus. O mesmo vale para a teologia dos cristãos evangélicos (ou protestantes, como denominados pela maioria).

Para o judaísmo, o Cristo ainda não veio e Jesus é um dos grandes profetas, mas não aquele Libertador Consagrado de que falam as antigas escrituras; por isto, o calendário judeu ainda conta o tempo a partir do ano em que eles crêem tenha sido criado o mundo, ao contrário da quase totalidade das civilizações ocidentais, que marcam sua história a partir do nascimento de Iehoshua.

No Budismo, a respeito do Cristo, não posso dizer muito, por verdadeira ignorância; sei que para esta doutrina/filosofia o Iluminado é Buda, e na história ele foi Siddthartha Gautama (ou Siddhatta Gotama), nascido filho de príncipe, na posição militar de Kshatria. Mas ele não era nem é tido como uma divindade nem como um redentor:

“Buda não é um salvador que, por sua existência e por seus atos, redimiu o mundo em algum sentido metafísico. Para os budistas, Buda é ‘apenas’ um mestre insuperável. Sob esse aspecto, igualmente, sua existência terrena e sua atuação não são importantes para a salvação. Somente a doutrina é necessária à salvação.
...
“(...) vale a palavra atribuída a Buda nos seus últimos dias, no sentido de que um discípulo deve ser para si mesmo uma ilha salvadora e farol, e ... nenhum outro pode ser para ele essa ilha salvadora e farol” {Os Fundadores das Grandes Religiões, Emma Brunner-Traut, ed. Vozes, 1999, p. 158}
“Buda, para os budistas, é como um médico que faz o disgnóstico e prescreve a receita para a cura. Aplicar corretamente essa receita passa a ser problema do paciente, forado alcance do médico. Ou, recorrendo a outra comparação budista, Buda é semelhante a akguém que indica o caminho; seguir esse caminho é problema do outro, não daquele que o indicou.” {idem, p. 159}
...
... “houve, e ainda há, uma imensa quantidade de mestres de sabedoria e fundadores de religiões” {idem, p. 155}.

Tomando como bases estas afirmações da abalizada pesquisadora, pode-se concluir que, no budismo, Jesus deve ser considerado como um grande mestre e nada além disso, ressalvando-se que, no budismo, ser um grande mestre é algo de enorme valor...

Para os seguidores da Doutrina Espírita, o Cristo é um espírito puro, pleno, que atingiu o que eles chamam de “perfeição relativa” (o máximo de perfeição que a criatura pode atingir; o conceito se sustenta na idéia de que apenas Deus pode ser perfeito em absoluto, e a idéia se assemelha à do magnífico filósofo alemão Immanuel Kant, que afirmava que só Deus era absoluto). Do Cristo, dizem as principais obras desta doutrina:

Pergunta de Allan Kardec: “Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo? — ‘Jesus’ (resposta dos Espíritos chamados Superiores, ou Codificadores). {O Livro dos Espíritos, versão CD-ROM FeB, item 625}

“Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava.” {opus cit., locus cit.}

“A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem, isto é, fazer o bem e não o mal. Neste princípio encontra o homem uma regra universal de proceder, mesmo para as suas menores ações.” {idem, 27}

“O essencial está em que o ensino dos Espíritos é eminentemente cristão; apóia-se na imortalidade da alma, nas penas e recompensas futuras, na justiça de Deus, no livre-arbítrio do homem, na moral do Cristo. Logo, não é anti-religioso.” {idem, p. 152}

“Disse o Cristo: Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo.” {idem, p. 404}

Dito o possível de cada crença/doutrina/filosofia/religião, avancemos.

Numa tentativa de, seguindo os postulados da lógica aristotélica (quanto à conceituação de uma coisa) e, portanto, procurando aquilo que, nestas diversas doutrinas/religiões, não pode ser retirado da idéia-Cristo ou do conceito-Cristo, teríamos a seguinte definição:

— o Cristo é sublime na vivência do amor e da paz; ele abomina qualquer forma de violência e é completa a sua não-retribuição em mal, ao mal que lhe seja dirigido. Sua doutrina está resumida na sentença “Amarás a Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito e amarás ao teu próximo como a ti mesmo”, bem como nas bem-aventuranças: humildade, mansidão, resignação, justiça, misericórdia, pureza de coração, pacifismo.
Creio, sinceramente, que este é o substrato da idéia crística e, destarte, é com base na materialização, na encarnação dessa idéia que procurarei responder ao questionamento primordial deste artigo.

No início de 1956, antes de escrever uma resenha de O Senhor dos Anéis o Sr. Michael Straight, editor do jornal “New Republic”, escreveu para J. R. R. Tolkien, fazendo-lhe algumas perguntas (se havia um significado no papel de Gollum na história e na falha moral de Frodo, no fim do livro; se o capítulo O Expurgo do Condado era especialmente dirigido à Inglaterra contemporânea; e por que os outros viajantes deveriam partir dos Portos Cinzentos, com Frodo, ao final do livro). Na resposta, Tolkien diz algo de grande importância sobre o tema em comento:

“A Encarnação de Deus é algo infinitamente maior do que algo sobre o qual eu me atreveria a escrever. Aqui {em O Senhor dos Anéis e em O Silmarillion] eu estou apenas interessado na Morte como parte da natureza, física e espiritual do Homem, e com a Esperança sem garantias.”

Assim, notamos, com o próprio Tolkien, que não há “encarnação de Deus” em sua obra; nem mesmo no magnífico Silmarillion, onde estão narradas as origens dos planetas e dos sencientes (elfos, anões, homens e hobbits).

Portanto, eis a primeira conclusão:

— Sob a ótica das teologias católica e evangélica/protestante, não há o Cristo, em O Senhor dos Anéis. E isto porquê o próprio autor declara que a “Encarnação de Deus é algo infinitamente maior do que algo sobre o qual eu me atreveria a escrever”.

Repetimos: o Cristo, enquanto parte de Deus, não consta da obra tolkeniana.
Mas a questão não está finalizada, pois resta descobrir se, sob o manto das teologias do Budismo e/ou da Doutrina Espírita, o Cristo pode ser encontrado na opus sub examine.

Para facilitar ainda mais o nosso raciocício, doravante analisaremos, personagem a personagem (e dentre os mais destacados e que, por isso mesmo, são apontados por muitos como “o Cristo” de Tolkien), para vermos se encontramos O Consagrado...


— Frodo Baggins é o Cristo?

Não. E ficam claras as razões pelas quais não pose sê-lo; de fato, tão evidente e que ele e Iehoshua não têm a mesma essência que bastarão algumas poucas transcrições para isto evidenciar-se. Primeiro vejamos este diálogo entre Gandalf e Frodo:

{Frodo} “- (...) Não sou talhado para buscas perigosas. Gostaria de nunca ter visto o Ane! Por que veio a mim? por que fui escolhido?”

{Gandalf} “- Perguntas desse tipo não se podem responder - disse Gandalf. - Pode ter certeza de que não foi por méritos que outros não tenham: pelo menos não por poder ou sabedoria. Mas você foi escolhido, e portanto deve usar toda força, coração e esperteza que tiver.”

{F.} “- Mas tenho tão pouco dessas coisas! Você é sábio e poderoso. Você não ficaria com o Anel?”

Ora, quem não tem méritos, poder ou sabedoria que outros não tenham pode ser O Cristo?... Não. E não esqueçamos que, “no fim de todas as coisas” Frodo não resistiu ao poder do Anel e tentou se assenhorear dele:

“A luz irrompeu outra vez, e lá, na borda da fissura, na própria Fenda da Perdição, estava Frodo, negro contra o clarão, tenso, ereto, mas imóvel como se tivesse sido transformado em pedra.

- Mestre! - gritou Sam.

Então Frodo se mexeu e falou com uma voz clara, na realidade com uma voz mais clara e poderosa do que Sam jamais o ouvira usar, e que se erguia acima da pulsação e dos abalos da Montanha da Perdição, retumbando no teto e nas paredes.

- Cheguei - disse ele. - Mas agora minha escolha é não fazer o que vim aqui para fazer. Não vou realizar este feito. O Anel é meu! - E de repente, colocando-o no dedo, desapareceu da visão de Sam. Sam abriu a boca, mas não pôde gritar, pois naquele momento muitas coisas aconteceram.”

Sim... Muitas coisas aconteceram: Gollum golpeou a cabeça de Sam e pôs-se a lutar contra Frodo, à beira da Fenda, até tomar-lhe o anel e cair na lava, destruindo o último artefato do poder deSauron e dando fim ao Senhor dos Anéis... Mas isto, todos sabem.

Para finalizar e solucionar de vez a dúvida se Frodo seria “Jesus”, vejamos o que pensa, sobre isto, o próprio Tolkien, com base na já citada entrevista ao Sr. Gerrot, na Inglaterra (em 1971; à rádio BBC de Londres, ao programa Now Read On..., da BBC rádio 4):

Gerrolt: “Frodo aceita o fardo do Anel e ele encarna como grande caráter às virtudes de longo sofrimento e perseverança. Pelas ações dele a pessoa poderia dizer que existe quase um senso budista. Ele se torna quase um Cristo na realidade figurada de O Senhor dos Anéis. Por que você escolheu um Hobbit para este papel?”

Tolkien: “Eu não escolhi. Eu não fiz muitas escolhas quando escrevi a história... tudo que eu estava fazendo era tentar escrever uma continuação do ponto onde terminou O Hobbit. Eu escolhi por que já estavam em minhas mãos, às vezes acho que foi muito mais uma escolha deles do que minha.”

Gerrolt: “Realmente, mas não há nada mais particular sobre a figura de Cristo como Frodo ?”

Tolkien: “Não...”

Gerrolt: “Mas em face ao perigo mais apavorante ele luta e continua, e vence.”

Tolkien: “Mas isso me parece suponho, mais como uma alegoria da raçça humana. Eu sempre fui impressionado pelo fato de nós estamos aqui sobrevivendo por causa da coragem indomável de pessoas bastante pequenas contra desertos impossíveis, selvas, vulcões, bestas selvagens... eles lutam, de certo modo quase cegamente.”

Assim, vê-se que o “papel” de Cristo não se adequa a Frodo, pelo menos não do ponto de vista da essência, da natureza, mas apenas sob a ótica da exemplificação moral ante as provações e sofrimentos.

Portanto, Frodo não tem méritos, poder ou sabedoria para ser sequer a sombra do Cristo... E, no fim de tudo, Frodo não resistiu ao poder do Anel e tentou se assenhorear dele.

A pergunta que vem, agora, é esta: não será Gandalf o Cristo de Tolkien? Vejamos, adiante.


— Gandalf é o Cristo?

De fato, a “essência Crística” se alojaria muito mais nos ombros de outro personagem: Gandalf... E pelas seguintes razões:

1ª - Gandalf não nasce de modos normais (e, para o católico Tolkien, a concepção de Cristo era a da teologia tradicional no ocidente: concepção pelo Espírito Santo, ou seja, sem ato sexual/cópula normal);

2ª - Gandalf embora extremamente poderoso, adora a companhia dos mais
simples e menos poderosos (e isto chega ao ponto de ele receber críticas por parte de Saruman), assim como o Cristo adorava a companhia de pescadores e mesmo de “gente de má vida” (como cobradores de impostos e prostitutas);

3ª - Gandalf é um andarilho, liberto de qualquer posse material e de qualquer ambição, assim como o Cristo (de quem o Evangelho diz: “As aves do céu têm seus ninhos e os lobos têm suas tocas, mas o Filho do Homem não tem uma pedra onde reclinar a cabeça”) era o “Príncipe da Pobreza”;

4ª - Gandalf evita a tentação do Um Anel e para isto até grita com Frodo (“- Não me tente, Frodo!”), assim como Jesus gritou com o discípulo Pedro (“- Afasta-te de mim...”) sentindo-se também tentado por ele, quando este questionou seu destino: o de ser crucificado;

5ª - Gandalf morre, mas os poderes superiores o enviam de volta, para que ele termine sua tarefa; e Jesus ressuscita, após a crucificação e também retorna para os seus discípulos e para terminar a sua missão...

Estas são apenas algumas semelhanças.

Mas lembremos que Tolkien já declarou que não se atrevia a escrever sobre a Encarnação de Deus... Portanto, as razões 1ª e 5º, acima, não se sustentam, ante a opinião do próprio criador de The Lord of the Rings.

A grande dúvida de todos, porém, decorre da natureza incerta de Gandalf. O que ele é, afinal? Perguntam os leitores e telespectadores de todoso os cantos do mundo, sincera e inteiramente confundidos.

Vejamos - em transcrições um tanto longas, mas necessárias... - o que Tolkien diz, sobre Gandalf e sua estirpe (a dos Istari, ou “magos”):

“Não há nenhum oposto preciso aos Magos - uma tradução (talvez não
satisfatória, mas ao longo distinguida de outros termos 'mágicos') do Quenya Élfico, Istari. A origem deles não foi conhecida a qualquer um senão a uns poucos (como Elrond e Galadriel) na Terceira Era. É dito que apareceram primeiro por volta do ano 1000 da Terceira Era (...). Eles sempre pareceram velhos, mas ficaram mais velhos com os seus trabalhos, lentamente, e desapareceram com o fim dos Anéis. Eram considerados por serem os Emissários (...), e sua função própria, mantida por Gandalf, e pervertida por Saruman, era encorajar e instigar os poderes nativos dos Inimigos de Sauron. O oposto de Gandalf era, estritamente, Sauron, em uma parte das operações de Sauron; como Aragorn era em outra parte.” {Carta 144, em que Tolkien fala muito sobre nomeclaturas}

“Em nenhuma parte o lugar ou a natureza dos "Magos" [Wizards] é plenamente explicitada. Seu nome, relacionado com Wise [Sábio], é uma anglicização do seu nome élfico, e usa-se em toda a parte como algo totalmente distinto de Feiticeiro ou Mágico. Revela-se por fim que eles eram, como poderíamos dizer, o equivalente próximo, no modo destes contos, dos Anjos, Anjos guardiões. Seus poderes dirigem-se primariamente ao encorajamento dos inimigos do mal, para fazer com que usem sua própria inteligência e valor, para unir e suportar. Aparecem sempre como anciãos sábios, e apesar de (enviados pelos poderes do verdadeiro Ocidente) eles próprios sofrerem no mundo, sua idade e seus cabelos brancos só aumentam lentamente. Gandalf, cuja função especial é vigiar os assuntos humanos (dos homens e dos hobbits), perdura através de todas os contos.” {Carta 131, onde Tolkien faz uma grande explicação da sua obra}

“Gandalf realmente ‘morreu’, e foi transformado: isso, na verdade, me parece a única trapaça real: representar qualquer coisa que pode ser chamada ‘morte’ como algo que não faz diferença alguma. (...) Mas Gandalf não é, de certo, um ser humano (Homem ou Hobbit). Não há naturalmente termos modernos precisos para dizer o que ele era.

“Arrisco-me a dizer que ele era um ‘anjo’ encarnado - estritamente um espírito, isto é - com os outros Istari, magos, ‘aqueles que sabem’ - um emissário dos Senhores do Oeste, enviado à Terra-média com a grande crise de Sauron assomando no horizonte. Por ‘encarnado’ quero dizer que eles foram incorporados em corpos físicos sujeitos a dor e cansaço, e a afligir o espírito com medo físico, e a serem ‘mortos’, embora, auxiliados por seus espíritos angélicos possam resistir por muito tempo, e só mostrar moderadamente seu esgotamento por preocupação e trabalho.

“O motivo pelo qual eles deveriam tomar tal forma é delimitado pela ‘mitologia’ dos Poderes ‘angélicos’ do mundo desta fábula. Neste ponto da história fantástica o propósito era justamente limitar e dificultar sua exibição de ‘poder’ no plano físico, e então eles deveriam fazer aquilo para o quê foram enviados principalmente: treinar, aconselhar, instruir, despertar os corações e mentes daqueles ameaçados por Sauron para resistirem com suas próprias forças; e não apenas fazer o trabalho por eles. Deste modo, eles apareceram como figuras de ‘velhos’ sábios. Mas nesta ‘mitologia’ todos os poderes ‘angélicos’ concernentes a este mundo eram capazes de muitos graus de erro e fracasso entre a completa rebelião satânica e malignidade de Morgoth e seu satélite Sauron, e a indolência de alguns dos outros poderes mais altos ou ‘deuses’.

“Os magos não estavam isentos. Na verdade, sendo encarnados era mais provável que se enganassem ou errassem. Só Gandalf passa nos testes completamente, ao menos em um plano moral (ele comete enganos de juízo). Porque em sua condição, era para ele um sacrifício perecer na Ponte em defesa dos seus companheiros, por um lado, menor que para um Homem mortal ou Hobbit, já que ele tinha um poder interno bem maior que o deles; por outro lado, maior, posto que era uma auto mortificação e abnegação em conformidade com ‘as regras’: pois o que ele sabia naquele momento era que ele era a única pessoa que poderia dirigir com sucesso a resistência a Sauron, e toda a sua missão seria em vão. Ele estava transferindo para a Autoridade que estabeleceu as Regras, e desistindo de qualquer esperança de sucesso pessoal.

“Isto, devo dizer, é o que a Autoridade desejava, como uma partida para Saruman. Os ‘magos’, como tal, falharam; ou se você prefere: a crise tinha ficado muito séria e precisava de um aumento de poder. Então Gandalf se sacrificou, foi aceito, aprimorado e devolvido. ‘Sim, este era o nome. Eu era Gandalf.’ Claro que ele permanece semelhante em personalidade e idiossincrasia, mas sua sabedoria e poder são muito maiores. Quando ele fala a atenção é obrigatória; o antigo Gandalf não poderia ter negociado assim com Théoden, nem com Saruman. Ele ainda está sob a obrigação de ocultar seu poder e de ensinar, em lugar de forçar ou dominar vontades, mas, onde os poderes físicos do Inimigo são muito grandes para que a boa vontade dos adversários possa surtir qualquer efeito, pode agir, na emergência, como um ‘anjo’ – não mais violentamente que a soltura de São Pedro da prisão.
...
“No fim, antes que parta para sempre, Gandalf se resume: ‘Eu era o inimigo de Sauron’. Ele poderia ter adicionado: ‘para isso fui enviado a Terra-média’. Mas por isso, no fim, Gandalf significaria mais que no início. Ele foi enviado por um mero plano prudente dos Valar angélicos ou governantes; mas a Autoridade tinha assumido este plano e o ampliado, no momento de seu fracasso. ‘Desnudo fui enviado de volta – por um breve tempo, até que minha tarefa estivesse cumprida’. Mandado de volta por quem, e de onde? Não pelos ‘deuses’ cujo entendimento é só com este mundo encarnado e seu tempo; porque ele passou ‘além do pensamento e do tempo’. Desnudo é, ai!, obscuro. Significou apenas, literalmente, ‘desnudado como uma criança’ (não desencarnado), e, assim, pronto para receber as vestes brancas do mais poderoso. O poder de Galadriel não é divino, e a cura dele em Lórien significou ser nada mais que cura e alívios físicos.”
“(...) Os istari são traduzidos como ‘magos’ por causa da conexão de ‘mago’ com sábio e com ‘sabido’ e sabedor. Eles são de fato os emissários do Verdadeiro Oeste, e assim intermediários de Deus, enviados precisamente para fortalecer a resistência do ‘bem’, quando os Valar se dão conta de que a sombra de Sauron está tomando forma novamente.” {Carta 156,para Robert Murray JS, 4/12/1954}

De todo este longo trecho, evidencia-se, à simples leitura, que há muitas semelhanças entre o modus vivendi de Gandalf e de Jesus, mas não entre o opus vivandi de cada um deles.

Um, o primeiro, era um ser poderoso mas falível, enviado ao plano material para lutar em guerras, batalhar e fazer com outros batalhassem, com a espada e para matar, sem misericórdia ou remorso (lembremos de Aragorn, no alto das muralhas em Helm’s Deep: “Não mostrem misericórdia, pois vocês não receberão nenhuma.”).

O outro, o segundo, era o Rei da Paz, o Senhor da Virtude, o Arauto do Amor Infinito, o Pastor de todo o rebanho do mundo, mesmo dos pecadores... Jesus nunca lutaria numa guerra; nunca pregou a revolta e sentenciou, em repreeensão a Pedro: Guarda a tua espada! Quem fere pela espada, perecerá pela espada. E ordenava: Amai os vossos inimigos e fazei o bem àqueles que vos perseguem e que vos caluniam...

Portanto, caros leitores, não há a menor chance de Gandalf ser Jesus...

Há apenas semelhanças entre o modus vivendi de Gandalf e de Jesus, mas não entre o opus vivandi de cada um deles. O primeiro era um ser poderoso mas falível, enviado ao plano material para lutar em guerras e fazer com outros batalhassem. O segundo, era o Rei da Paz, o Senhor da Virtude, o Arauto do Amor Infinito, o Pastor de todo o rebanho do mundo, mesmo dos pecadores... Jesus nunca lutaria numa guerra e ordenava: Amai os vossos inimigos e fazei o bem àqueles que vos perseguem e que vos caluniam...

Talvez houvesse muito mais a dizer e muitos de vós talvez estejam, agora, a questionar: e Lúthien? Elrond? Galadriel? Fëanor? Aragorn?... E há mesmo quem vá argumentar que Samwise Gamgi é o Cristo, pois ele é o servidor, nunca desejando ser servido...

Mas nenhum desses lindos personagens resume o Cristo. Assim como nenhum místico ou santo e nenhuma criatura que já existiu, neste mundo nosso e “real”, pôde até hoje preencher o lugar, no coração dos humanos, o seu templo íntimo, reservado à excelsitude do amor divino e sem máculas...

Aliás, acho que este é o ponto central do pensamento de Tolkien: o Cristo é maior do que tudo, do que todos os seus personagens são e poderiam ser.
Por isto ele não o “encarnou” em sua obra.

Ao mesmo tempo, porém, em cada um destes personagens há um pouco do Rabi galileu, do Mestre do Amor, como se cada um deles fosse uma materialização do que disse o próprio Jesus:

“O que eu faço, vós podeis fazer e muito mais ainda, se tiverdes fé. Vós sois deuses”.

Assim, vemos o Cristo de Tolkien: no amor entre Lúthien e Béren, entre Arwen e Aragorn, entre Galadriel e Celeborn, entre Samwise e Rosinha Vila, Faramir e Eowyn, entre Tom Bombadil e Fruta d’Ouro; na amizade de Sam e Frodo, Legolas e Gimli, Merry e Pippin e na destes com Treebeard (“Barbárvore”); na humildade de Gandalf e eu diria mais: em Gollum, no seu arrependimento e na luta por vencer a si mesmo... embora ele tenha falhado.

E eu finalizo, enfatizando:

Nenhum personagem resume o Cristo, assim como nenhuma criatura que já existiu, neste mundo, pôde preencher o lugar, no coração dos humanos, o seu templo íntimo, reservado à excelsitude do amor divino...
E Tolkien é um mestre também por isto: humilhar-se e não se considerar digno de escrever sobre Deus em carne... E é isto o que o eleva: falar do amor do Cristo, através de todos os bons corações em sua obra...


Fortaleza/CE, quarta-feira, 28 de dezembro de 2005, 20:10 hs.

J. Inácio de Freitas Filho.
 
humm ... com certeza quem formulou essas perguntas para tolkien devia ser um infeliz , daqueles q ganha a vida estragando a vida dos outros ... tolkien simplesmente respondeu com clareza oq lhe veio na mente , e assim respondendo a todas as perguntas sem si quer sair do assunto por um segundo ! Sim esse é o grande tolkien q conheçemos , e mais , afinal pra q ele colocaria cristo no meio de uma historia de fantaia bom seria um pouco sem noção ele fazer isso .
tolkien realmente era com certeza o homen mais criativo e engenhoso q ja exoistiu !!!



esse post foi muito interessante

obrigado :mrgreen:
 
humm ... com certeza quem formulou essas perguntas para tolkien devia ser um infeliz , daqueles q ganha a vida estragando a vida dos outros ... tolkien simplesmente respondeu com clareza oq lhe veio na mente , e assim respondendo a todas as perguntas sem si quer sair do assunto por um segundo ! Sim esse é o grande tolkien q conheçemos , e mais , afinal pra q ele colocaria cristo no meio de uma historia de fantasa bom seria um pouco sem noção ele fazer isso .
tolkien realmente era com certeza o homen mais criativo e engenhoso q ja exoistiu !!!



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obrigado :mrgreen:
 
humm ... com certeza quem formulou essas perguntas para tolkien devia ser um infeliz , daqueles q ganha a vida estragando a vida dos outros ... tolkien simplesmente respondeu com clareza oq lhe veio na mente , e assim respondendo a todas as perguntas sem si quer sair do assunto por um segundo ! Sim esse é o grande tolkien q conheçemos , e mais , afinal pra q ele colocaria cristo no meio de uma historia de fantasia , bom seria um pouco sem noção ele fazer isso .
tolkien realmente era com certeza o homen mais criativo e engenhoso q ja exoistiu !!!



esse post foi muito interessante

obrigado :mrgreen:
 
Tchê, esse foi um dos artigos mais interessantes que eu li sobre a obra de Senhor dos Anéis. A começar pelo título instigante e por todo o desenrolar das hipóteses e explicações.
Tiro meu chapéu pra esse cara!

Achei engraçado a parte:
"Tolkien: “Mas isso me parece suponho, mais como uma <b>alegoria</b> da raça humana."

Depois de dizer que abominava qualquer alegoria :lol:

Enfim, não tenho o que acrescentar ao artigo.
 
Muito obrigado pelos elogios, meu caro colega de fórum. Eles são imerecidos.

Sinceros votos de paz,

N'liärien.
 

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