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O “Ulysses” de Galindo no Monte de Leituras

Anderson N.

Órfão Meia Palavra
In Memoriam
Alfredo Monte, que mantém o blog Monte de Leituras, acaba de resenhar a nova tradução de Ulysses, do James Joyce, empreendida por Caetano Galindo.
Como sempre, temos um texto delicioso de ler, em que estão juntos o conhecimento e a preocupação em passar ao leitor uma mensagem não cifrada – gosto demais disso, de quando um leitor/crítico sabe muito, mas se preocupa com a recepção de seu leitor.

Eis aqui o texto de Alfredo:

BLOOMSDAY 2012: uma nova tradução de “Ulysses”



Nunca pensei que viveria o suficiente para ver uma terceira tradução de Ulysses, e pouquíssimos anos após a segunda (a de Bernardina da Silveira Pinheiro, lançada em 2005, passados 40 anos da primeira, de Antônio Houaiss). O autor da façanha, que acontece no 90º. aniversário do romance de James Joyce, é um jovem curitibano nascido em 1973, Caetano W. Galindo, que consegue transpor para a nossa língua um livro exigente sem torná-lo quase intragável (como fez Houaiss, respeitando-se o seu tour-de-force) nem enfraquecê-lo, fugindo das soluções mais difíceis (como fez Bernardina, idem). A meu ver, finalmente Ulysses e o leitor brasileiro encontram-se de fato.

A nova versão me fez apreciar melhor episódios que nunca tinham sido muitos palatáveis para mim (o caso do Cidadão dogmático, o Ciclope joyceano). As únicas páginas de que ainda não consigo gostar (e o pior é que são muitas), e que para mim pesam na leitura, são aquelas que relatam alucinações de Bloom na zona do meretrício (correspondendo ao feitiço de Circe), todavia acho que se deve mais a uma ojeriza pessoal por cenas desse naipe, que misturam a transfiguração da realidade com uma estética de opereta, e que me desagradam também em certas obras de Brecht, como a Ópera dos três vinténs (1928) e Mahagonny (1930). Questão de gosto.

Ao publicá-lo em 1922, aos 40 anos, Joyce e a Europa tinham passado por uma guerra mundial e seus efeitos desagregadores estão presentes, mesmo que anacronicamente, na narração do dia 16 de junho de 1904, o bloomsday (que virou uma data comemorativa): não são poucas as alusões, no texto, denegrindo as práticas bélicas, o sacrifício e a destruição de uma geração, e também o enfraquecimento inconteste do Império Britânico.

Tomando como modelo para seu esquema narrativo, a Odisseia de Homero (todos os dezoito episódios do livro são calcados em episódios das aventuras de Ulisses em retorno ao lar após a Guerra de Troia), Ulysses contraria e parodia o figurino épico e seus arquétipos de virilidade agressiva e rivalidades guerreiras.

Joyce radicaliza o registro ficcional da experiência humana: somos feitos não só de ação e decisão (mesmo que no romance realista-naturalista elas sejam obstadas no mais das vezes), mas nossa mente circunavega por associações, auto-lembretes pueris e amiúde obsessivos, lembranças involuntárias, trechos de músicas, impacto de sensações, enfim, um mosaico fragmentário e muito cifrado (e é por isso que ele mexe nas palavras, na sua composição; um dos aspectos mais elogiáveis da versão de Galindo é não forçar a barra, como Houaiss tanto fez ao criar palavras horrorosas, e se basear na supressão do hífen e na junção cacofônica que exercitamos costumeiramente dos vocábulos, por exemplo “olhão destemanho”). E é assim que ele nos convida para entrar na mente dos três protagonistas, o casal Bloom (ele em perambulações pela cidade, ela recebendo um amante), já não mais na flor da idade, embora ela seja uma mulher desejável, e Stephen Dedalus, que aos 22 anos, luta contra a paralisia da vontade e do futuro, que se estende, aliás, à nação e a língua irlandesas, dominadas pelos ingleses. Stephen tem de se haver com seu avatar Hamlet, embora o mundo de Joyce, assim como é anti-épico (malgrado Bloom, seu Ulisses moderno, apresente as qualidades de astúcia e prudência do heroi clássico) também é anti-trágico por natureza. Ele deposita sua confiança no fluxo da vida, e não é por acaso que instituiu como recurso modernista essencial o “stream of consciousness” dos personagens. Nosso dia a dia é feito pelos nossos movimentos pelo espaço-tempo, mas também pelas viagens da nossa mente.

E sua proeza maior foi ter amarrado essa característica proteica a uma rigorosíssima estrutura narrativa. Sem contar a teia de alusões atordoantes (vale a pena ler, quanto a esse aspecto, a extraordinária biografia de Richard Ellmann, uma obra-prima do gênero), a paródia de vários estilos literários, a escolha de um léxico apropriado para evocar cada episódio da Odisseia, cada momento do livro traz incidentes e encontros que serão completados adiante, nada é jogado fora ou acidental. Quando Molly Bloom no célebre episódio final está na sua cama e numa só corrente recapitula sua vida, suas fantasias, ressente-se do marido, ainda que com inequívoca admiração pela suas qualidades peculiares, todas as peças do quebra-cabeça colocaram-se em seus devidos lugares (“toda a galáxia de eventos, tudo contribuía para constituir um camafeu miniaturizado do mundo em que vivemos”, lemos na pág. 915) e demos a volta ao dia em oitenta mundos (“algo que escapasse do soído e costumeiro”). E Caetano W. Galindo nos propiciou o equivalente brasileiro mais pertinente, até hoje, dessa travessia fascinante.

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Serviço: Ulysses (1922), de James Joyce (1882-1941). Tradução de Caetano W. Galindo. Penguin/Companhia das Letras. 1.106 páginas. R$ 49,90.
 
Eu já tinha lido essa resenha, coincidentemente também estou lendo o livro com essa tradução do Galindo, e ainda nos aproximamos do bloomday.
 

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