Melian
Período composto por insubordinação.
Encheu a colher de comida, ficou olhando para os caroços de feijão, e comeu. Esperança ainda tinha, de que o gosto do feijão fosse o mesmo do arroz. Sentiu aquele gosto adocicado na boca. Ainda conhecia o gosto do feijão. Gosto ruim. Queria se despedir do mundo. Começou se despedindo das comidas, mesmo das que não gostava. Partiu uma fatia enorme de queijo e comeu com café, assim que acordou. Repetiu o feito, à tarde, e à noite, antes de dormir. E dormiu. Ainda era cedo para se despedir dos sonhos. Precisava deles, para alcançar àquelas pessoas que já não mais eram realidade em sua vida.
Acenou para a avó materna. Sorriu para a paterna. Fez um gesto afirmativo com a cabeça para uma amiga. Surpreendeu-se ao ver um vizinho. Olhou, curiosa, para um desconhecido. Quis ir lá, se apresentar, começar a conversar. Mas não tinha tempo. Gostava tanto das pessoas. Gostava tanto de conversar com elas. Se importava tanto. Sentiu que alguém a tocava. Que menininho lindo! Pegou na mãozinha dele. Acariciou-a com o polegar. Ele sorriu. Ela sorriu. O mundo sorriu. Não queria, nunca mais, ver o mundo chorar, depois de contemplar o seu sorriso.
O barulho da mãe lavando vasilhas, lá na cozinha. Hora de acordar. Não levantou. Recusava-se a se despedir de peixe. Não gostava de peixe. Mas gostava da mãe. Mesmo depois daquela noite. O cheiro de peixe frito a enojava. A mãe queria comer peixe. E comeu. Fritou. Implicou. Ela não comia dobradinha há anos, porque a mãe não gostava do cheiro. Abriu mão. A mãe, não. Ela não abria mão. Não abria mão da filha.
Estava decidido, se despediria, por último, do café. Passaria o dia evitando beber café. Se enganaria com outras bebidas. Ficava com mais vontade de beber café. Ela gostava de ficar com muita vontade de beber café. Minha vida por um café. Brincava consigo. E sorria. Ainda não estava pronta para se despedir da ironia. Um bom sinal.
Os olhos trabalhavam muito. O tapete de retalhos. As cortinas escuras. O chinelo rosa, ao pé da cama. O ventilador, encostado na parede. Os livros mal empilhados na mesa do computador. A janela aberta. Sempre aberta. A televisão nova. Os filmes aos quais nunca assistiu. Os livros não lidos. Os tons com os quais nunca tingiu os cabelos. O cigarro que nunca foi colocado entre os dedos.
O buraco que seu corpo deixou no colchão. Quinze meses. Um dia a mais ou a menos. As feridas que o colchão deixou no seu corpo. As lágrimas que a mãe deixava correr. As lágrimas que ela ocultava. Os sorrisos cortados por soluços. Os abraços abortados pela fraqueza. Os cabelos suados, sujos, maltratados. Os passos nunca dados. Não sentia mais o calor dos pés. Não sentia os pés. O coração, sentia. Mais forte. Muito forte. Muito vivo. Vivo demais. Forte demais. Rápido demais. Não, não tão rápido. Não, não assim. Não aqui. Não agora. Tinha de diminuir. Tinha de parar. Tinha de esperar. Já ainda agora sentia o gosto do café. Do sangue. Da terra. Do céu.
Editado depois de mil anos, porque vi um erro de regência, ali. Não, não era estilo, era erro, mesmo.
Acenou para a avó materna. Sorriu para a paterna. Fez um gesto afirmativo com a cabeça para uma amiga. Surpreendeu-se ao ver um vizinho. Olhou, curiosa, para um desconhecido. Quis ir lá, se apresentar, começar a conversar. Mas não tinha tempo. Gostava tanto das pessoas. Gostava tanto de conversar com elas. Se importava tanto. Sentiu que alguém a tocava. Que menininho lindo! Pegou na mãozinha dele. Acariciou-a com o polegar. Ele sorriu. Ela sorriu. O mundo sorriu. Não queria, nunca mais, ver o mundo chorar, depois de contemplar o seu sorriso.
O barulho da mãe lavando vasilhas, lá na cozinha. Hora de acordar. Não levantou. Recusava-se a se despedir de peixe. Não gostava de peixe. Mas gostava da mãe. Mesmo depois daquela noite. O cheiro de peixe frito a enojava. A mãe queria comer peixe. E comeu. Fritou. Implicou. Ela não comia dobradinha há anos, porque a mãe não gostava do cheiro. Abriu mão. A mãe, não. Ela não abria mão. Não abria mão da filha.
Estava decidido, se despediria, por último, do café. Passaria o dia evitando beber café. Se enganaria com outras bebidas. Ficava com mais vontade de beber café. Ela gostava de ficar com muita vontade de beber café. Minha vida por um café. Brincava consigo. E sorria. Ainda não estava pronta para se despedir da ironia. Um bom sinal.
Os olhos trabalhavam muito. O tapete de retalhos. As cortinas escuras. O chinelo rosa, ao pé da cama. O ventilador, encostado na parede. Os livros mal empilhados na mesa do computador. A janela aberta. Sempre aberta. A televisão nova. Os filmes aos quais nunca assistiu. Os livros não lidos. Os tons com os quais nunca tingiu os cabelos. O cigarro que nunca foi colocado entre os dedos.
O buraco que seu corpo deixou no colchão. Quinze meses. Um dia a mais ou a menos. As feridas que o colchão deixou no seu corpo. As lágrimas que a mãe deixava correr. As lágrimas que ela ocultava. Os sorrisos cortados por soluços. Os abraços abortados pela fraqueza. Os cabelos suados, sujos, maltratados. Os passos nunca dados. Não sentia mais o calor dos pés. Não sentia os pés. O coração, sentia. Mais forte. Muito forte. Muito vivo. Vivo demais. Forte demais. Rápido demais. Não, não tão rápido. Não, não assim. Não aqui. Não agora. Tinha de diminuir. Tinha de parar. Tinha de esperar. Já ainda agora sentia o gosto do café. Do sangue. Da terra. Do céu.
Editado depois de mil anos, porque vi um erro de regência, ali. Não, não era estilo, era erro, mesmo.
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