Para quem tiver a paciência de ler...
Concordo com o C. Tolkien em partes também. A massificação da obra (qualquer uma) acaba muitas vezes empobrecendo o mundo que serviu de base para as adaptações de cinema, games e etc. Aquela coisa de espremer a laranja até a última gota e tal. Não acho que os filmes em si tenham feito isso, mas muita coisa do que veio depois sim. No entanto, um livro ou um texto, publicado e divulgado, ganha vida própria e não pertence mais ao autor, na medida em que ganha o mundo e é absorvido e reinterpretado pelos leitores. Ainda mais quando os direitos para o cinema são vendidos... aí já era! Tento entender o ponto de vista do velho C. Tolkien. Ninguém, por mais que ame infinitamente todas as obras de Tolkien, pode reivindicar a mais próxima identificação com elas do que o velho Christopher. Ele cresceu naquele mundo, como ele mesmo disse, e viu aquilo tudo nascer e se desenvolver. O grau de identificação que ele tem com tudo o que o pai escreveu é maior do que o de qualquer pessoa: ele vê o pai em cada página. É tudo muito pessoal. Ainda mais com O Silmarillion, a verdadeira obra da vida de Tolkien e que ele não conseguiu publicar, pois sempre era rejeitada, seja porque a narrativa era difícil, ou seja porque simplesmente não tinha hobbits. E morreu frustrado por não conseguir isso. Por isso entendo a frustração do C. Tolkien em saber que a versão de cinema é mais uma referência hoje do que os escritos do pai.
Porém, como muitos bem lembraram, foram os filmes que “ressuscitaram” Tolkien (nos anos de lançamento dos filmes, só os livros SdA venderam 25 milhões de cópias ao redor do mundo!). É verdade, Tolkien já era mundialmente famoso, mas começou a cair no esquecimento. Os filmes trouxeram uma nova geração de leitores, pois buscamos a fonte original para aquilo que vimos nos filmes. Nem todo mundo fez isso, mas quem perde são eles, não os livros de Tolkien. Então, nesse sentido, vejo muito mais um ganho para o legado de Tolkien do que uma perda. C. Tolkien diz que PJ & Cia. Ltda. eviscerou a obra do pai. E graças a Christopher Tolkien, hoje o mundo tem os belíssimos O Silmarillion e Os Filhos de Húrin, além dos interessantíssimos As Cartas de J.R.R. Tolkien, os 12 volumes HoME e Os Contos Inacabados, só para citar o Legendarium. Mas o que o C. Tolkien chama ( e acho que apropriadamente) de exumação literária, também não foi a evisceração do trabalho do pai?
Ele mesmo admite, com remorso, que inventou partes do Silmarillion, para poder dar ordem e sentido ao amontoado de papéis e anotações que o pai deixou. Então, a evisceração (Linda evisceração! Todo mundo aqui concorda.) começou antes com ele. Tanto é assim, que sonha/sonhou que o pai vem procurar os originais do Silma e tem medo do que ele vai pensar com o que fez com os textos originais para publicar o livro. Publicou aí uns 16 livros no mínimo (os 12 HoME, Cartas, Silma, F.H. e C.I.) que certamente Tolkien jamais pensaria ou gostaria de publicar. Uma infinidade de coisas descartadas e que foram trazidas à luz. Será que o Professor Tolkien aprovaria? Minha opinião é que a maioria não. E o C. Tolkien sabe disso, e não quis conhecer PJ, quem sabe, porque o diretor fez algo que o filho de Tolkien considera (com certa razão) algo que só ele deveria ter feito: arrancar as vísceras do trabalho de J. R. R. Tolkien.
Muitos acham que o PJ cometeu um sacrilégio e endossam cada vírgula das ideias do Christopher. Mas quem faz isso, e ainda assim tem um game baseado nos filmes em seu pc, tem um mísero bonequinho do Gandalf sobre seus livros, uma réplica do Um Anel, comprou e vê a trilogia de cinema e acha legal uma possível adaptação do Silma para o cinema ou tv, é tão sacrílego quanto o neozelandês. É algo que eu sempre disse aqui e não é só porque adoro os filmes, mas não considero a adaptação uma ofensa ao legado de Tolkien, eles são SOMEMTE a interpretação de uma pessoa (e de seus colaboradores) aliada às necessidades cinematográficas (os direitos foram vendidos, os estúdios compraram e querem lucrar no seu negócio, como toda empresa. Sério que alguém ainda não entendeu isso? Filmes são feitos para gerar dinheiro e enriquecer empresários do ramo, não pela arte em si, não por filantropia. Essa é a lógica do mercado. Não concorda com essa lógica? Não consuma os produtos de Hollywood!).
Assim como eu e vocês interpretamos de maneiras diferentes as passagens dos livros, PJ interpretou a sua maneira e colocou em película. Ofensa, essa sim, é a de uma editora, que trabalha exatamente com a obra, se dispor a traduzi-la e publicá-la e não fazer um trabalho minimamente competente de revisão. Só a versão mais recente da tradução brasileira do SdA tem palavras, frases e parágrafos inteiros omitidos, isso para não falar em tradução estranha que deixa algumas passagem um pouco sem nexo. Querem maior ofensa do que essa? Por isso até entendo o C. Tolkien por ter barrado a tradução da série HoME para outras línguas. Esse sim um verdadeiro desrespeito à palavra de J. R. R. Tolkien. Mas os livros de Tolkien estão lá (pelo menos na língua original), intocados, não editados e reescritos por ninguém (a não ser por um outro Tolkien), e nesse sentido, e em um certo sentido, preservados. Os filmes do PJ? Brilhantes! Mas são só os filmes do PJ.