• Caro Visitante, por que não gastar alguns segundos e criar uma Conta no Fórum Valinor? Desta forma, além de não ver este aviso novamente, poderá participar de nossa comunidade, inserir suas opiniões e sugestões, fazendo parte deste que é um maiores Fóruns de Discussão do Brasil! Aproveite e cadastre-se já!

O Senhor das Moscas (William Golding)

Parabéns Lucas, ótima resenha!
Tive o prazer de ler o livro recentemente. Uma alegoria muito bem construída pelo autor, o início realmente é um tanto arrastado com o inicial deslumbramento dos garotos com a Ilha. Porém com o passar das páginas ganha em tensão.
O fato de a guerra e a violência, sentimentos inerentes a alma humana, serem retratados em crianças, acaba sendo o ponto alto da alegoria.
 
o que leva as pessoas a se matarem?

no caso do senhor das moscas, temos muitos exemplos disso:

pode-se matar por omissão. os garotos poderiam ser mais unidos, e ninguém se perderia, e todos ficariam seguros. mas eles preferiram curtir a vida e se lixar pro grupo, pros mais pequenos.

pode-se matar por religião, por pura supertição. sacrifício humano. num frenesi, num ambiente sem contato com as regras, em condições extremas, até mesmo extremo tédio, as pessoas são tentadas a cometer absurdos por divindades inventadas. e a lógica das crianças aceita muita coisa. e muita gente não amadurece.

pode-se matar por competição. muitos não aceitam perder. e quem perde, se não tem escrúpulos e tem o poder pra matar, não raramente padece à sede de vingança. é a sede de poder. é highlander: só pode haver um!

pode-se matar por pura crueldade. se mata os frágeis, como se esmaga formigas sem motivo. se mata os diferentes, a minoria. pelo simples prazer de exercer o poder

e por último, se mata por instinto coletivo. se mata obedecendo ordens. mesmo não concordando com a ordem, apenas por medo dos superiores, que sozinhos não seriam capazes de conter os subordinados. se mata porque em grupo, sendo a maioria, todo mundo tem coragem de cometer crimes que se perderiam na coletividade de anônimos
 
a questão é q ñ dá pra exigir atitudes adultas em crianças se nem os adultos as têm. só se as atitudes adultas forem exatamente estas: egoísmo, egotismo, frenesi, fanatismo, preconceito &tc.

ah, q saudade do pequeno príncipe!
 
Omnius disse:
O fato de a guerra e a violência, sentimentos inerentes a alma humana, serem retratados em crianças, acaba sendo o ponto alto da alegoria.

[align=justify]Sabe Omnius, eu ainda não cheguei a uma conclusão sobre isso. Não penso que esses são sentimentos inerentes ou naturais dos seres humanos. Deixa eu tentar explicar meu ponto de vista:
as crianças não apresentavam nenhum comportamento tido como "anormal", tais como agressividade e guerra, mas a partir do momento em que passaram a viver em sociedade é que esses sentimentos afloraram, de uma maneira assustadora, diga-se de passagem.
Então, penso em três hipóteses:
1 - Os sentimentos são inerentes (naturais) e aflorariam mais dia menos dia;
2 - A sociedade faz esses sentimentos surgirem, então essa hipótese diz que esses sentimentos não são naturais, mas socialmente construídos;
3 - Os sentimentos são inerentes e a sociedade (a vida em grupo) somente atuou como um catalisador desses sentimentos, ou seja, ambas as partes tem um papel nesse sentido.

Essa obra é legal também por causa disso, essa questão é de uma universalidade grande. Gera bastante discussões isso, muito já foi escrito e debatido sobre isso. Queria saber o que vocês acham sobre isso.[/align]
 
parecem que vcs nunca viram crianças em situações críticas

acho que o ponto onde eles começaram a serem incitados pelo barbarismo foi a partir das caçadas. quando mataram a porca, se enlambuzaram de sangue. muita gente nunca matou um animal na vida, nem mesmo pra comer. alguns até param de comer carne por um tempo quando presenciam animais morrendo em matadores

as crianças viviam com medo. a noite eram acometidas por muitos pesadelos. então veio a fera. imaginem como os povos pre-históricos morriam de medo de feras, de incêndios, terremotos, enchentes, etc. um pulo e eles fazem rituais. depois eles se pintam todos e brincam de tribo. e quando jack é humilhado, ele deve ter ficado com muita vontade de matar rafael

crianças podem cometer crueldades. gatos brincam com a comida. cães se divertem mordendo, crianças pegam em armas durante guerras, guerrilhas, gangues, assaltos.

sem contar que os mais velhos lá chegaram na ilha com mais ou menos 12 anos. os cabelos deles cresceram a ponto de precisarem ser amarrados. a puberdade é o cão. hormônios fazem loucuras. e não tinha nem adultos nem mulheres lá. o que é mais perigoso do que um macho em celibato forçado?
 
[align=justify]Pois é cara, situações extremas parecem "pedir" soluções extremas, mas não acho que dê para naturalizar esses sentimentos, essa é uma parada muito complexa. Creio que ali na ilha mesmo, as condições de sobrevivência não eram tão adversas que pudessem exacerbar de tal maneira a forma como as crianças agiram. Sabe, isso é realmente muito intrigante, pois, conforme já foi apontado aqui nesse tópico, a profundidade psicológica do livro é um dos pontos altos da história, então pergunto: até onde esse barbarismo é escolha das crianças (seres humanos) e até onde ele é uma mera resposta biológica/fisiológica de seus organismos para preservarem sua existência?[/align]
 
Hehe...é bom estar de volta!

Tenho por mim que os sentimentos são naturais, porém em nossa sociedade (ocidental) são sublimados de “n” formas (esporte, lazer, trabalho, etc.) quando não sublimados são reprimidos coercitivamente caso transgridam alguma lei imposta. Os garotos a principio se guiavam pela civilidade (inglesa no caso), porém com o passar dos dias e longe da tutela adulta passaram a criar seu próprio modelo de organização social, organização essa que dada a idade dos garotos e as condições que se encontravam foi baseada nos instintos (animalescos por sinal).
 
[align=justify]Legal seu ponto de vista Omnius, mas me pergunto o seguinte:
será que, se os garotos não tivessem se encontrado e não tivessem partilhado do mesmo espaço e dos mesmos desentendimentos, seus supostos instintos ferais teriam vindo a tona?[/align]
 
Lucas_Deschain disse:
[align=justify]Legal seu ponto de vista Omnius, mas me pergunto o seguinte:
será que, se os garotos não tivessem se encontrado e não tivessem partilhado do mesmo espaço e dos mesmos desentendimentos, seus supostos instintos ferais teriam vindo a tona?[/align]

Difícil responder, porém eu diria que não. Os instintos foram potencializados pela falta de regras / leis que encontraram na ilha.
 
a parte mais biológica, se é que gastronomia é mais instinto que frescura, é a vontade de comer carne. foi a carne o argumento final do jack. ele era um tirano, não tinha carisma nem era o mais inteligente, mas ele sabia liderar uma caçada e assim arranjar carne. mata uma porca e faz uma festa, o velho pão e circo. até rafael e bucha se traíram pra participar da festa onde aconteceu aquela dança horripilante e confusa. essa disputa da carne e das frutas me lembrou caim e abel. e deus prefere carne...

é claro, se desde o começo houvesse lá um adulto com mínimo de autoridade e sensatez, haveria mais ordem no terreiro. como se fosse fácil encontrar adultos sensatos... e mesmo que não houvesse um grupo tão grande, ou um grupo de dois, se eles ficassem isolados numa ilha, uma ilha e um homem, eles pirariam, com o náufrago, e começariam a falar com bolas de volei.
 
Muito interessante esse tema de predisposição a certos atos. No caso do livro, Roger e Jack desenvolveram de forma mais acentuada o ímpeto maldoso e violento. Isso me lembra o livro Tabula-Rasa de Steven Pinker onde o autor defende a tese que os genes afetam a personalidade humana, ou seja é contrário a teoria epistemologica da Tabula-Rasa.
 
Omnius disse:
Difícil responder, porém eu diria que não. Os instintos foram potencializados pela falta de regras / leis que encontraram na ilha.

[align=justify]Independente da existência ou não de regras, os garotos interagiram com eles mesmos, ou seja, viveram em maior ou menor grau em sociedade. Essa convivência teria catalisado os sentimentos animalescos deles. Acho que é esse o ponto que Golding queria discutir quando escreveu a obra: a guerra (pensando muito provavelmente na experiência da Segunda Guerra Mundial) seria parte da natureza humana ou será que a vivência da humanidade que nos leva a ela?
[/align]
 
agora vejo. é muito pessimismo. é a ressaca da segunda guerra

porque quando os grupos sentem medo, não só se hostilizam. me lembro de um episódio de futurama, o netal. papai noel era um inimigo comum. o medo unia as pessoas. a miséria também une as pessoas

o bucha se sentiu aliviado quando jack resolveu ir embora. mas jack soube aproveitar a situação e o medo, com sua festa

imagino que os menores, os anônimos, medrosos, deveriam ser unidos. mas eles simplesmente ficaram de fora da narrativa. não acredito que ninguém da tribo não se revoltaria ao presenciar a morte do bucha

a humanidade tem indivíduos sociopatas. a sociedade e suas crises conseguem amplificar os defeitos de fábrica do ser humano. mas nem todos são assim. a crueldade humana, a ponto do assassinato deve ser uma excessão, não o contrário. é o pessimismo que se tem ao presenciar uma estupida por natureza guerra que faz se perder a fé na humanidade
 
[align=justify]Sabe o que gosto de pensar sobre isso (não que esse seja o mote da obra, mas ainda assim ela permite esse diálogo): que mesmo os casos que "anômalos" são designados anômalos por uma referência que não é natural, mas que é construída e criada pelo homem, ou seja, ela é social e historicamente construída.
Isso me leva a pensar sobre uma coisa interessante sobre o livro: partindo do pressuposto de que a ilha é isolada (tudo bem, os garotos seriam em tese criados partindo de princípios ingleses, embora eles pareçam bem "universais" no livro) e que, se não houvesse uma carga histórica sobre o comportamento humano e nem houvessem outras pessoas na ilha (sem sociedade, portanto) qualquer comportamento que qualquer pessoa tivesse não poderia ser considerado anormal, justamente pela falta de referência ou parâmetro para julgá-lo como tal.
Dessa forma, e é aí que eu quero chegar, que os comportamentos bárbaros, ferais, animalescos ou qualquer caracterização que queiramos a eles atribuir, só assim são considerados com base em um padrão ou estigma de "normalidade" e "anormalidade" construídos pelas pessoas. Logo, mesmo que haja uma carga biológica primitiva em nossos genes, a forma como ela é percebida pelas outras pessoas, ou seja, pela sociedade; é mediada com base na própria experiência social.
Por isso, e espero que tenha sido minimamente claro, é que acho intrigante e difícil saber qual o peso de cada dimensão em nossa existência: se o determinante é o social, se o que pesa é o biológico/natural, ou se tudo isso não passa de uma forma que a gente criou para tentar entender o que é a vida humana. XD[/align]
 
[align=justify]Uma coisa que queria saber de vocês: o que significou aquele final? Fiquei bem em dúvida com relação àquilo. Se tratando de uma alegoria ou de uma Literatura que pretende aproximar-se do real por metáforas, aquele desfecho deve ter um significado maior.[/align]
 
1º interpretação: o choro incontido de Ralph mostra o desapontamento profundo do garoto para com a humanidade. Sentimento comum no pós-guerra, vencidos e vencedores ficaram perplexos frente aos atos cometidos. O oficial pode ser interpretado como a razão “Putz o que fizemos?!”
2º interpretação: Outra interpretação possível seria de o oficial repreendendo os garotos pelo estado semi-bestial que se encontravam ser uma alusão a Deus que se desaponta com sua criação pelo pecado original cometido no paraíso. Já a cabeça (O senhor das moscas) seria a serpente.
 
[align=justify]Achei que o final cumpriu a função de transmitir alguma esperança de mudança, de possibilidade de transformação, embora haja uma via crúcis até esse ponto superior, melhor, mais civilizado etc.[/align]
 
minha impressão do final, pelo menos a primeira impressão, é que o autor não queria matar o rafael. não tinha como ele escapar, a menos que ele fosse picado por uma aranha alienígena ou algo do tipo.

quanto ao choque de culturas... sim, aqueles meninos são ingleses. se fossem meninos chineses saídos de uma fábrica que produza sapatos, seria muito diferente, seria férias. se fossem aborígenes, seria uma boa, não haveria fase democracia. se fossem meninos rastafaris, eles já teriam fumado a ilha toda.

o melhor livro que vejo dessa coisa de que tudo é relativo, em relação a cultura, é admirável mundo novo. são apenas valores diferentes que dizem o que é certo e errado.
 
Essa forma de pensamento acaba caindo em uma interpretação relativista moral / cultural que acredito não tenha sido a intenção do autor. Desde que o ser humano, por imposição evolutiva passou a se organizar socialmente. O impulso bélico de sobrepujar o mais fraco tomou conta de seu espírito. Não há relativismo nisso.
 

Valinor 2023

Total arrecadado
R$2.434,79
Termina em:
Back
Topo