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O que você mais gosta na obra de Machado de Assis? E o que você menos gosta?

Giuseppe

Hey now
Não estou falando necessariamente sobre as obras favoritas, estou pensando mais nas características do estilo machadiano.

Eu gosto da ironia do Machado. É uma ironia do tipo charmoso, não do tipo babaca, e é algo que costuma se encaixar de forma perfeitamente natural com o contexto das histórias, em nenhum momento soando como algo forçado ou irritante.

Gosto de como pequenos hábitos de certos personagens ou seus bordões contribuem para que eles ganhem vida e sejam de fato convincentes, reais, e acho que acima de tudo, memoráveis.

Gosto do absurdo! O diálogo dos santos no conto Entre Santos, o hipopótamo falante no começo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, ou até mesmo um personagem comum numa cena comum falando coisas surreais como o Marcolini de Dom Casmurro e toda aquela história de "A vida é uma ópera!"

O que não gosto na obra do Machadão? Triângulos amorosos e casos extraconjugais são temas dos quais nunca gostei e sinceramente, não entendo por que causa, motivo, razão ou circunstância o Machado usa tanto essa fórmula que eu acho bem chata e desgastada, nem um pouco atraente. Claro, boas histórias vieram de tal tema, mas o mérito disso vem em grande parte da forma como o autor narrou a história e da qualidade dos personagens, não tanto pelo tema em si.

Também não gosto muito do pessimismo machadiano. Costumo gostar mais quando um livro ou conto, mesmo que seja um triste, ainda assim tenha um restinho de otimismo e esperança (algo que eu adoro no estilo de Charles Dickens), seja no final da história ou no próprio tom da narrativa. Quando o pessimismo é algo muito presente em grande parte da obra, eu admito que acabo achando isso um tanto enfadonho.

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Digam aí o que vocês acham.
 
Gosto do absurdo! O diálogo dos santos no conto Entre Santos, o hipopótamo falante no começo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, ou até mesmo um personagem comum numa cena comum falando coisas surreais como o Marcolini de Dom Casmurro e toda aquela história de "A vida é uma ópera!"

A Ópera é um dos melhores capítulos ever. :grinlove:

Também não gosto muito do pessimismo machadiano. Costumo gostar mais quando um livro ou conto, mesmo que seja um triste, ainda assim tenha um restinho de otimismo e esperança (algo que eu adoro no estilo de Charles Dickens), seja no final da história ou no próprio tom da narrativa. Quando o pessimismo é algo muito presente em grande parte da obra, eu admito que acabo achando isso um tanto enfadonho.

Poxa Giu, essa é uma das características do texto machadiano que mais gosto. Esse pessimismo que contém ironia em seu âmago, uma ironia refinada, uma ironia resoluta. Não é como se o pessimismo fosse ruim; ele simplesmente é.

Nesse aspecto específico, acho que sou o contrário de você: histórias pessimistas me parecem mais críveis, mais reais, mais palpáveis, especialmente em relacionamentos. E é por isso que os relacionamentos machadianos são tão fascinantes: eles são reais, mesmo quando parecem exagerados, como em Pílades e Orestes. Aliás, essa coisa subentendida que ele deixa no subtexto — nesse caso, a homossexualidade — é algo tão bom e tão gostoso de se ler que simplesmente não dá para ficar indiferente.

Não sei se tem alguma característica que eu desgoste. Tento puxar na mente algo e simplesmente nada aparece. Bom, eu não li as obras do período romântico dele; talvez aí eu encontre algo que eu não aprecie.

Se o Machado fosse francês, inglês ou americano não tenho dúvidas de que ele seria considerado um dos grandes da história da literatura universal.
 
eu adoro o senso de humor, eu dou muita risada com umas observações. ele tem umas sacadas ótimas, e a base de referência dele é toda formada por autores que eu adoro, então ler algo dele é meio que uma reunião de fã clube de vez em quando (vide o enfermeiro, acho impossível ler e não pensar no poe).

não sei dizer o que não gosto. de verdade.

Se o Machado fosse francês, inglês ou americano não tenho dúvidas de que ele seria considerado um dos grandes da história da literatura universal.

também acho.
 
Rosa e Machado

RIO DE JANEIRO - Aos 31 anos, Guimarães Rosa exercia funções diplomáticas em Hamburgo e acabara de ler "Brás Cubas". Nenhuma simpatia por Machado de Assis. No diário que escrevia sobre as impressões de suas leituras, há uma anotação esquisita: "M. de A. usa de construção primária. (...) Adquiri certeza, quase absoluta, de que ele, antes mesmo de compor os seus livros, ia anotando: pensamentos, frases etc., em livro ou em cadernos especiais, espécie de surrão ou alforje, de onde sacava, aos punhados, ou pinçava, um a um, os elementos de reserva que houvessem resistido ao tempo. (Processo aliás muito louvável. Tanto quanto o hábito de compulsar dicionários, visível em M. de A.)".

"Não pretendo ler mais Machado de Assis. (...) Acho-o antipático de estilo, cheio de atitudes para embasbacar o indígena; lança mão de artifícios baratos, querendo forçar a nota de originalidade; anda sempre no mesmo trote pernóstico, o que torna tediosa a sua leitura. (...) Quanto às idéias, nada mais do que uma desoladora dissecação do egoísmo, e, o que é pior, da mais desprezível forma de egoísmo: o egoísmo dos introvertidos inteligentes. Bem, basta, chega de Machado de Assis."

[...]
— Carlos Heitor Cony (grifo nosso)
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2005200606.htm




Trouxe de novo a citação do Rosa aí só pra bancar o flammer. :hihihi:

A verdade é que nem posso dar pitaco sobre o Machado: li-o pela última vez quase vinte anos atrás, e só uns contos pingados, como "O Alienista" e meia dúzia de outros, e aqueles quatro romances mais famosos (Memórias..., Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó), nem deles da "fase romântica". A percepção da época já era muito positiva; mas estou certo de que hoje eu o apreciaria ainda mais. A ver, a ver. :timido:
 
Poxa Giu, essa é uma das características do texto machadiano que mais gosto. Esse pessimismo que contém ironia em seu âmago, uma ironia refinada, uma ironia resoluta. Não é como se o pessimismo fosse ruim; ele simplesmente é.
Então, quanto ao pessimismo, pra mim é o seguinte: sei que é comum as pessoas falarem que isso deixa a história mais realista e tal. Só que... coisas boas também acontecem no mundo e o otimismo também faz parte da vida; pode ser e de fato é algo tão realista quanto o pessimismo. Eu frequentemente vejo pessoas confundindo ser realista com ser pessimista. Essa história de que "a vida é uma droga e aí você morre" pra mim não cola, muito menos a tal lei de Murphy de que "se algo pode dar errado, com certeza vai dar errado". Se fosse assim seria difícil pra mim atravessar a rua, pois se é possível que eu seja atropelado então eu com certeza serei atropelado? O final triste é um fato imutável de todas as situações possíveis da vida? Creio que não!

O que eu quero dizer com isso é que o otimismo também faz parte da realidade. E quando eu falo sobre livros que terminam com um final mais alegre e esperançoso (sem falar no próprio tom da narrativa) eu não quero dizer uma história em que tudo dá certo pra 100% dos personagens bons e sim que o final é de maneira geral positivo, apesar de poder contar com várias perdas pelo caminho; estou falando de algo mais bittersweet, não de um final de conto de fadas. Acho que a esperança e o otimismo são qualidades ignoradas numa sociedade que glorifica a insignificância e o trágico e eu particularmente estou bem farto dessa desilusão com a vida, e digo isso sendo eu alguém que frequentemente tem que lidar com episódios depressivos, melancolia, cansaço, frustração, etc. Se eu quiser más notícias é só eu abrir um jornal, na literatura eu busco outras coisas.

Tendo dito isso, felizmente o pessimismo na obra do Machado é algo mais sutil e menos ácido, e também não está presente no mesmo grau e da mesma forma em todas as suas obras; além disso sempre tem algum personagem ou situação pra contrabalancear; se assim não fosse, seriam leituras pesadas, mas não costuma ser o caso; o humor do Machado também ajuda bastante.
 
O tópico é sobre o que a gente gosta ou não gosta na obra do Machado. Eu só estava comentando sobre as minhas preferências; outros podem ter uma opinião totalmente diferente, claro.
 
Claro. Eu também concordo que esse pessimismo disfarçado de realismo é um porre, além de ser um péssimo filtro pelo qual se vê o mundo.

Mas de repente a fase romântica do Machado não sofre disso. Você chegou a ler algo? Tenho curiosidade. O que sempre me agradou mais nele foi o estilo, pelo manejo do idioma; nem tanto a cosmovisão que fica impressa na obra. A trama dos romances que eu li, em si mesma, é sempre pouco interessante e não me prenderia até o fim se ele não escrevesse de um jeito tão gostosinho (pra quem tem fetiche por questões vernáculas kk).

Foi por isso também que achei legal trazer a opinião do Guimarães Rosa, porque acho que ela vai ao encontro do que você pensa sobre o Machado. A "desoladora dissecação do egoísmo" etc.
 
Não li as coisas do período romântico do Machado, isto é, as obras mais antigas; li mais as coisas da fase classicona dele. Na verdade nos últimos dias eu estava pensando justamente em ler todos os romances do Machado em ordem de publicação, mas aí fiquei imaginando se isso não acabaria me cansando. Talvez se eu lesse alternando com obras de outros autores? Talvez, não sei ainda.
 
Sim, acho uma boa ler todos, em ordem cronológica. Também quero me organizar pra isso algum dia.
Mas não precisa ser tudo em sequência, né. Intercale com outras coisas. 🤗
 
Comecemos pelo fim: não há nada que eu desgoste na obra Machadiana, mas vocês já sabiam disso. A pegada cética, cínica e pessimista que permeia quase toda a obra de Machado de Assis é algo que me ajuda a manter os pés no chão. Eu sou uma pessoa extremamente idealista, dum jeito irritante, até, e é preciso equilibrar as coisas, sabe? Acho que foi o Nietzsche quem disse algo como: "o idealista é incorrigível: se é expulso do seu céu, faz um ideal do seu inferno". Pois é, pois é.

Acho que a verve da literatura Machadiana ME INSPIRA a encontrar soluções para coisas que eu não pensei que tivesse como resolver. Acho as escolhas do Machado perfeitas para mostrar a realidade a partir do filtro do riso e do trágico. Mais do que o enredo, propriamente dito, na obra do Machado importa o que INSISTE, o que volta, com a mesma ou outra roupagem, e, por isso, faz com que tentemos entender o porquê de aquilo estar lá.

Quanto ao questionamento sobre a obra romântica do Machado ter aspectos de sua obra realista, o próprio nos respondeu: "o menino é pai do homem". A acidez e a ironia machadiana já estavam lá, mas de modo infinitamente mais velado do que no realismo machadiano. Um exemplo está no conto Marianna, cuja publicação data de 1871 (ano da Lei do Ventre Livre). Numa olhadela rápida, a gente pode pensar que se trata de uma clássica história romântica (no uso correto do termo!): mocinha se apaixona pelo patrão, não pode tê-lo, e se mata. Na verdade, é uma escrava, que se apaixona pelo filho de sua senhora. É um texto crudelíssimo: extremamente violento. As artimanhas linguísticas que escondem o preconceito já estavam lá, mas nós, que não somos o Machado, só passaríamos a estudá-las muito tempo depois: "COMO se ela fosse uma pessoa livre", "lhe tinham ATÉ certa afeição". O limite está muito marcado, e anuncia a tragédia de um ser humano que não é visto como tal.

O conto foi publicado em folhetins, numa revista que ia para a casa da elite. Só 15% da população brasileira sabia ler. Os negros não podiam frequentar escola. A Marianna sabe que não tem futuro no meio daquele rapazinho, filhinho de papai, que vai casar com a prima. Ele está noivo da prima, que rompe o noivado porque ele deu atenção a uma escrava; esta que fugiu porque estava apaixonada por ele, que não pôde salvá-la, porque ela se matou (a inversão da ideia de que alguém pode nos salvar, está aí, escancarada). A prima fica com ciúme da morta e rompe o noivado. OLHA AÍ O MACHADÃO NOS FAZENDO PENSAR SOBRE O NÍVEL DE BRUTALIDADE DO REGIME ESCRAVOCRATA.

Marianna tem a coragem absurda de amar: de ser dona do seu próprio desejo, do seu próprio sentimento, o que se nega à pessoa escravizada. Marianna dá a tônica de como seriam as personagens femininas do Machado, né? Mulheres independentes. E isso já está lá no primeiro romance do Bruxo do Cosme Velho: quando temos a figura de Glória, viúva, dona de si. Aproveito a deixa para avançar na linha do tempo da ficção Machadiana e mencionar que uma das poucas falas não dúbias, e verdadeiras, do Bento Santiago é esta: Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem.

Passemos, agora, para o Machado cronologicamente realista. Na tentativa de rastrear o narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas, que não é apenas o meu livro preferido do Machado, mas o meu livro preferido DA VIDA, notei que a volubilidade é, paradoxalmente, a única constante do livro. Ela dá forma e é formada por ele. Para isso, o narrador adota uma postura enciclopédica – apontada por Roberto Schwarz – de quem tudo sabe, costurada pela liberdade de estar morto e não mais pertencer à sociedade volúvel, e desigual, que se forma no decorrer das memórias, por meio de fragmentos de diferentes estilos. Estética que contribui para delinear a figura encarnada pelo narrador, isto é, a figura do burguês e seus privilégios.

Tal qual o Emplasto Cubas, que era uma ideia fixa, Brás Cubas, sob a égide das hesitações e oposições, procura fixar suas memórias. E para que esse projeto seja ainda mais ambicioso, ele tece essas memórias do além-túmulo, que é de onde, também, relata-nos o seu delírio pré-morte, o seu grandioso delírio. O delírio que, cheio de si, ele diz ser o primeiro a narrar, e que isso é um favor que ele fará à ciência. Esse narrador é uma legítima flor dos Cubas e, como seus antepassados, que alteraram a genealogia da família para que ela parecesse mais nobre do que era, tem delírios de grandeza.

Nesse campo de significação, o sétimo capítulo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, denominado “O delírio”, ao mesmo tempo em que faz um tour pela história da humanidade, funciona como uma metáfora da volubilidade do narrador-personagem, Brás Cubas, uma vez que, de entrada, o delírio já apresenta as metamorfoses por que passa o narrador:

“Primeiramente, tomei a figura de um barbeiro chinês, bojudo, destro, escanhoando um mandarim” (ASSIS, 2020, p. 49); “Logo depois, senti-me transformado na Summa Theologica de São Tomás” (ASSIS, 2020, p. 49); “ultimamente, restituído à forma humana, vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou”. (ASSIS, 2020, p. 49).

Nos trechos selecionados, o narrador aparece fazendo a barba de um mandarim, uma figura letrada e burocrata, depois, transforma-se na Summa Theologica, um discurso teológico e, em seguida, volta à forma humana. E o narrador, no capítulo em questão, mostra que faz o que bem quer, e quando quer. Por isso, interrompe a narração do próprio delírio para se dirigir ao leitor: “Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das cousas”. (ASSIS, 2020, p. 53).

Roberto Schwarz, em Um mestre na periferia do Capitalismo, disse que o narrador de Memórias Póstumas dispõe do todo da tradição ocidental, e ressalta que a sua superioridade consiste em não se deixar capturar, para tanto, adotando novos papéis para, em seguida, colocá-los de lado. Ou seja, Brás Cubas explica para confundir. Assim, quase no fim do capítulo "O Delírio", quando o leitor já está capturado pela viagem, e deseja descobrir o segredo do último século, o delírio acaba. Mas será que acaba, mesmo, ou era apenas uma dissimulação, já que o narrador utiliza o capítulo seguinte para encenar um diálogo, também ele delirante, entre a Razão e a Sandice?

Amo o fato de a natureza, em Machado, ser uma forma. Assim como as estruturas sociais em Machado são uma forma. Ele mostra o país de estruturas sociais, não o país de natureza. Também amo o tom cínico da psicanálise machadiana: ele dá o tom de que as coisas horríveis que acontecem sejam naturais. As inversões irônicas do Machado, ao mesmo tempo que provocam o riso, direcionam-nos às digressões. E, nesse ponto, entra a importância absurda da recepção para obra do Bruxo do Cosme Velho: ao fazer naturalizar para horrorizar, ELE CONTA COM O HORROR, POR PARTE DO LEITOR.

Sou apaixonada pelo fato de o Machado pegar temas recorrentes e trabalhá-los de modo a lançar luz sobre outros aspectos, como faz com o mito da narrativa gemelar, no maravilhoso Esaú e Jacó (que era o romance do Machado de que o Antônio Candido mais gostava). Nisso, acho que Machado de Assis faz um inquestionável uso da noção de que a ficção acolhe o paradoxo, e esse paradoxo é o que suscita novas interpretações da obra.

Eu poderia resumir todo o relato em: o que eu mais gosto na obra do Machado é a gama de artifícios que ele usa para sugerir; para afirmar negando, e para negar afirmando. O narrador machadiano é uma das estratégias narrativas mais louváveis do mundo. Ele tem um poder de convencimento tão grande que, vejam, só, vocês, convenceu-me a cursar Letras e, por conseguinte, morrerei de fome.
 

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