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O que aprendi com escritores que escrevem mal

Béla van Tesma

Nhom nhom nhom
Colaborador
O que aprendi com escritores que escrevem mal
Como a literatura de má qualidade pode nos ensinar a escrever melhor
Valter Nascimento in Blog do Valter
Oct 26, 2017 · 7 min read

Todo escritor busca aprendizado com os grandes nomes da literatura. Como criar personagens como Proust ou como narrar cenas de ação como [George] R. R. Martin. O que pouca gente sabe é que literatura ruim nos ensina, e muito!

Durante três anos editei a então extinta [!?] revista Grafia, aqui mesmo no Medium. O trabalho como editor foi uma experiência gratificante, na qual conheci muitos autores talentosos e também outros nem tão talentosos assim.

Ainda hoje participo regularmente de fóruns, sites de troca de ideias entre escritores e grupos de Facebook. Confesso que estou quase sempre mais interessado em ler os textos ruins e sem likes que os de qualidade. Aprendi que nos textos ruins existe um antídoto para a falta de originalidade. Me fascina o fato que muitos autores optem pelo clichê no lugar de criar sua própria narrativa — afinal você é escritor, pode criar qualquer coisa!

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Eu queria ter essa entrega, essa auto-estima de acreditar que posso escrever tudo, até mesmo um romance de zoofilia jurássica. Foto: Amazon.

Espíritos, monstros e dinossauros

Há muitos tipos de livros ideais para quem quer aprender com a literatura má qualidade. Tive uma fase de ler, primeiro por curiosidade, depois pelo simples horror da coisa, romances espíritas. Eles são um prato cheio para se aprender como não criar personagens. A maioria deles são a variação do mesmo tema: pessoa em conflito, drama, uma mensagem do além, mudança de vida, um novo sentido existencial. Claro, livros de literatura espírita são voltados para um público específico e misturam fé com narrativa ficcional, mas possuem enredos ridiculamente tolos. Cada personagem repete exatamente o mesmo clichê.

Um outro canal cheio de escritores ruins é o Wattpad. A plataforma emplacou com o público jovem graças as Fanfics — ficções escritas por fãs. Lá você encontra de tudo, especialmente erotismo brocha e fantasia estilo Senhor dos Anéis de baixo orçamento linguístico. Há quem ache conteúdo original de qualidade no Wattpadd, eu não tive essa sorte.

A Amazon possui um serviço absolutamente necessário para quem quer aprender com a baixa literatura. O Amazon Kindle Unlimited permite que você leia livros ilimitadamente no Kindle mediante uma assinatura. Tem coisa boa e muita coisa ruim. Muita mesmo. Livros sobre os temas mais absurdos. Até uma série de romances envolvendo mulheres e dinossauros chamada Dinosaur Erotica (!).

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10 Coisas que Podemos Aprender com Escritores de Baixa Qualidade
Antes de qualquer coisa: bom ou ruim são visões particulares. Muitos dos autores que hoje figuram entre os maiores da literatura já foram tachados como sem talento.

Quando classifico um texto como ruim ou de baixa qualidade estou levando em consideração coerência gramatical, sintaxe, qualidade narrativa, ritmo, originalidade, etc. Há textos gramaticalmente impecáveis e sem nenhuma outra qualidade, assim como textos com pequenas falhas, mas que, no todo, são tocantes, originais e verdadeiros. Textos ruins não se enquadram em nenhuma dessas categorias — eles apenas são ruins, egocêntricos, chatos, sem objetivo, estilo, sem bom uso da gramática ou da emoção.

Respire fundo e vamos lá:

  1. Autores ruins pensam que escrevem muito bem. Esta foi a primeira coisa que aprendi. Quão pior o autor, maior o nível de confiança. É o que mais invejo nos escritores ruins, eles quase sempre acham que já estão prontos, que sabem tudo e que é questão de tempo até que o mundo compreenda sua genialidade.
  2. Autores ruins não gostam de críticas. Para eles toda forma de crítica é uma heresia. Demorei muito a entender o motivo pelo qual autores inciantes reagiam tão rispidamente a qualquer crítica, mesmo que construtiva. A verdade é que esses autores não saem da casca e entram num círculo vicioso de não gosto de crítica porque não exponho meu trabalho >>> não exponho meu trabalho porque não gosto de crítica.
  3. Autores ruins repetem os mesmos padrões. A coisa que mais me chamava a atenção nos meus tempos de editor era que, por mais que enviássemos e-mails dando dicas de melhoria dos textos, muitos autores respondiam repetindo sempre os mesmos erros. Para alguns, era impossível enxergar tais repetições como uso excessivo de adjetivos, falta de coerência verbal ou excesso de vírgulas. Autores ruins vivem tão apegados ao seu estilo que não enxergam outra forma de escrever.
  4. Autores ruins não gostam de ler, lêem pouco ou apenas um gênero. Já ouvi autores dizendo, mais de uma vez, que preferem escrever do que ler. Há ainda autores que lêem muito e acreditam que estão sendo originais, quando na verdade apenas repetem o que outros escritores já disseram. Outros autores lêem apenas aquilo que querem ouvir. Escrevo ficção científica, logo, só leio ficção científica. É um erro clássico.
  5. Escritores ruins querem fazer sentido e/ou serem compreendidos o tempo todo. Escritores ruins oscilam entre dois modos de escrita: fazer sentido o tempo todo com textos com uma moral clara e repetitiva ou textos que não dizem nada, mas que merecem ser “interpretados”. O erro mais comum que vejo é a superexposição de sentido. Livros repletos de personagens que se auto-explicam a todo momento como se o leitor fosse burro e não conseguisse ler nada nas entrelinhas.
  6. Escritores ruins não sabem lidar com o tempo ou com a voz. Uma coisa que a vida me ensinou foi: textos devem fazer sentido sobre passado, presente e futuro. Existem caras como Faulkner e Joyce que brincam com o tempo, mas se você não é Falkner ou Joyce, cuidado! Flashbacks em demasia, pulos no futuro sem aviso, não saber quem está falando na cena — eis o pacote completo para afastar seus leitores.
  7. Escritores ruins são emocionais. Para um escritor imaturo, muitas vezes não existe uma linha entre sentimento e criação. Tudo o que se cria é baseado num sentimento. Isso faz dos autores ruins pessoas extremamente dependentes da inspiração[...]. Só escrevem se estiverem de bom humor, se os pássaros cantarem ou se as memórias da infância estiverem vivas na mente. Essa dependência justifica-se pela falta de ferramentas de criação.
  8. Escritores ruins confundem teimosia com estilo. De um modo geral, escritores ruins estão a todo momento gastando mais energia tentando justificar seus erros do que corrigindo-os. “Esse erro de criação de personagem foi por desatenção” ou “Essa bagunça de enredos sem propósito é parte do meu estilo”. Escritores ruins preferem sacrificar todo um trabalho a se adequar a algumas regras, afinal, regras são para escritores comuns e muitos autores se sentem acima do resto da turma no quesito “ousadia”.
  9. Escritores ruins não gostam de editar. Autores imaturos pensam que cada parte do texto é como um pedaço dos manuscritos do Mar Morto. Nada pode ser cortado. Sabe o rascunho que é feito e logo depois descartado? Um autor ruim não conhece isso — tudo em sua escrita é preservado como relíquia.
  10. Escritores ruins romantizam a vida de escritor. O que mais encontro em grupos de escritores é a famosa composição: caneca de café, gato, pilha de livros clássicos, lápis, caderno Moleskine e a frase: A genialidade é 1% inspiração e 99% transpiração. Ok, a frase condiz com a realidade, mas o que ninguém fala é das noites em claro escrevendo um capítulo que, no dia seguinte, será lançado ao lixo. Ninguém fala que, na verdade, você não escreve sempre no silêncio de uma biblioteca clássica num PC branco da Apple ao som de Bach. Ninguém fala dos textos por encomenda, sobre propaganda de sabonete ou ração para cachorro, nem como é difícil escrever depois que você para de fumar. Ou seja, não tem glamour nenhum ser escritor em começo de carreira.
Bônus track:
11. Escritores ruins são os que não aprendem. Ninguém começa no mundo da escrita lançando o Madame Bovary versão 2019. Estamos aprendendo constantemente com os nossos e com os erros dos outros. Os grandes autores são os que evoluíram, que passaram por cima do ego, que ofereceram aos leitores uma obra em progressão. São os que se dedicaram completamente — sem se contentar com elogios, nem se abater com as críticas. São os autores que fizeram o que a profissão demanda: escrever sempre e cada vez melhor.
 
O pior é quando a gente não comete esses erros e continua sendo ruim. :o

Escritores ruins romantizam a vida de escritor. O que mais encontro em grupos de escritores é a famosa composição: caneca de café, gato, pilha de livros clássicos, lápis, caderno Moleskine e a frase: A genialidade é 1% inspiração e 99% transpiração. Ok, a frase condiz com a realidade, mas o que ninguém fala é das noites em claro escrevendo um capítulo que, no dia seguinte, será lançado ao lixo. Ninguém fala que, na verdade, você não escreve sempre no silêncio de uma biblioteca clássica num PC branco da Apple ao som de Bach. Ninguém fala dos textos por encomenda, sobre propaganda de sabonete ou ração para cachorro, nem como é difícil escrever depois que você para de fumar. Ou seja, não tem glamour nenhum ser escritor em começo de carreira.
True story.
 
Lembrei do @Möller quando o autor mencionou o Wattpad. :g:

Quem nunca fez um login por lá, cheio de entusiasmo, e se deparou com... uma rede interminável de bajulação recíproca e rasa, de autores que não se leem de fato mas que surgem lá para "elogiar" o trabalho dos outros na vã esperança de que sejam lidos em troca. É uma enorme farsa coletiva. Isso sem falar na qualidade, se você se detiver por uns minutos a ler alguma coisa (mesmo alguma dentre as mais badaladas da rede...) Chega a desanimar, porque você sabe que terá de competir com literalmente milhares de medíocres com mais tempo e ânimo para se promover e fazer o jogo sujo da comunidade. Enfim, tem muito cacique para pouco índio lá. Todos querem escrever mas ninguém quer ser leitor. Ninguém me convence que aqueles ebooks eróticos da Amazon com duzentas avaliações ótimas não são puro marketing entre miguxos, se não forem mesmo bots. :raiva:
 
Lembrei do @Möller quando o autor mencionou o Wattpad. :g:

Quem nunca fez um login por lá, cheio de entusiasmo, e se deparou com... uma rede interminável de bajulação recíproca e rasa, de autores que não se leem de fato mas que surgem lá para "elogiar" o trabalho dos outros na vã esperança de que sejam lidos em troca. É uma enorme farsa coletiva. Isso sem falar na qualidade, se você se detiver por uns minutos a ler alguma coisa (mesmo alguma dentre as mais badaladas da rede...) Chega a desanimar, porque você sabe que terá de competir com literalmente milhares de medíocres com mais tempo e ânimo para se promover e fazer o jogo sujo da comunidade. Enfim, tem muito cacique para pouco índio lá. Todos querem escrever mas ninguém quer ser leitor. Ninguém me convence que aqueles ebooks eróticos da Amazon com duzentas avaliações ótimas não são puro marketing entre miguxos, se não forem mesmo bots. :raiva:
Concordo inteiramente contigo, Béla!
 
Participar dos grupos de leitura é um eterno banimento para mim, como não apareço apenas para lançar floreios, termino sendo criticada porque os autores não aceitam qualquer tipo de critica.
Mas quando desejo o mesmo para minha escrita, eles me devolvem floreios, eu prefiro a verdade dolorida, assim ficasse sabendo onde melhorar.
 
Participar dos grupos de leitura é um eterno banimento para mim, como não apareço apenas para lançar floreios, termino sendo criticada porque os autores não aceitam qualquer tipo de critica.

Eu ahi! Haha
O que quasi sempre vejo acontecer é que o aspirante à penna confunde o prazer da leitura com o da escripta. Não! A leitura é a esculptura de madeira envernizada; a escripta é se encher de farpas, é mutilar os dedos no martelo - trabalho de carpintaria, diz a Clarice. Problema é que, se é que o romantismo do Byrion passou, o genio do romantismo fica, e illude com a idéa de que arte é expressão pura sem technica.
 
Escritores ruins querem fazer sentido e/ou serem compreendidos o tempo todo. Escritores ruins oscilam entre dois modos de escrita: fazer sentido o tempo todo com textos com uma moral clara e repetitiva ou textos que não dizem nada, mas que merecem ser “interpretados”. O erro mais comum que vejo é a superexposição de sentido. Livros repletos de personagens que se auto-explicam a todo momento como se o leitor fosse burro e não conseguisse ler nada nas entrelinhas.
Particularmente, esse é o meu primeiro critério para passar os textos na peneira. Texto bom é aquele que deixa espaços pro leitor prestar atenção, imaginar, refletir, ligar os pontos e por aí vai. E muitos clássicos da literatura infantil são exemplos de como é possível existir um texto acessível que, ao mesmo tempo, valoriza a inteligência do leitor. O primeiro que me vem à mente é Alice.
 
Opinião interessante. Freqüentemente pensamos o que é bom texto e o que não é. Portanto, quando lemos, em nossa opinião, um texto não adequado, consideramos isso apenas a nossa visão. Mas alguém gosta?
Recentemente, consegui ir a um bom serviço onde você pode ler e não apenas ensaios interessantes sobre vários tópicos e esses são definitivamente bons exemplos de boa redação. Portanto, se você olhar para o aspecto de saber se existem escritores de qualidade, é claro que existem muitos, especialmente no espaço de serviços educacionais. É interessante ler a opinião de outras pessoas. Eles apóiam isso.
 
Última edição:
Lembrei do @Möller quando o autor mencionou o Wattpad. :g:

Quem nunca fez um login por lá, cheio de entusiasmo, e se deparou com... uma rede interminável de bajulação recíproca e rasa, de autores que não se leem de fato mas que surgem lá para "elogiar" o trabalho dos outros na vã esperança de que sejam lidos em troca. É uma enorme farsa coletiva. Isso sem falar na qualidade, se você se detiver por uns minutos a ler alguma coisa (mesmo alguma dentre as mais badaladas da rede...) Chega a desanimar, porque você sabe que terá de competir com literalmente milhares de medíocres com mais tempo e ânimo para se promover e fazer o jogo sujo da comunidade. Enfim, tem muito cacique para pouco índio lá. Todos querem escrever mas ninguém quer ser leitor. Ninguém me convence que aqueles ebooks eróticos da Amazon com duzentas avaliações ótimas não são puro marketing entre miguxos, se não forem mesmo bots. :raiva:
Siiimmm!
Muita gente escrevendo fic e vendendo como série de livros.
Vivia na ilusão do Wattpad, hoje, não mais.
 
Eu ainda nunca tirei um tempo razoável pra dar uma fuçada nesse Wattpad (esse nome pra mim não tem absolutamente nada haver com literatura e sim me faz lembrar instrumento digital que eu uso o meu trabalho pra medida de potência elétrica em Watts :lol:) pra ver se há tanta ruindade como o artigo aí diz que tem.
 
Bom Fúria, eu acho que gosto é uma questão muito particular, sabe?
Mas quando você está habituado a ler, tem uma certa bagagem e referências, certas coisas já não agradam mais, no meu caso por exemplo, personagens rasos e sem qualquer relevância para a trama, diálogos sem sentido, falta de uma descrição que possibilite ao leitor uma noção de espaço e ambiente, etc...
Infelizmente li muita coisa que parecia mais plot pra RPG do que realmente um livro, e eu particularmente não gosto de ler no Wattpad, pois não tem páginas, ele é apenas separado em capítulos e o texto contínuo me incomoda um pouco!

Claro, essa é a minha experiência com a plataforma, a sua pode ser totalmente diferente!
 
Fúria... tem bem mais coisa ruim do que o artigo faz parecer.
Eu arriscaria dizer que 99,99% das coisas ali são ruins.
Virou mais uma plataforma de fanfics, como a Spirit (que pelo menos se assume como tal :lol:)...
 
Há tantas fanfics, e ruins no Wattpad que fica difícil achar algo bom por lá, eu admito que não procuro mais originais br na plataforma, só utilizo mesmo para ler alguns livros estrangeiros que foram traduzidos pelos fãs, algum tem traduções melhores do que as feitas pela Rocco.
 
É serio que alguem lê, aquelas avaliações de livros da Amazon, eu juro que nunca li nem a opinião de eletrônicos que comprei por lá, eu vou direto no reclame aqui antes de qualquer compra, e resenha de livros eu não confio nem em vlogueiro.
 
Eu nunca aprendi nada com escritores que escrevem mau porque nunca tive paciência para ler textos escritos de forma ruim...hum...pensando bem acho que está na hora de começar a ler uns exemplares de "Julia "...🤔😆😆😆😆😆
 
A única coisa que aprendi com escritores que escrevem mal é que estou mais perto deles do que dos escritores consagrados; isso me ajuda a, sempre, manter os pés no chão e ouvir, com muita atenção, tudo o que me dizem sobre o que tento escrever. Aprendo, muito, com o auxílio atento do olhar do outro sobre meus textos. Com isso em mente, dia após dia, eu me esforço para ser uma leitora melhor e, por conseguinte, uma escritora aceitável.
 
A proposta apresentada pelo sr. Valter em seu blog particular é realmente interessante, muito embora desenvolva-se sob premissas não verificadas, arrastando o debate subsequente aqui no fórum através de determinada linha de raciocínio, na qual certamente desemboca-se em incisivas -- quiçá verdadeiras -- constatações acerca das práticas pouco saudáveis insistentemente repetidas pelos habitantes do submundo literário, propiciamente juntadas nos autos de acusação coletiva afim de servirem de corretivo e exemplo-a-não-ser-seguido para proveito dos aspirantes ao ofício de escritor. Entretanto, creio entrever na áspera e sedutora superfície argumentativa ofertada pelo autor algumas pontas soltas que, se puxadas metodicamente, revelar-se-ão pontos de fuga para outras questões igualmente relevantes.

Desde o título e subtítulo do artigo somos levados a crer que

1. O escritor ruim está para a escrita ruim assim como a causa está para o efeito.
2. Podemos aprender boas lições mesmo ao defrontarmo-nos com uma escrita ruim.

Comecemos pelo segundo ponto.

Convenhamos que o autor deixou transparecer no título e, moto contínuo, no primeiro parágrafo, a noção da existência de dois aprendizados distintos e excludentes entre si, isto é, um feito por meio da leitura dos "consagrados" (e aí ele cita Proust e R. R. Martin) e outro realizado através da análise da escrita de autores enjeitados. No caso dos "consagrados" o aprendizado reveste-se de aspectos positivos, enquanto os enjeitados servem, por seus caracteres negativos, como alertas "do que não ser quando crescer".
Ora, tal distinção peca por implicitamente equacionar "consagrado" com "boa escrita" e aqui entramos no primeiro ponto.
Antes de se sair enumerando as insuspeitadas vantagens de ler textos de má qualidade é necessário divisar um mínimo de predicados que os compõe.
O autor até apresenta está sensibilidade quando elenca certos caracteres

Textos ruins [...] apenas são [...] egocêntricos, chatos, sem objetivo, estilo, sem bom uso da gramática ou da emoção.

como sintomas de má-escrita, porém é justamente neste instante que a problemática se adensa: uma porrada de autores "consagrados" possuem estes defeitos que aqui (ou seja, no artigo) parecem ser atribuídos somente a raia-miúda da literatura. A confusão fica ainda mais patente ao lermos "apenas são" referindo-se aos "textos ruins". Ninguém nega a verdade de tal assertiva, mas não seria temeridade colocar no mesmo balaio dois fenomênos tão distintos quanto o escrever mal e o "texto ruim"? No § 8° a situação é resumida de forma apressada, chegando-se a conclusão seguinte:

Há textos gramaticalmente impecáveis e sem nenhuma outra qualidade, assim como textos com pequenas falhas, mas que, no todo, são tocantes, originais e verdadeiros.

Este "no todo" é o fulcro da definição, pois pressupõe que as "pequenas falhas" ("pequenas" em sentido qualitativo ou quantitativo?) são absolvidas do Inferno da Irrelevância literária. Em última instância, O "consagrado" é aquele perdoado por seus eventuais pecados, enquanto o enjeitado é o que se afoga, sem salvação, num mar de procedimentos errôneos.

Contesto, ao menos em parte, este modo de dispor os elementos acima mencionados.

Apesar de a discussão sobre o canône parecer extremamente deslocada e impertinente neste momento, quero chamar a atenção para algo geralmente olvidado quando o assunto são os clássicos da literatura: um autor consagrado pode ter escrito mal e porcamente suas obras, sem que por isso deixe de ser um clássico.
Chutando de seu horizonte preocupações técnicas de forma e acabamento, a escrita de Dostoievski é repleta de porrada aleatória em vez de aceno ensaiado, empurrão hostil em lugar do requebro provocante. Onde outros suam para lapidar, ele se esgota só para tirar a pedra bruta, mas preciosa, de suas minas subterrâneas. Nada, porém, esconde o fato: Doistoievski escreve mal, nunca narrativas tão geniais foram executadas de maneira tão avacalhada. Ausentes estilo, elegância e harmonia, o que resta? Várias respostas são possiveis, menos o "só pode ser um texto ruim". Além disso,
Diversos trabalhos do Nabokov derramam-se num egocentrismo escancarado;
Thomas Bernhard encarnou um estilo tatibitate exasperante e, por mais que saibamos que é feito de forma deliberada, sua escrita insossa irrita justamente por ser a imagem da perfeita mediocridade;
A primeira parte do Quixote é linda... e entendiante. O estilo barroco modorrento adotado por Cervantes (felizmente modificado para um ritmo mais desembaraçado na segunda parte) é terrivelmente monótono, mas tal caracteristica é antes qualidade constitutiva do charme e apelo da narrativa cervantina do que defeito a ser absolvido por supostos outros méritos da obra., etc etc etc.
E é aqui que quero chegar em minha explanação: reconhecer os defeitos nos clássicos não é dizer "o verdadeiro escritor sabe superar os seus próprios defeitos e se alçar ao Panteão da Letras", mas sim "o verdadeiro escritor sabe jogar com seus próprios defeitos, seja de que ordem forem".
Recuperar o sentido do que é um clássico passa pela desmistificação do Canône. Eliminar o incenso e o pedestal é o primeiro passo para compreensão que beleza das obras consagradas encontra-se em grande parte na sua imperfeição.
Portanto, é desnecessário recorrer a estes pobres-diabos que passam noites em claro escrevendo os orgiásticos encontros entre o velociraptor sanguinário e a loura feroz para aprender as lições delineadas pelo Sr. Valter. Nem todos possuem a humildade da Melian, e por isto correm o risco de, ao cavucar este textos "de baixo orçamento linguistico", incorrerem no sentido inverso ao inicialmente pretendido. Ao invés de aprender, se divertirem à custa da sensaboria alheia; viciar-se na observação de corpos narrativos raquíticos leva-nos rapidamente até a falsa sensação de que já estamos musculosos e em perfeita forma.
Subscrevo a ideia geral do texto, pode-se aprender com tudo. Certo, só acrescento a este axioma o velho e batido conselho: meta-se com alguém do teu tamanho.
 

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