Lew Morias
Luck is highly overrated
Montanha de dados pode encobrir questões mais interessante |
Stuart Firestein
Ilustração de Oliver Munday |
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Uma das maneiras pelas quais os cientistas buscaram lidar com essa quantidade enorme de informações é por uma especialização cada vez maior, mas com resultados limitados. Como biólogo não esperaria ir além das duas primeiras sentenças ao ler um trabalho de física. Fico desconcertado até mesmo com estudos sobre imunologia, ou biologia celular (e com alguns sobre minha própria especialidade, a neurobiologia). A cada dia meu conhecimento parece mais limitado. Assim, os cientistas tiveram de recorrer a outra tática diante da selva de dados: ignorá-la em grande parte.
O que não chega a surpreender. Embora fundamental, com certeza, não é o conhecimento abrangente que faz o cientista, mas sim a ignorância. Por absurdo que pareça, os fatos, para esse profissional, não representam mais que um ponto de partida. Afinal, conforme uma observação sarcástica do dramaturgo George Bernard Shaw, num brinde a Einstein, a cada nova descoberta científica, surgem dez novas perguntas.
Com base nesse cálculo a ignorância estará sempre à frente do conhecimento. A ideia de que apesar de tudo que já aprendemos há muito mais a examinar é consenso entre cientistas e leigos. Um ponto ainda mais relevante é que, diariamente, descobrimos que há cada vez mais coisas para conhecer. Uma das principais consequências do conhecimento científi co é o desenvolvimento de formas novas e aprimoradas de sermos ignorantes. Não se trata, aqui, do que se associa, em geral, à falta de curiosidade ou educação, mas de uma qualidade culta e refi nada. Esta é a essência do trabalho do cientista: a distinção entre as conotações diversas desse mesmo conceito, tanto ao elaborar pedidos de subvenção como ao tomar uma cerveja durante suas reuniões. Nas palavras de James Clerk Maxwell, provavelmente o maior físico entre as épocas de Newton e Einstein: “A consciência plena da ignorância é o prelúdio de todo progresso o conhecimento”.
Essa visão da ciência (como mais relacionada a perguntas que a respostas) deveria proporcionar certo alívio já que a torna menos ameaçadora, muito mais acessível e, até mesmo, divertida, à medida que passa a ser uma série de elegantes enigmas embutidos uns nos outros (e quem não gosta desse tipo de passatempo?). Além disso, as indagações ganham maior clareza e, muitas vezes, revelam- se mais interessantes que as respostas que, em geral, marcam a conclusão do processo enquanto perguntas nos mantêm no meio do turbilhão.
Apesar do meu vistoso doutorado, não tenho grande compreensão sobre imunologia, mas essa mesma limitação existe entre a maioria dos profissionais da própria área. Hoje, ninguém mais sabe tudo. Ainda assim entendo as dúvidas que impulsionam essa área da biologia e, ainda que não tenha pretensão de conhecer a física quântica em profundidade, estou ciente da forma como surgem as questões desse campo e os motivos pelos quais são tão fundamentais. Enfatizar a ignorância é uma forma de inclusão: permite que todos se sintam mais iguais, da mesma maneira que o infinito põe todos em sua devida proporção.
Mais recentemente essa característica da ciência tem ficado em segundo plano por parte do público. Ao menos em relação ao que denomino visão cumulativa, em que a ciência tem uma quantidade tão grande de fatos que não devemos nos iludir com a esperança de um dia poder dominá-la. Mas, se os cientistas se dispusessem a falar sobre suas pesquisas, em vez de escrever longuíssimos textos cansativos recheados de jargões; se a mídia relatasse não só as novas descobertas, mas também as questões que respondem e suscitam; e se os educadores parassem de transmitir informações já disponíveis na Wikipédia; talvez conseguíssemos sentir o público mais uma vez envolvido nessa grande aventura que atravessa 15 gerações.
Assim, ao conhecer um cientista, não se deve perguntar o que ele sabe, mas o que deseja saber. Essa abordagem renderá uma conversa muito mais interessante – para ambas as partes.
Fonte
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Texto muito bacana publicado na Scientific American Brasil de maio (tô atrasado com a leitura, eu sei ). Acho fundamental o ponto que o autor toca sobre a ciência estar diretamente vinculada as perguntas, não as respostas. São as perguntas que fazem a diferença, que fazem com que nós avancemos. Os professores vivem tocando nesse ponto com a gente: oh, galera, o bom cientista não é aquele que dá boas respostas, mas aquele capaz de formular as boas perguntas. É triste ver que, em geral, as pessoas veem a ciência como uma máquina de respostas e fórmulas prontas.
O texto toca diversos outros pontos interessantes, mas enfim, a medida que vocês forem comentando eu comento também.