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O que a Ciência deseja saber

Lew Morias

Luck is highly overrated
Montanha de dados pode encobrir questões mais interessante


Stuart Firestein
Ilustração de Oliver Munday
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A maioria dos acadêmicos admite a probabilidade de que Isaac Newton, ao formular as leis da gravidade e inventar o cálculo diferencial, no fi nal do século 17, dominasse todo o conhecimento científico da época. Estima-se que, nos 350 anos seguintes, tenham sido publicados cerca de 50 milhões de trabalhos de pesquisa, além de inúmeros livros, nos campos da matemática e das ciências naturais. É bem possível que, hoje, os estudantes do ensino médio saibam mais sobre esses assuntos que o grande gênio, mesmo assim, a ciência ainda é vista como uma selva impenetrável de dados.

Uma das maneiras pelas quais os cientistas buscaram lidar com essa quantidade enorme de informações é por uma especialização cada vez maior, mas com resultados limitados. Como biólogo não esperaria ir além das duas primeiras sentenças ao ler um trabalho de física. Fico desconcertado até mesmo com estudos sobre imunologia, ou biologia celular (e com alguns sobre minha própria especialidade, a neurobiologia). A cada dia meu conhecimento parece mais limitado. Assim, os cientistas tiveram de recorrer a outra tática diante da selva de dados: ignorá-la em grande parte.

O que não chega a surpreender. Embora fundamental, com certeza, não é o conhecimento abrangente que faz o cientista, mas sim a ignorância. Por absurdo que pareça, os fatos, para esse profissional, não representam mais que um ponto de partida. Afinal, conforme uma observação sarcástica do dramaturgo George Bernard Shaw, num brinde a Einstein, a cada nova descoberta científica, surgem dez novas perguntas.

Com base nesse cálculo a ignorância estará sempre à frente do conhecimento. A ideia de que apesar de tudo que já aprendemos há muito mais a examinar é consenso entre cientistas e leigos. Um ponto ainda mais relevante é que, diariamente, descobrimos que há cada vez mais coisas para conhecer. Uma das principais consequências do conhecimento científi co é o desenvolvimento de formas novas e aprimoradas de sermos ignorantes. Não se trata, aqui, do que se associa, em geral, à falta de curiosidade ou educação, mas de uma qualidade culta e refi nada. Esta é a essência do trabalho do cientista: a distinção entre as conotações diversas desse mesmo conceito, tanto ao elaborar pedidos de subvenção como ao tomar uma cerveja durante suas reuniões. Nas palavras de James Clerk Maxwell, provavelmente o maior físico entre as épocas de Newton e Einstein: “A consciência plena da ignorância é o prelúdio de todo progresso o conhecimento”.

Essa visão da ciência (como mais relacionada a perguntas que a respostas) deveria proporcionar certo alívio já que a torna menos ameaçadora, muito mais acessível e, até mesmo, divertida, à medida que passa a ser uma série de elegantes enigmas embutidos uns nos outros (e quem não gosta desse tipo de passatempo?). Além disso, as indagações ganham maior clareza e, muitas vezes, revelam- se mais interessantes que as respostas que, em geral, marcam a conclusão do processo enquanto perguntas nos mantêm no meio do turbilhão.

Apesar do meu vistoso doutorado, não tenho grande compreensão sobre imunologia, mas essa mesma limitação existe entre a maioria dos profissionais da própria área. Hoje, ninguém mais sabe tudo. Ainda assim entendo as dúvidas que impulsionam essa área da biologia e, ainda que não tenha pretensão de conhecer a física quântica em profundidade, estou ciente da forma como surgem as questões desse campo e os motivos pelos quais são tão fundamentais. Enfatizar a ignorância é uma forma de inclusão: permite que todos se sintam mais iguais, da mesma maneira que o infinito põe todos em sua devida proporção.

Mais recentemente essa característica da ciência tem ficado em segundo plano por parte do público. Ao menos em relação ao que denomino visão cumulativa, em que a ciência tem uma quantidade tão grande de fatos que não devemos nos iludir com a esperança de um dia poder dominá-la. Mas, se os cientistas se dispusessem a falar sobre suas pesquisas, em vez de escrever longuíssimos textos cansativos recheados de jargões; se a mídia relatasse não só as novas descobertas, mas também as questões que respondem e suscitam; e se os educadores parassem de transmitir informações já disponíveis na Wikipédia; talvez conseguíssemos sentir o público mais uma vez envolvido nessa grande aventura que atravessa 15 gerações.

Assim, ao conhecer um cientista, não se deve perguntar o que ele sabe, mas o que deseja saber. Essa abordagem renderá uma conversa muito mais interessante – para ambas as partes.

Fonte

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Texto muito bacana publicado na Scientific American Brasil de maio (tô atrasado com a leitura, eu sei
:oops:). Acho fundamental o ponto que o autor toca sobre a ciência estar diretamente vinculada as perguntas, não as respostas. São as perguntas que fazem a diferença, que fazem com que nós avancemos. Os professores vivem tocando nesse ponto com a gente: oh, galera, o bom cientista não é aquele que dá boas respostas, mas aquele capaz de formular as boas perguntas. É triste ver que, em geral, as pessoas veem a ciência como uma máquina de respostas e fórmulas prontas.

O texto toca diversos outros pontos interessantes, mas enfim, a medida que vocês forem comentando eu comento também. XD
 
Achei o texto muito bom.

Eu acho que o grande problema nos dias de hoje é que a pesquisa é feita para satisfazer exigências burocráticas.

Hoje em dia é raro você encontrar um pesquisador apaixonado pela sua área, hoje em dia as pessoas fazem pesquisas como um meio para alcançar status.

Hoje em dia a sociedade não da valor para perguntas. Hoje em dia o que vale é publicação, é resposta, é novas metodologias. É a ciência aplicada. Imediatismo.
 
Lembrei de um texto (acho que do New York Times) de 96 falando sobre como a quantidade de informação inútil estava soterrando o foco das informações relevantes.

Eu mesmo acesso, por diversão, excetuando-se os links secundários, redes sociais e endereços indiretos encontrados em páginas e endereços ocasionais uma média de pelo menos 120 Homepages toda semana, as vezes mais de uma vez. Isso porque pra evitar absorção passiva de ciência é preciso filtrar, comparar e cruzar os dados e aqui no Brasil parte do público de revistas divulgadoras de ciência tem sofrido um bocado com isso estando mais próximo de uma torcida de futebol do que com pensadores e aí entra esse texto do tópico que veio em muito boa hora.

Massificar o ensino do método de fazer ciência é fácil (até se tornou numa indústria) mas ainda não se encontrou mesmo em países desenvolvidos um modo de transmitir em massa o domínio dos fundamentos da busca dos fatos e da realidade. Para se fazer isso é preciso alto investimento e não se trata exatamente de dinheiro.

Um dos efeitos disso é que surge um público que lê apenas manuais de instrução e não tem interesse em ler outras coisas (na China tem acontecido muito disso). E um leitor que ficar apenas atrás do significado técnico de uma leitura é muito pobre e arriscado porque o mundo funciona de forma mais fluida que um manual técnico (todos os professores do vestiba recomendavam que se lesse também material fora do didático porque o que faz a diferença não está no padrão). E por isso eu recentemente andava lendo e acessando mais a revista Mente e Cérebro ou a Fapesp do que a Sciam-BR que é uma boa revista mas o foco dela me parecia não se preocupar com algumas questões importantes.

As perguntas funcionam como algoritmos e na prática fazem uso do poder hipnótico e psicológico da palavra no leitor para despertar interesse. A partir de uma pergunta maior partem setas que criam outras perguntas e tudo terá um nome que chamamos de resposta. Se não houver domínio do significado das coisas, da origem e utilidade das palavras que formulam a primeira pergunta então as perguntas menores podem ficar comprometidas. Isso significa criar oportunidade de participação.

Na minha opinião a ciência tende a ser usada pelo homem mas o que ela estuda vai além do domínio do homem (a parte oculta do conhecimento). Na ciência existe hora certa pra tudo, para a dúvida e para a fé porque o homem e a natureza são assim, mas isso não é tudo. Cada pergunta traz marcas de sua história e uma pergunta feita em um lugar e momento diferentes pode ser com efeito diferente. Essa diferença existe porque a própria distribuição de recursos no espaço do universo se tornou tão desigual a ponto de não sabermos até onde isso influencia. No livro Tao Teh King se diz que o sábio também age pelo não agir e se aplicamos essa passagem no conceito de ciência significa dizer que o conhecimento que ela ignora influencia no resultado do pesquisador.

Eu tinha lido que havia uma espécie de atrito entre Lao Tse (autor do Tao Teh king) e Confúcio, em que a medicina holística (para curar problemas) tinha sido influenciada mais por Confúcio sendo que Lao é mais profundo e mais difícil de interpretar porque se diz que muitos pegaram o conhecimento distorcido de Confúcio. Em todo caso me vem a mente que se trata de buscar a ciência de um modo saudável, mais do que ser digno de estudá-la. Isso está mais próximo do que é justo do que do sonho.
 
Esse texto é muito bom, e abre espaço para discutir essa conclusão: se a ciência não tem resposta então vamos achar outra resposta?! Não é papel da ciência responder tudo, quanto mais rápido as pessoas aceitarem isso melhor, como disse o Shaw: a cada pergunta respondida surge outras 3 perguntas, assim se constrói a ciência, com dúvidas não com respostas, o que motiva a ciência são as dúvidas.
 
Última edição:
Ocorre de a pesquisa convencional precisar do "efeito túnel" e não poder ser usada sempre pra investigar o mundo.

Vivemos numa realidade complexa em que nem tudo são regras (o que não quer dizer que não seja inteligente). Se a ciência depende do homem nós temos que saber usar o efeito túnel na hora certa.

Estava lendo outro dia que esse efeito pode ser benéfico ou prejudicial. No caso de empreendedores e estudiosos brilhantes que se tornam criminosos esse efeito pode corromper as leis e com ela a visão saudável do mundo (e por isso haveria tantas raposas na política), por focar apenas um fundamento e negar a importância de outros. Por exemplo, o banco tem muito dinheiro então vou lá no cofre e pego tudo para mim porque preciso de dinheiro. Esse é um exemplo do efeito túnel, a pessoa se preocupa com apenas um fundamento ou com um número pequeno de fundamentos como o de que precisar do dinheiro, mas existem argumentos mais importantes que esse e ela pode ir para a cadeia.

Outras relações que podem ser obtidas desse efeito estão nas crianças com autismo que evitam comunicação com o mundo e focam a atenção apenas em uma parte dele. Alguns pedagogos dizem que se torna freqüente o público dos cursos de exatas adquirirem uma relação de amor e ódio com livros (muitos não gostam de ler nem de literatura nem de comunicação) porque o foco de humanas está em descrever uma parte da realidade que também existe, mas que usa outra parte da mente e da realidade. De modo que não é de se admirar que teóricos de exatas estejam em falta.
 
A gente vai se especializando e ficando burro XD. Ele é da aula de biológicas e me lembro de um curso que eu tive de bioinformática que falava da fragmentação do conhecimento e perda da visão do todo. Os sistemas não são coisas isoladas. Eles interagem entre si a todo momento e essa interação é importante para saber como eles vão se comportar. O exemplo da imunologia que esse cara citou é um exceletente exemplo, pois ela já surgiu isolada, cresceu junto da microbiologia, e o sistema imune faz parte do organismo vivo e da fisiologia, não é um ET dentro do corpo criado "para defender". No dia dia talvez eu veja mais essa fragmentação na medicina, em que a partir de um sintoma você vai ter uma opinião do cardiologista, que é diferente do neurologista, que é diferente do reumatologista, que é diferente do dermatologista e assim vai.
 
Essa fragmentação está em todas as áreas, Pearl. Você citou o exemplo da medicina, eu posso citar da física. Durante o curso a gente vê as disciplinas todas separadinhas, como se fossem independentes e tals. Daí, você consegue um projeto de iniciação e BAM! Tá tudo misturado. No meu, por exemplo, vejo conceitos trabalhados em aulas de termodinâmica, eletromagnetismo, quântica e física estatística. Na hora de analisar um sistema real, não tem como você ficar compartimentando as coisas. Você vê que um cara é diferenciado quando ele consegue conectar várias áreas. Com tanta informação, discernir o que é relevante no estudo e ter a capacidade de relacionar isso com conceitos de 'outras áreas' é extremamente difícil.

E essa divisão também cria rixas que, além de desnecessárias, são extremamente prejudiciais. Tipo, o cara que faz física e não tem o menor interesse na área de biológicas ou vice-versa. Tudo bem que é impossível você ser versado em todas as áreas do conhecimento humano, mas ao menos ler um pouco de cada coisa, tentar entender como as outras áreas funcionam, o que estudam, ainda que de maneira bem superficial, eu acho interessante, quase necessário, na vida de qualquer pessoa. Se a pessoa deseja trabalhar com ciência então, isso é fundamental.
 

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