Que bela obra-prima é esse novo filme do alemão Tom Tykwer (Corra, Lola, Corra). Quando o nível de envolvimento com um filme vai além do intelectual e do emocional, para o sensorial, é porque temos aqui algo digno de nota. Se as expectativas já eram altas para a adaptação de um romance que o próprio Kubrick considerava infilmável, Tykwer as supera em muito com essa surpreendente história centrada no mais intangível dos sentidos, o olfato. É mostra de exímia competência quando uma imagem nos traduz o mais fétido dos cheiros, ou o mais sublime dos perfumes.
O anti-herói da história chama-se Jean-Baptiste Grenouille (Ben Whishaw). Nascido em meio a um mercado de peixes numa Paris imunda, Grenouille é dotado de um curioso dom sobre-natural para o olfato: não há aroma que lhe escape. Num mundo que não poderá lhe oferecer prazer maior que o dos cheiros, por que Grenouille tentaria outra coisa senão buscar o odor perfeito? É essa a motivação do protagonista, o que o leva por um escuro mundo de obsessão e violência, pois é na morte do corpo feminino que Grenouille encontra seu maior perfume. Buscando meios de preservar o efêmero, ele pede a ajuda do, outrora famoso, perfumista Baldini (Dustin Hoffman), e com o conhecimento ganhado parte em uma jornada para confeccionar sua grande obra, o perfume perfeito, feito da essência de 12 mulheres - o que significa que ele terá que matá-las para isso. Nasce assim um dos mais insanos, macabros - e simpatizantes em sua imoralidade e perfeccionismo - dentre os serial-killers já criados. Com a excelente atuação do promissor Whishaw, não duvidamos nunca das motivações do assassino, por mais vis que sejam. Perfume é um filme sombrio, e assim permanece o tempo todo (o que talvez seja um empecilho para alguns). Não há em Grenouille um fundo dramático ou emocional pelo qual nos identificamos, ou que sirva como uma maneira de redenção por seus atos. Grenouille só não nos é totalmente detestável pois seus atos possuem uma natureza dúbia; que seus meios são cruéis, disso não se tem dúvida, mas não seriam eles apenas consequência do seu constante perfeccionismo? Não terão as mortes servido a um propósito maior? Perfume não é um filme fácil de se absorver, questões como esta são pertinentes à história. Tykwer, acompanhado por um ótimo roteiro, não cria concessões em acompanhar a trajetória de Grenouille (cujos insights são fornecidos por uma apropriada narração de John Hurt) com um certo tom de admiração. Nota-se isso como, em meio aos cenários decadentes da França (uma excelente direção de arte, diga-se de passagem), os raros momentos de beleza advém do trabalho de Grenouille. Cenas como a que ele tenta prender o cheiro de sua primeira vítima, ou quando Baldini experimenta pela primeira vez um perfume feito por Grenouille são belíssimas e hipnóticas, enquanto outras, como a do seu nascimento, chegam a ser asquerosas.
Além dos visuais, a construção da história e dos personagens também é feita com esmero. Hoffman consegue transmitir as emoções de um perfume com uma expressão no rosto. Whishaw consegue nos passar todos os tormentos e desejos de seu personagem. O final da história traz um desfecho simbólico e fantasioso, ainda que controverso. A narrativa une perfeitamente a estética com o conteúdo. Perfume é um trabalho digno de seu protagonista.
OBS: Obrigado a Patrick Süskind por criar a maior orgia do mundo.