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O linnod, ou o haikai élfico

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Nos apêndices do Senhor dos Anéis, mais especificamente na parte (v) do apêndice A, existe esse trecho:

"Mas ela [Gilraen, mãe de Aragorn] respondeu apenas com este linnod:
Ónen i estel Edain, ú-chebin estel anim."

E nas notas de rodapé está a tradução do linnod: "dei esperança aos dúnedain, não guardei nenhuma esperança para mim".

Bom, aqui quero discutir duas coisas: (i) o que é linnod e porque decidi que o título seria esse, sendo que a palavra não possui tradução e não aparece em nenhum outro escrito, e (ii) apresentar um pouco da língua sindarin, que é a minha favorita dentro do universo tolkieniano.

Como dito no parágrafo anterior, linnod não tem tradução então duas teorias surgiram. Ambas concordam que o radical da palavra é lind, "canção", mas divergem no sufixo:

A primeira, desenvolvida por David Salo (o mesmo que trabalhou nas línguas tolkienianas pra trilogia dirigida pelo Peter Jackson), diz que o sufixo é -od, que marca o singular de um coletivo, ex. filig "pássaros" e filigod "um pássaro", logo linnod significa "verso", que juntos formam a letra de uma canção. Faz sentido dentro do que Tolkien ofertou no trecho supramencionado, mas a teoria desenvolvida por Patrick Wynne e Carl Hostetter me agrada mais. Nela, o sufixo tem origem na palavra odo, "sete", e por isso linnod é uma espécie de métrica poética dos elfos (ou da Terra-média) onde cada verso possui sete sílabas (Ó-nen i es-tel E-dain, ú-che-bin es-tel a-nim).

A teoria de Wynne e Hostetter me parece maravilhosa e disso que vem a minha comparação com o haikai: essa métrica é composta por 17 sílabas, normalmente dividas em 5-7-5 em cada verso. Para exemplificar isso, um haikai do Paulo Leminski:

"Essa ideia
ninguém me tira
matéria é mentira."

Bom, já para a segunda parte, começo pela própria palavra-tema do tópico, quando há -nt ou -nd em sindarin e existe a necessidade de um novo sufixo, essas formas se transformam em -nn-, ou seja, um "n longo".

Ónen / onen: (eu) dei. Conjugação do verbo anna-, "dar". A conjugação é irregular, e em algumas edições aparece com e em outras sem acento agudo. O verbo é transitivo direto, ou seja, o objeto não precisa de preposição.
i: o, a. Artigo definido (não existe gênero gramatical no sindarin). A inexistência de um artigo definido marca a existência de um artigo indefinido. Logo: i estel, "a esperança", e estel, "uma/alguma/nenhuma esperança".
estel: esperança.
Edain: dúnedain. Tanto Edain quanto Dúnedain são os plurais de Adan e Dúnadan. A primeira é usada pra todos os povos humanos (chamados de homens nas obras), enquanto a segunda é mais especificamente para os numenorianos e seus descendentes. Acontece que Adan pode ser também uma forma curta de Dúnadan, já que essa última é formada por dûn, "oeste", e Adan.
ú-chebin: (eu) não guardei, mantive, retive. O verbo é composto pelo prefixo ú-, "não", radical heb-, "guardar, manter, reter" e a conjugação (regular, mas anna- e heb- são tipos diferentes de verbos). A mudança de h para ch é devido as mutações consonantais que ocorrem nas palavras.
anim: contração de na, "para", e im, "eu".

Espero que essas informações causem tanto entreterimento pra vocês quanto causou pra mim. Abraço.
 
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Só lembrando que o lance de 17 sílabas não é sempre usado por todos os autores. O próprio Paulo Leminski nem sempre seguia esse esquema. Na verdade na maioria das vezes não seguia. Também depende do idioma. Por exemplo, em inglês as palavras são mais curtas então se a pessoa quiser obrigatoriamente fazer um haicai de 17 sílabas nesse idioma o poema pode ficar um pouco longo (quer dizer, longo pros padrões dos haicais).

Bom texto @24601 obrigado por compartilhar conosco.
 
Só lembrando que o lance de 17 sílabas não é sempre usado por todos os autores. O próprio Paulo Leminski nem sempre seguia esse esquema. Na verdade na maioria das vezes não seguia. Também depende do idioma. Por exemplo, em inglês as palavras são mais curtas então se a pessoa quiser obrigatoriamente fazer um haicai de 17 sílabas nesse idioma o poema pode ficar um pouco longo (quer dizer, longo pros padrões dos haicais).
Sim, a métrica que mencionei de é do haikai tradicional, mesmo no Japão os autores não seguem sempre isso.
 
Última edição:
Quando li sobre os haicais japoneses (acho que era um livro organizado pelo Paulo Franchetti), uns vinte anos atrás, não mencionavam a quebra dessa convenção (talvez seja coisa mais recente; acho que os Bashô da vida respeitavam a métrica rígida); no Brasil eu sei que a coisa se tornou um vale-tudo desde há décadas. Quer dizer, um terceto qualquer, quando sozinho, vem sendo chamado de haicai por muitos (Leminski, Millôr, etc.) o que é, ao meu ver, um desserviço à fôrma poética — mas nem tanto pela quantidade de sílabas, e sim porque ignoraram o essencial da fôrma: o kigo para referir uma estação do ano, a ausência de um eu lírico subjetivo, a ausência de rimas e outros pormenores. Aqui sempre imperou essa discussão um tanto boba sobre ser necessário fazer 5-7-5 (e eu acho que caberia uma certa liberdade sobre essa base, mas algo como no máximo uma sílaba a mais ou a menos em cada verso, digamos, para evitar aberrações do tipo 3-5-8, por exemplo, que descaracterizariam demais o ritmo da coisa) quando eu acho que essas outras questões técnicas são muito mais pertinentes à manutenção do espírito do haicai. Os haicais guilherminos, por exemplo, por mais que sejam muito bonitos e verdadeiros exemplos de virtuosismo poético, a rigor são completamente avessos ao espírito do haicai, e só continuamos a chamá-los assim, me parece, por falta de um termo próprio. "Terceto" acaba nos remetendo a algo livre com três versos, e "poetrix" é... bem, simplesmente brega demais para ser levado a sério.

O que me espantou no seu post foi ter dito que o haicai do Leminski estaria ali "para exemplificar isso" [a métrica antes referida: 5-7-5], quando ele não serve para tal. :think:
Mas isso aí no fundo é uma discussão para outra parte do fórum, claro; eu me alonguei demais em considerações acerca do haicai.

Só que tem um problema. Se os linnod forem traduzidos como meros heptassílabos, como sugerido por Wynne e Hostetter, não haveria nenhuma razão para supô-los breves como um haicai (três versos), embora o exemplo dado seja até mais curto (dois versos). Poderíamos imaginar linnod enormes, com versos de sete sílabas...? Me parece que o corpus para análise é exíguo demais para tirar qualquer conclusão; mas a julgar pela proximidade de Tolkien com a literatura anglo-saxã, e até onde sei nenhuma com a japonesa, seria de imaginar que os linnod fossem algo mais próximo à poesia aliterativa do Beowulf, e cada "verso" do exemplo poderia ser apenas umas das partes de um verso aliterativo, divididos pela cesura. Ou ainda, os linnod poderiam ser apenas dísticos sucintos para encerrar uma ideia breve, do tipo que se gravava em vasos e outros objetos na Grécia Antiga. O haicai, como eu mencionei, tem características outras bem mais importantes que a quantidade métrica. Mas estou aqui só palpitando mesmo, porque deu um tediozinho. Me ignorem. :timido:
 
O que me espantou no seu post foi ter dito que o haicai do Leminski estaria ali "para exemplificar isso" [a métrica antes referida: 5-7-5], quando ele não serve para tal. :think:
Mas isso aí no fundo é uma discussão para outra parte do fórum, claro; eu me alonguei demais em considerações acerca do haicai.
Por isso coloquei o advérbio normalmente.

Só que tem um problema. Se os linnod forem traduzidos como meros heptassílabos, como sugerido por Wynne e Hostetter, não haveria nenhuma razão para supô-los breves como um haicai (três versos), embora o exemplo dado seja até mais curto (dois versos). Poderíamos imaginar linnod enormes, com versos de sete sílabas...? Me parece que o corpus para análise é exíguo demais para tirar qualquer conclusão; mas a julgar pela proximidade de Tolkien com a literatura anglo-saxã, e até onde sei nenhuma com a japonesa, seria de imaginar que os linnod fossem algo mais próximo à poesia aliterativa do Beowulf, e cada "verso" do exemplo poderia ser apenas umas das partes de um verso aliterativo, divididos pela cesura. Ou ainda, os linnod poderiam ser apenas dísticos sucintos para encerrar uma ideia breve, do tipo que se gravava em vasos e outros objetos na Grécia Antiga. O haicai, como eu mencionei, tem características outras bem mais importantes que a quantidade métrica. Mas estou aqui só palpitando mesmo, porque deu um tediozinho. Me ignorem. :timido:
Bom, eu usei (ou ao menos tentei usar) humor e licença poética na comparação. Não estou de fato dizendo que o linnod e haikai são iguais ou semelhantes nem que o haikai se resume a uma mera métrica, mas que a ideia de métrica existe em ambas e, para nós brasileiros, há muito mais proximidade com haikais do que com a literatura anglo-saxã arcaica. Ainda, há em alguns dicionários sindarin que consideram que linnod seria uma máxima ou um provérbio ou um ditado popular, ou seja, seriam por si só curtos. Mas eu entendo o linnod como um tipo de poesia que sim poderia ser extenso como Os Lusíadas, mas que por falta de recursos, temos apenas o (suposto) conhecimento da métrica, sendo assim, não há mais nada que possa ser usado para comparação ou explicações, ficando tudo no campo teórico.

(grifo meu)

Peço perdão por minha ignorância do élfico-cinzento, o qual de fato nunca estudei; mas não seria ónen (quenya ánen) do verbo anna- (q. anta- )?
Sim, foi desatenção minha na hora de escrever. Vou corrigir, junto com alguns outros erros que percebi.
 
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