Curioso… Muitas vezes ouvi meus professores na faculdade de comunicação (assim como outras pessoas) questionando a credibilidade do Fantástico. O caso é que o programa que há décadas traz o “show da vida” para milhares de lares brasileiros apresentou uma breve matéria domingo passado (3/6/2012), sobre a recente revelação de que, após o reboot da DC Comics, o Lanterna Verde da década de 1940 teve sua orientação sexual modificada. Assunto amplamente discutido é verdade, mas, insisto, com relevância apenas pela mídia especializada em quadrinhos.
A matéria foi “ilustrada” por imagens do filme do Lanterna Verde (2011) e de desenhos animados. Abordou o pedido de casamento do x-man Estrela Polar, citou a posição de Barack Obama sobre homossexualidade e contou até com a presença do premiado quadrinhista brasileiro Rafael Grampá (Mesmo Delivery) – mas os jornalistas responsáveis pela matéria, não duvide, pintaram e bordaram, pra dizer o mínimo.
Parece que não houve como resistir a ridicularizar o tema… Tadeu Schmidt não poupou na sua típica locução pra lá de irônica na reportagem. Bom… Tudo bem… Agora vamos problematizar algumas coisas, voltando ao início deste modesto texto de caráter intrinsecamente opinativo.
Na faculdade é comum que se aprenda a importância de focar o objeto de estudo, independente do que seja. É assim que fugimos da armadilha de “generalizar” sobre um tema e do comodismo de recorrer e dissertar sobre o senso comum. A “fantástica” matéria foi triste de assistir e, em minha opinião, deprecia tais quadrinhos e o que eles, de fato pretendem (e mesmo que não pretendam nada).
O que se viu foi uma sucessão de elementos característicos do discurso de quem não lê ou conhece quadrinhos, houve apenas o deboche (como se existisse motivo pra debochar da mudança). Tudo bem, quadrinhos, assim como qualquer outra coisa, não devem ser levados a sério demais, mas a forma como tudo foi levado ao ar é danosa. Creio que todo esse “humor” colabora com o senso comum a respeito de uma série de coisas que fazem dos quadrinhos uma leitura “menor”.
Nem Grampá escapou. Tenho certeza de que uma longa gravação entre repórter e artista se viu transformada em duas ou três frases sofríveis escolhidas para manter o “tom” da matéria narrada por Schmidt. Citaram a famosa entrevista para a revista Playboy em que veterano escritor Grant Morrison (Corporação Batman, All Star Superman) disse que o Batman é “muito, muito gay”, mas com o mínimo contexto possível.
Quando Morrison se referiu ao Batman, afirmou que o personagem é hétero, mas os elementos que compõe sua mitologia é que são gays. É diferente. E é engraçado que Denny O’Neil, escritor responsável pelo resgate da seriedade nas HQs do Homem Morcego (muito antes de Frank Miller) não seja considerado quando afirma que os elementos que nos fazem admirar o Batman sejam seu universo sombrio e sua humanidade.
Que engraçadinho da matéria mostrar uma tira dos anos 1950 com Bruce e Dick acordando na mesma cama. Que engraçadinho a forma de dizer que “até o Wolverine” vai estar na cena do casamento do mutante Estrela Polar com seu namorado. Isso sem mencionar os depoimentos (totalmente senso comum) de algumas pessoas sobre quem eles acham que vai sair do armário agora (faça o teste e pergunte aí pra algum amigo que não lê quadrinhos o que ele acha de Batman e Robin… Isso é senso comum – com motivos ou não). Ah, Tadeu… como você é engraçadinho!
Com o tanto de imagens do Hal Jordan do filme exibidas na edição da matéria, aposto que tem muita gente achando agora que ele é o Lanterna gay e não Alan Scott, que deveria ter sido mostrado, bem como os motivos da mudança (que existem – bons ou não, o escritor James Robinson sugeriu que ele fosse homossexual em substituição ao filho, o personagem Manto Negro, que não vai existir na Terra 2).
Pediram ao Grampá para criar um super-herói gay (e a arte foi alvo das observações engraçadinhas de Tadeu Schmidt), mas, por sorte (!) o artista gaúcho pôde “defender” seu trabalho.
Como dar crédito a uma matéria que fez isso? Disseram até que o Grampá é paulista! Ele é do Rio Grande do Sul, caros repórteres globais! Me perdoem, mas a imprensa mais ampla quase sempre dá uma série de caneladas quando o assunto são os quadrinhos. Nisso eles parecem especialistas (mas com raras, preciosas e justas exceções, claro).
No Brasil, se você curte a nona arte, quase tem um dever de esclarecer aos demais que quadrinhos não se tratam de algo infantilóide. O Fantástico é um programa destinado às massas, mas também pretende ser uma vitrine do jornalismo feito com o famoso “padrão de qualidade” global.
Quem entende de quadrinhos sabe que, na forma como TUDO foi mostrado, o programa não merece mesmo nenhuma credibilidade. Fato jornalístico. Fato acadêmico. Fato.