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O fio das missangas - Mia Couto

"A missanga, todos a veem. Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo."

"A vida é um colar. Eu dou o fio, as mulheres dão as missangas. São sempre tantas as missangas." É assim que o donjuanesco personagem do conto "O fio e as missangas" define a sua existência. Fazendo jus a essa delicada metáfora, cada uma das 29 histórias aqui agrupadas alia sua carga poética singular à forma abrangente do livro como um todo - vale dizer, ao colar em questão. Com um texto de intensidade ficcional e condensação formal raras na literatura contemporânea, Mia Couto demora-se em lirismos que a sua maestria de ourives da língua consegue extrair de uma escrita simples, calcada em grande parte na fala do homem da sua terra, Moçambique, um pouco à maneira de Guimarães Rosa, ídolo confesso do autor.
A brevidade das pequenas tramas e sua aparente desimportância épica estão focadas na contemplação de situações, de personagens, ou simples estados de espírito plenos de significados implícitos, procedimento típico da poesia. Os neologismos do autor, a que os leitores já se habituaram, para além de mera experimentação formalista revelam-se chaves fundamentais de interpretação da leitura.
Não por acaso, a maioria dos contos de O fio das missangas adentram com fina sensibilidade o universo feminino, dando voz e tessitura a almas condenadas à não-existência, ao esquecimento. Como objetos descartados, uma vez esgotado seu valor de uso, as mulheres são aqui equiparadas ora a uma saia velha, ora a um cesto de comida, ora, justamente, a um fio de missangas. "Agora, estou sentada olhando a saia rodada, a saia amarfanhosa, almarrotada. E parece que me sento sobre a minha própria vida", diz a narradora de uma dessas belíssimas "missangas" literárias.

Companhia das Letras
R$ 34,00

Fonte: http://www.companhiadasletras.com.br/
 
RE: [Lançamento] O fio das missangas - Mia Couto

Lord_Ueifoul, deletei seu outro tópico pq aparentemente ele foi publicado em duplicidade.
 
RE: [Lançamento] O fio das missangas - Mia Couto

A única coisa que eu li do Couto foi o primeiro conto desse mesmo livro. Parece-me interessante, mas ao mesmo tempo parece... Falta alguma coisa pra mim. Mas li pouquíssimo, preciso me aprofundar...

Se bem que se foi ele mesmo que se sujeitou ao negócio do flamingo na FLIP... Parece um tanto decepcionante. haha
 
RE: [Lançamento] O fio das missangas - Mia Couto

Contos de Mia Couto recriam a linguagem de Guimarães Rosa
DANIEL BENEVIDES

A primeira impressão quando se abre "O Fio das Missangas", mais recente livro de contos do moçambicano Mia Couto, é que se trata de um livro leve e despretensioso. São, afinal, 29 narrativas bem curtas, de tênue estrutura narrativa, montadas muito sobre não-ditos. Á medida que se avança pelas páginas no entanto, descobre-se uma linguagem de alta voltagem poética e densidade dramática.

A magreza aparente dos contos -- cada qual uma missanga -- traz embutidas paixões humanas das mais universais: amores desfeitos, vinganças, suicídios, loucura, traições, incesto, a melancolia da perda, violência.

Algumas histórias têm um certo clima de realismo fantástico, que se confunde um pouco com as lendas populares de Moçambique. Em "Peixe para Eulália", por exemplo, há barcos que se remam no ar e olhos que saem de suas órbitas. Florinha, mulher desejada em "O Caçador de Ausências", transforma-se em leopardo. E em "Inundação" há um rio que invade as casas num piscar de olhos, como se tivesse vida própria.

Muitas, mais terrenas, dão conta de desamores e desconfianças. Meia culpa, meia própria culpa é a confissão da mulher que matou o marido: "O meu Seis estava todo pronunciado no chão. Decorado com sangue, aos ímpetos, mapeando o soalho." História que se repete, de outra maneira, na "cruel dança do tempo" de "Os Olhos dos Mortos". Uma questão de honra, por sua vez, narra as desavenças de dois velhos amigos jogadores de damas.

A unir as narrativas há não apenas finais inesperados, como no divertido conto inicial, "As Três Irmãs", mas principalmente o gosto de recriar a língua, de inventar palavras (como de resto nos demais livros do autor). Muito influenciado por Guimarães Rosa, Mia Couto -- para quem a reforma de unificação ortográfica é uma bobagem -- descobre caminhos entre a oralidade do sudeste pobre da África e a liberdade poética. Em suas páginas encontramos "homosensuais", "a "acutilância dos dedos", um "vizinho anoitrevido", uma "saia almarrotada" e uma "moça pteridófita", além de verbos como "soslaiar" e "cinzentear", e nomes como "Isadorangela" (tão gorda que tem dois nomes em um).

Um gosto por metáforas sobre o próprio ato de narrar também se faz presente, como na fábula "A Infinita Fiadeira", em que uma aranha tece teias "inúteis", não para enredar presas, mas por pura arte. Já em "O Menino que Escrevia Versos" a metáfora ganha ares de auto-ironia: por gostar de escrever -- atividade tão estranha --, o miúdo do título é levado ao médico, pois sua família acha que se trata de doença grave.

Fonte: UOL (no link tem resenha para Terra Sonâmbula, além de trecho de O Fio das Missangas).
 
O lado negativo de gostar muito de uma forma de narrativa é que o leitor faz dela sempre sua primeira opção de leitura. E aí, anos e anos depois, começa a encontrar dificuldade em se surpreender. O prazer da boa leitura ainda está lá, alguns textos são de fato excelentes. Mas falta aquele “algo a mais” que te faz pensar “Como é que não conheci esse escritor antes?”. Foi justamente o que aconteceu comigo ao ler O fio das missangas, de Mia Couto. Gosto muito de contos, mas a verdade é que há tempos não sentia essa sensação de descoberta, da inclusão de mais um nome da lista de favoritos de todos os tempos.

A prosa de Couto é quase poesia. Nem tanto pelo ritmo, mais pelas imagens que evoca – o fantástico no cotidiano apresentado de maneira leve, suave. Muito cabe à interpretação do leitor, somada a verdadeiros quadros-ideias. Trata-se de algo que normalmente escritores só conseguem em um poema, como dá para ver na abertura do conto Inundação:

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Ótima resenha, Anica.

Eu disse. Eu avisei. Eu falei que ele, Mia Couto, era viciante. Depois ainda perguntam o porquê de eu amar Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. É preciso conhecer para amar. E eu tenho procurado conhecer obras de autores que fazem com que o ato da leitura seja um completo deleite.

Mia Couto é um dos responsáveis por eu ter escolhido pesquisar Literatura Africana. É um dos responsáveis por eu acreditar (pelo menos até hoje, 9 de fevereiro de 2011, porque é na travessia que a verdade se mostra pra gente) que é isso o que eu quero pesquisar pelo resto da minha vida.
 
Eu sabia que a Anica não de decepcionaria... :rofl:
Começar por "O Fio das Missangas" é uma boa pedida. Agora é continuar com "Terra Sonâmbula" ou "Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra", que na minha opinião são os melhores (até agora).


PS.: Só chamo a atenção para a grafia da palavra: "missanga" é português moçambicano; no Brasil, é "miçanga" (lembrem-se do que foi dito aqui sobre aportuguesamento de línguas exóticas). E confiram o dicionário, se ficar dúvida. Portanto, ao se escrever a resenha, atentar para as variantes.
 
eu mantive a variante ao longo do post por opção, por conta de como foi publicada aqui no brasil no título e no corpo do texto.
 
Ah, poxa. Esse livro foi indicado para o vestibular que fiz ano passado, mas não o li. Procurei por toda parte, desesperada para lê-lo, mas não encontrei. Acabei desistindo na semana da prova :/ Mesmo assim, ele ainda está na minha lista de futuras leituras.

PS: Graças a este tópico descobri que Mia Couto é homem.
 

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