Como disse o Fëanor acima, para os homens não foi revelado o destino do espírito, que deixa sua morada, o corpo, e o mundo físico para um lugar desconhecido. Se é desconhecido, como ter certeza que o espírito humano realmente vai para algum lugar?
Os Homens (e aqui com Homens quero dizer especificamente os das Três Casas dos Edain; explico o porquê mais para a frente) realmente não tinham como ter certeza de que seus espíritos iriam para algum lugar após a morte, mas o que fica implícito e é reforçado no decorrer das obras é que eles não precisavam
ter certeza: eles tinham é que
ter fé de que havia um lugar para eles após a morte - e um lugar
bom, ou a morte não seria vista como um
dom.
Toda a questão da morte como um dom de Eru foi apresentada aos Homens pelos Eldar, visto que estes tiveram contato direto com os Valar e aprenderam isso com eles. Os Homens das Três Casas, que foram os que entraram em contato com os Elfos na Primeira Era e aprenderam com eles, foram assim
iluminados quanto a essa questão. Certamente que de posse desse conhecimento ímpar os Homens passaram então a ter uma visão diferente do mundo e de seu próprio papel nele, do porquê de suas vidas serem como eram. Com raras exceções (duas, na verdade: Tuor e Beren), os Homens jamais se encontraram com os próprios Valar de Valinor para saber se a história contada pelos Eldar era de fato verdadeira, mas aí entram dois fatores que ajudaram a sedimentar esse sentimento de esperança (
estel, recorrente em praticamente qualquer texto tolkieniano):
1) A boa vontade dos Elfos que compartilharam esse conhecimento com os Homens, o modo como esses representantes dos Primeiros viam os Seguidores (principalmente através de Finrod e sua casa, que mostrava um respeito considerável pelos Homens); em vários aspectos os representantes das duas raças que travaram esse tipo de conhecimento possuíam mentalidades parecidas, de modo que não havia por que os Homens desconfiarem da informação que estava sendo passada. E depois do convívio direto com tais Eldar, esse sentimento de confiança só cresceu.
2) Mencionei que apenas dois Homens tiveram contato com os Valar
de Valinor - e aqui é outro ponto, pois havia mais um Vala com o qual todos os Homens estavam familiarizados: Morgoth, a presença maligna palpável em Beleriand. E mesmo que o próprio Morgoth não fosse visto pessoalmente (exceto por Húrin), seus servos, atos e artimanhas eram reais o suficiente para que não se duvidasse da presença dele.
Qual é exatamente a relação da consciêcia da existência de Morgoth com a esperança no pós-vida? A resposta é até simples: por tudo que experimentaram na Terra-média desde os primórdios da própria raça, por todos os sofrimentos impostos por Morgoth e seus servos e sem a alternativa de escapar para um porto seguro (tal como havia para os Elfos, com Valinor), só restava aos Homens se apegarem à fé de que "algo melhor estaria por vir", e se não fosse nesta vida, certamente então seria na outra. E a centelha dessa esperança que foi dada pelos Eldar, uma especíe de "confirmação", servia muito bem para alimentar tal crença.
Os Rohirrim, embora não sejam exatamente da mesma "estatura" dos Dúnedain, não ficam também na completa "escuridão". Os contatos que tiveram com os Elfos nos primórdios de sua própria raça no leste da Terra-média trouxeram a existência de Eru ao seu conhecimento, assim como dos Valar, em especial de Oromë, que conheciam como Béma; é possível supor que possa ter havido um contato mais direto de Oromë com os ancestrais dos Rohirrim, que possa ter sido assim que os Mearas passaram para sua posse, etc., mas fica tudo no âmbito da especulação, claro. Ainda assim, eles possuíam algum conhecimento do Oeste e, ainda que não fosse tão abrangente quanto o dos Homens das Três Casas, em especial quanto ao pós-vida, eles certamente também tinham alguma esperança de "algo melhor". E é interessante notar que essa esperança, caso tivesse relação com um destino junto a Eru, era mesclada com crenças próprias deles, como exemplificado por Théoden às portas da morte, quando diz que agora poderia "ficar ao lado de seus pais (isto é, antepassados) sem sentir vergonha": fica claro que havia alguma crença em algum tipo de pós-vida, certamente algo nos moldes germânicos/nórdicos, como o Valhalla, onde os guerreiros que caíam em batalha eram recebidos.
Os homens de outros povos, em particular os Haradrim e os Orientais, por não terem entrado em contato amistoso com os Elfos, não possuíam esse tipo de conhecimento e, conseqüentemente, esse tipo de
estel. É possível que tivessem suas próprias crenças sobre o pós-vida, mas elas deveriam ser bem diferentes da realidade do destino junto a Eru, visto que o que quer que ele soubessem havia sido consideravelmente distorcido pelas mentiras de Morgoth e posteriormente de Sauron - e esse tipo de distorção (que fica bem clara de como é, quando Sauron faz a cabeça de Ar-Pharazôn sobre a inexistência de Eru) pode inclusive ter sido um dos fatores principais para a atitude deste homens para com os Povos do Oeste: viam como inimigos não apenas no plano material, mas também nos das suas próprias crenças. Na visão dos homens caídos, os Povos do Oeste é que eram os "hereges" por não adorarem Sauron.