imported_Amélie
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Nina brinca sozinha. Desenha flores na calçada antiga, com giz de tijolo laranjado. Faz bonecas de velhos retalhos, se equilibra no meio fio, dá uma de detetive no caminho das formigas. A casa dela fica a poucas quadras de um pequeno cais, lugar de suas maiores diversões: ver o por do sol dourado, enquanto as luzes da cidade além das águas se acendem, sente o vento batendo no cabelo, e as gotas que tocam os pés, enquanto desgusta a solidão. Nina faz isso todos os dias, enquanto sua mãe adruga na rotina de um dia ter uma vida, daquelas feitas para madame boa, de bochechas coradas e bolsa de vinil.
Um dia, em plena calmaria, se ouve gritar na multidão que o circo chegou. Nina, sempre de pés descalços, pecorre os ladrinhos cada vez menores pelos passos largos e afobados. Ela vê os traillers trazendo bichos,
picadeiros, mágico e mulher barbada, e as barraquinhas de churros com
goiabada, trazendo um cheiro inebriante de infãncia. Cada vez mais ansiosa, orgulhosa da nova descoberta, a menina corre para alcançar o que seus olhos querem cada vez mais ver.
O circo pára do outro lado da colina, Nina só observa a fumaça colorida, de longe, em sua timidez. Não se aproxima. Lembra-se da mãe que diz: fique perto de casa, há muita gente malvada e não posso nunca te
perder. A noite se aprofunda... O dia vai...
Na manhã seguinte, Nina está decidida a buscar o viu. Sobe a colina,
levando na mão a boneca de pano preferida, sua filhinha, a quem a
tenda quer apresentar: - coisa de gente grande, fina... que só vendo. Ela desce ao mesmo tempo que seus olhos engrandecem, até a tela barrar. Não pode pagar, não entra pra ver, diz um palhaço com cara de bruxo. E ela senta do lado de fora, observando a volta e começa a chorar.
Eis que cai uma frutinha na sua cabeça. Duas. Três. Não pode ser coincidencia. E um menino trapezista da sua idade, está do outro lado a lhe consolar. Nina tem um receio mas logo a simpatia toma conta. Eles conversam, conversam por horas... Nina mostra suas constelações preferidas e o amigo faz previsões da palma da mão aprendidas com uma antiga cartomante. Os dias passam, e a menina traz seus desenhos, suas tristezas, suas confidências, enquanto ele faz números de mágica e conta das aventuras na cova dos leões, e das cidades que já visitou. Um mundo que para Nina se resumia em cinco quadras.
Ela voltava todas as tardes com novas brincadeiras que não atravessavam as grades. O explorador contava a princesa, as novas poções de alquimia que aprendia com um velho sábio do monte Kilimanjaro. Tantas brincadeiras que num mês nunca se repetiram. Ela chegava cedo, e ele só ia embora para o show das sete, quando o compromisso lhe chamava. Só queria que o dia demorasse cada vez mais a passar, mas parece que quanto mais a gente quer, mas ele teima em voar.
Certa vez, a mãe de Nina não saiu para trabalhar para resolver alguns imprevistos. Pedia a ajuda da filha que impaciente só pensava em ver o amigo. A noite foi chegando, e o relógio batia as sete. Tarde de mais, sente horas vazias e apertadas no seu coração. Nina espera um momento de descuido, pula a janela do quarto e corre pela noite clara. Seu reflexo nos ladrilhos eram mais alaranjados, numa velocidade feroz, como quem
desespera por aguardar um momento muito raro. Perde o fôlego, mas não desiste, e da colina as luzes do circo parecem apagadas.
Nina olha a grade, quer pular e hesita. Respira fundo, baixa a cabeça, com os olhos tristes e brilhantes. Eis que alguém a surpreende, um gesto com o dedo que pede silêncio e sugere para que o siga pelo buraco por baixo da grade. Ela entra no picadeiro, e ele logo lhe traz uma roupa adequada: plumas e coroa, pois a lona é seu tapete real. Respeitavel público: Nina pula na cama elástica, morre de rir com a flor que-espirra-água do palhaço, e falta fôlego ao ver o globo da morte. Fazem guerra de jujuba, travam lutas com as espadas de
mentira do faquir, e fazem caretas nos espelhos que transformam mulher em macaca. Deitam nas serragens, cansados. O amigo lhe entrega algo que gostaria de que guadasse, uma pena, e ela prende ao pescoço, e
diz que precisa sair de fininho, sem que ninguém perceba. Amanhã nos vemos, confidencia ao pé do ouvido. Suave e doce, como um sopro na memória.
Nina acordou com a sensação que tudo havia sido um grande sonho. Colocou a mesma roupa de brincar e correu a colina. Vento, vazio, o circo não existia ali. De repente o caminho ficou ainda mais comprido do que deveria. As casas, mais estranhas e desbotadas. Coçava seus olhos em busca de uma explicação plausível. Tudo se foi, sem ao menos se despedir.
Nina voltou a sentar no cais, e as horas passavam na falta. E no excesso do que conseguia entender. São raros os que compreendem a solidão de ser uma criança. Apesar de outros muitos conhecerem a leve dor de se perder um amigo. É como olhar os vagalumes e saber que sua vida dura pouco, mas que sem eles a noite não seria mais a mesma. Assim, Nina pressiona a pena em suas mãos.
Ainda agora, seus olhos que não se cansam de ver além das águas. As vezes pensa que as luzes que piscam são um recado do amigo dizendo que ainda olha por ela. Ela perde as tranças, e os traços de menina. Mas a inocência é algo que o tempo não leva jamais.
Um dia, em plena calmaria, se ouve gritar na multidão que o circo chegou. Nina, sempre de pés descalços, pecorre os ladrinhos cada vez menores pelos passos largos e afobados. Ela vê os traillers trazendo bichos,
picadeiros, mágico e mulher barbada, e as barraquinhas de churros com
goiabada, trazendo um cheiro inebriante de infãncia. Cada vez mais ansiosa, orgulhosa da nova descoberta, a menina corre para alcançar o que seus olhos querem cada vez mais ver.
O circo pára do outro lado da colina, Nina só observa a fumaça colorida, de longe, em sua timidez. Não se aproxima. Lembra-se da mãe que diz: fique perto de casa, há muita gente malvada e não posso nunca te
perder. A noite se aprofunda... O dia vai...
Na manhã seguinte, Nina está decidida a buscar o viu. Sobe a colina,
levando na mão a boneca de pano preferida, sua filhinha, a quem a
tenda quer apresentar: - coisa de gente grande, fina... que só vendo. Ela desce ao mesmo tempo que seus olhos engrandecem, até a tela barrar. Não pode pagar, não entra pra ver, diz um palhaço com cara de bruxo. E ela senta do lado de fora, observando a volta e começa a chorar.
Eis que cai uma frutinha na sua cabeça. Duas. Três. Não pode ser coincidencia. E um menino trapezista da sua idade, está do outro lado a lhe consolar. Nina tem um receio mas logo a simpatia toma conta. Eles conversam, conversam por horas... Nina mostra suas constelações preferidas e o amigo faz previsões da palma da mão aprendidas com uma antiga cartomante. Os dias passam, e a menina traz seus desenhos, suas tristezas, suas confidências, enquanto ele faz números de mágica e conta das aventuras na cova dos leões, e das cidades que já visitou. Um mundo que para Nina se resumia em cinco quadras.
Ela voltava todas as tardes com novas brincadeiras que não atravessavam as grades. O explorador contava a princesa, as novas poções de alquimia que aprendia com um velho sábio do monte Kilimanjaro. Tantas brincadeiras que num mês nunca se repetiram. Ela chegava cedo, e ele só ia embora para o show das sete, quando o compromisso lhe chamava. Só queria que o dia demorasse cada vez mais a passar, mas parece que quanto mais a gente quer, mas ele teima em voar.
Certa vez, a mãe de Nina não saiu para trabalhar para resolver alguns imprevistos. Pedia a ajuda da filha que impaciente só pensava em ver o amigo. A noite foi chegando, e o relógio batia as sete. Tarde de mais, sente horas vazias e apertadas no seu coração. Nina espera um momento de descuido, pula a janela do quarto e corre pela noite clara. Seu reflexo nos ladrilhos eram mais alaranjados, numa velocidade feroz, como quem
desespera por aguardar um momento muito raro. Perde o fôlego, mas não desiste, e da colina as luzes do circo parecem apagadas.
Nina olha a grade, quer pular e hesita. Respira fundo, baixa a cabeça, com os olhos tristes e brilhantes. Eis que alguém a surpreende, um gesto com o dedo que pede silêncio e sugere para que o siga pelo buraco por baixo da grade. Ela entra no picadeiro, e ele logo lhe traz uma roupa adequada: plumas e coroa, pois a lona é seu tapete real. Respeitavel público: Nina pula na cama elástica, morre de rir com a flor que-espirra-água do palhaço, e falta fôlego ao ver o globo da morte. Fazem guerra de jujuba, travam lutas com as espadas de
mentira do faquir, e fazem caretas nos espelhos que transformam mulher em macaca. Deitam nas serragens, cansados. O amigo lhe entrega algo que gostaria de que guadasse, uma pena, e ela prende ao pescoço, e
diz que precisa sair de fininho, sem que ninguém perceba. Amanhã nos vemos, confidencia ao pé do ouvido. Suave e doce, como um sopro na memória.
Nina acordou com a sensação que tudo havia sido um grande sonho. Colocou a mesma roupa de brincar e correu a colina. Vento, vazio, o circo não existia ali. De repente o caminho ficou ainda mais comprido do que deveria. As casas, mais estranhas e desbotadas. Coçava seus olhos em busca de uma explicação plausível. Tudo se foi, sem ao menos se despedir.
Nina voltou a sentar no cais, e as horas passavam na falta. E no excesso do que conseguia entender. São raros os que compreendem a solidão de ser uma criança. Apesar de outros muitos conhecerem a leve dor de se perder um amigo. É como olhar os vagalumes e saber que sua vida dura pouco, mas que sem eles a noite não seria mais a mesma. Assim, Nina pressiona a pena em suas mãos.
Ainda agora, seus olhos que não se cansam de ver além das águas. As vezes pensa que as luzes que piscam são um recado do amigo dizendo que ainda olha por ela. Ela perde as tranças, e os traços de menina. Mas a inocência é algo que o tempo não leva jamais.