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O Brasil um dos países em que a tortura aumentou depois do regime ditatorial

Elessar Hyarmen

Senhor de Bri
O processo de redemocratização brasileiro parece ainda não ter chegado ao fim. É o que apontam os artigos reunidos no livro O que resta da ditadura (Boitempo Editorial), organizado pelo historiador Edson Teles e pelo filósofo Vladimir Safatle, que apresenta análises de cada setor da vida brasileira em que resquícios do período da ditadura militar ainda se mantêm.

A obra é resultado de um seminário realizado na Universidade de São Paulo (USP) e seu lançamento vem a calhar com a discussão ainda viva sobre a criação de uma Comissão da Verdade para apurar os crimes cometidos pelo Estado durante o período da ditadura.

Um dos principais legados apontados no livro é a prática ainda constante e crescente da tortura nos presídios brasileiros. "O Brasil é o único país em que a tortura aumentou depois do regime ditatorial", diz Safatle. O historiador lembra de outros legados culturais, como a "dificuldade de distinguir em que situações se está dentro e qual esta fora da lei".

"No Chile, até mesmo as Forças Armadas do país se colocaram contra a ditadura de anos atrás", afirma, criticando as Forças Armadas brasileiras, que quando não se abstém na questão das violações dos direitos humanos durante o regime autoritário, chegam a defender aspectos daquela época. Mas acredita que não só as Forças Armadas devem repensar o papel que tiveram na época: "há setores que nunca fizeram uma autocrítica na sua participação no regime militar".

Leia abaixo a íntegra da entrevista que Vladimir Safatle sobre os temas do livro.

Fórum – Um dos destaques do livro sobre os resquícios da ditadura é a violência do Estado contra civis. Onde mais podemos enxergar legados da ditadura em nossas vida?

Vladimir Safatle – Além da questão do aparato policial, que a ditadura montou e não foi desmontado e que faz com que várias práticas sejam empregadas de maneira sistemática; estudos demonstram que o Brasil é o único país em que a tortura aumentou depois do regime ditatorial.

Na Constituição, permanecem estruturas herdadas da Carta de 1977, em especial as relativas à segurança nacional. Existe um artigo que de maneira bastante peculiar permite a intervenção das Forças Armadas na vida nacional, o que também pode legitimar constitucionalmente um golpe de Estado. Nele diz-se que as Forças Armadas têm papel de guardiã da democracia, mas não explicita quem pode chamá-las para cumprir esse papel. Isso abre a possibilidade de leitura de que qualquer poder tem o direito de chamar as Forças Armadas, como o presidente do Senado, sem quebra da lei constitucional.

Mas tem duas questões importantes. A primeira é sobre como os operadores políticos se relacionam com a lei. A grande peculiaridade da nossa ditadura foi a aparência de legalidade. Nós tínhamos um Estado que assinava acordos internacionais contra a tortura ao mesmo tempo em que ela era prática política comum. Tinha um Estado que permitia que tivesse nas bancas livros de Marx, de Celso Furtado, permitia canções de protesto, mas todos sabiam que isso podia de mudar do dia pra noite. A ditadura conseguir criar uma aparência de normalidade para esconder a mais crassa anomia e criou a dificuldade de distinguir em que situações se está dentro e em quais se está fora.

Outro legado é de como a ditadura sela o destino que a memória tem na vida nacional. Há um trabalho de apagamento da memória, de uma impossibilidade crônica de se olhar para trás e conseguir, a partir dos impasses que foram deixados, pensar nos problemas presentes. Longe de ser uma simples questão de reparação dos que tiveram violados os direitos, é uma questão profunda, ligada à maneira como lidamos com nossos problemas presentes.

Fórum - No Brasil, muitos militares referem-se à ditadura com orgulho. Qual o significado disso? Isso influencia na perpetuação dos legados da ditadura?

Vladimir – O significado é simplesmente aterrador. Acho amedrontador esse tipo de postura de vários círculos militares no que diz respeito ao legado da ditadura. Indica um risco crônico à democracia nacional e uma incapacidade do exército e das Forças Armadas de se tomar distância do tipo de prática adotada na ditadura, ao contrário de outras experiências na América Latina. No Chile, até mesmo as Forças Armadas do país se colocaram contra a ditadura de anos atrás. Que não tenhamos isso no Brasil demonstra que há um risco inerente de subordinação como ocorreu em alguns casos nos últimos anos, a exemplo da dificuldade de se estabelecer a Comissão da Verdade.

Fórum – Grande parte do apoio do regime militar veio da população civil. Hoje algumas pesquisas apontam que a sociedade brasileira até aceitaria um regime não democrático caso tivesse condições econômicas melhores. A sociedade brasileira aceitaria um novo regime anti-democrático, apesar da experiência recente?

Vladimir – De fato há pesquisas que mostram que o engajamento em relação à democracia na população brasileira é bastante mitigado. Mas temos que lembrar que quando alguém responde à pergunta “se você acredita na democracia”, ela responde sobre a democracia tal como ela a vê hoje. Hoje vivemos num regime de semidemocracia. Boa parte do que aparece nessas pesquisas é um desconforto com o regime brasileiro.
Uma coisa é certa: a sociedade brasileira sempre foi dividida sobre o legado da ditadura militar e há setores que nunca fizeram uma autocrítica na sua participação. Esse tipo de questão é muito importante, não é possível um país permitir que setores da sociedade que tiveram participação tão forte não coloquem em marcha um processo de autocrítica.

Fórum - É possível dizer que o Brasil é o país que mais carrega legados da ditadura com relação a outros países da América Latina?

Vladimir - Nossa situação é a mais problemática e vexatória. Todos os outros países, em maior ou menor grau, fizeram uma justiça de transição. Desmontaram os aparatos jurídicos em que crimes da ditadura não eram julgados. Mesmo no Uruguai, chegou-se a fazer um plebiscito a esse respeito, colocaram essa questão em discussão nacional. A gente conseguiu, durante 25 anos, expulsar esse debate da política. Isso é feito em nome de uma espécie de possibilidade de ignorar o que foi o passado devido à nossa obrigação de olhar pra frente. Mas o que é recalcado no passado, volta no futuro. O que é expulso do universo simbólico volta pra vida real. Nenhum país consegue estabelecer o mínimo de solidez sem acertar contas com o passado. Se nós realmente temos apreço não pela atual democracia, mas pela possibilidade da vida nacional de uma vida democrática mais efetiva, isso é central.

Revista Fórum, 15/03/2010

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"Esculpo amanhãs paridos das pedras; trago-os no peito, vestidos de aurora."

Moisés Augusto Gonçalves, in Corpos sem beijos

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O processo de redemocratização brasileiro parece ainda não ter chegado ao fim. É o que apontam os artigos reunidos no livro O que resta da ditadura (Boitempo Editorial), organizado pelo historiador Edson Teles e pelo filósofo Vladimir Safatle, que apresenta análises de cada setor da vida brasileira em que resquícios do período da ditadura militar ainda se mantêm.

A obra é resultado de um seminário realizado na Universidade de São Paulo (USP) e seu lançamento vem a calhar com a discussão ainda viva sobre a criação de uma Comissão da Verdade para apurar os crimes cometidos pelo Estado durante o período da ditadura.

A única coisa que se quer lembrar da ditadura é a parte ruim. A parte boa ninguém tem interesse porque já estão tão incorporadas ao patrimônio dos brasileiros que ninguém percebe.

E mesmo a parte ruim é controversa. Aqui não foi como no Chile ou Argentina, países que viveram horror de verdade. Justiça seja feita: não foram os melhores momentos da história brasileira, mas nem se compara com o que ocorreu nos países vizinhos. Pinochet é acusado, inclusive, de retirar o iodo do sal de cozinha. No Brasil, a repressão se limitou a prisões sem julgamento (que terminavam em alguns dias, quando não em horas) e censuras jornalísticas e culturais (as primeiras duravam semanas, quando o artigo era liberado.) E, como era institucionalizada, a censura era, pelo menos, honesta, pois havia critérios objetivos e admitia-se recurso. E quanto às torturas? Pode ter havido um caso ou outro. Mas não foi generalizado como alguns gostam de alegar. Penso isso porque, mesmo hoje, as pessoas relutam em dar um passo a frente para falar da suposta tortura. E, por fim, os "banimentos". Tudo que a ditadura fazia estava dentro do ordenamento jurídico da época, salvos os abusos praticados por alguns agentes. Nunca houve nenhum "decreto de banimento" ou "decreto de exílio" expedido contra ninguém, pois não havia esse instituto jurídico. Alguns sairam por medo, que não deixa de ser fundado, mas outros aproveitaram a moda para sair, passar um tempo em Paris ou Havana e, ao voltar, dizerem que foram perseguidos, pleiteando, depois, indenização.

Mas em nenhum ambiente tem-se como saber de tudo o que acontece nos bastidores. Se ainda há tortura em presidios hoje, depois da redemocratização, o que é, diga-se, o mote central do texto, então creio que não possamos atribuir a prática da tortura como praxe à ditadura, mas a qualquer ambiente de recolhimento de presos, de ontem e hoje.

Se todos querem o "Direito à Memória e à Verdade", tema de várias palestras sobre a dita "justiça transicional", inclusive com participação de Baltasar Garzón aqui no Brasil, que também se apurem os crimes cometidos pelo "lado de lá", que, não posso deixar de dizer, foram bem piores: terrorismo, bombas, sequestros de autoridades, guerrilha urbana e roubos a bancos e empresas privadas.
 
Fúria, sua observação de lembrar que nem tudo foi negativo é interessante, mas essa parte do seu post:

E quanto às torturas? Pode ter havido um caso ou outro. Mas não foi generalizado como alguns gostam de alegar. Penso isso porque, mesmo hoje, as pessoas relutam em dar um passo a frente para falar da suposta tortura.

... acho extremamente temerária. Os casos são muitos. Eu conheço pessoalmente dois que foram torturados em razão da militância (um deles ainda carrega sequelas) e outro que sequer tinha envolvimento, mas mesmo assim o foi para arrancar-lhe informações dos amigos.
 
É verdade, reconheço que não foi, por outro lado, algo tão "lisinho" assim. Mas que se entenda que a tortura não era institucionalizada.

E essa justiça de transição, será que ela é justa mesmo? O que você acha?
 
Não foi simplesmente assim. Torturadores mesmo não eram todos, por óbvio. Na verdade, a tortura ocorria nos porões das delegacias de polícia, e não eram propriamente os militares que a perpetravam. Alguns poderiam até ter conhecimento e deixaram de intervir, mas não era uma prática sancionada. Não que retire a responsabilidade objetiva do Estado, claro.

Mas aí que mora o problema: hoje, estão ajuizando muitas ações civis públicas, para burlar a lei de anistia, que a princípio só abrange as pretensões penais, com fins de se perseguir antigos agentes, hoje aposentados e todos com pelo menos 70 anos, retirar suas aposentadorias e proibi-los de exercer qualquer função pública. Na verdade é uma pretensão meramente política, com interesses meramente declaratórios, já que há o princípio da segurança jurídica e do direito adquirido. Mas alguns entendimentos, infelizmente, podem relativizá-los, como o "imperativo da justiça", justiça universal, imprescritibilidade do crime de tortura (como se o fosse)... simples assim. Algo difícil de ser fundamentado, mas, como é o que está em voga, algum juiz pode acabar deferindo.

Não se tratou propriamente de autoanistia, como alegam alguns, pois a lei foi discutida com a sociedade, já em plena via de redemocratização em 1979. A lei abrangeu tanto os militares quanto os críticos pacíficos, como ativistas que usavam a cultura e sindicatos, por exemplo, mas, claro, excluindo terroristas, o que achei muito feliz.

Na verdade, a abrangência foi muito grande e generosa. Art. 1º da Lei 6683 (LA):
É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

E a exclusão:
§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.

Então pergunto: a Lei de Anistia é ilegítima mesmo? É algo a se refletir.
 
Última edição:
E essa justiça de transição, será que ela é justa mesmo? O que você acha?
Taí uma questão que não tenho opinião formada. Do ponto de vista jurídico, a revisão da lei tem lá a sua constitucionalidade, por tortura tratar-se de crime de lesa-humanidade, que não prescreve nem poderia ser de tal simples modo excluído de sanção. E há também o fato de que, na América Latina, o Brasil foi o único que não puniu seus torturadores. Mas sei lá, me parece mais uma tentativa retributivista - uma vingança atrasada (em sentido temporal), diria - do que uma real tentativa de compensação normativa ou "moral".
 
Então pergunto: a Lei de Anistia é ilegítima mesmo? É algo a se refletir.
Eu não entendo nada de legislação e assuntos afins.
Mas se algum torturador se safou por meio de tecnicalidades, eu já desaprovo.
Na minha cabeça tortura é o mais baixo que um ser humano pode fazer na vida. Mais que simplesmente matar.

Se todos os pais que não conseguiram enterrar seus filhos até hoje, ou sequer saber o que aconteceu com eles, tiveram voz na instalação dessa anisitia, então eu lavo as minhas mãos.
 
Eu não entendo nada de legislação e assuntos afins.
Mas se algum torturador se safou por meio de tecnicalidades, eu já desaprovo.

Justamente! Mas não foi bem isso que aconteceu. Não foi uma tecnicalidade, tal como uma questão processual que, acolhida uma vez, criou jurisprudência no sentido de isentar todo e qualquer ex-militar ou agente que viesse a ser processado no futuro. Foi uma lei debatida com a sociedade e, pelo motivo que expus antes, não foi discriminatória. Foi feito, é claro, um exame de razoabilidade e digo ainda mais: de justiça, na medida em que exlcuiu os crimes mais perversos.

Ah sim, tortura é realmente horrível. Mas permita-me discordar pois eu acho que terror é pior. Neste, pessoas completamente estranhas à motivação dos envolvidos são alvejadas. Bombas como a de Guararapes, por exemplo, que, graças a Deus, matou somente algumas pessoas. Não quero imaginar o tamanho do banho de sangue se o saguão daquele aeroporto estivesse lotado no momento da explosão.

Terror é algo que causa inseguraça generalizada. De forma alguma, claro, quero minimizar a tortura.

Taí uma questão que não tenho opinião formada. Do ponto de vista jurídico, a revisão da lei tem lá a sua constitucionalidade, por tortura tratar-se de crime de lesa-humanidade, que não prescreve nem poderia ser de tal simples modo excluído de sanção. E há também o fato de que, na América Latina, o Brasil foi o único que não puniu seus torturadores. Mas sei lá, me parece mais uma tentativa retributivista - uma vingança atrasada (em sentido temporal), diria - do que uma real tentativa de compensação normativa ou "moral".

Na verdade o Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela manutenção da Lei de Anistia, portanto acho difícil que uma decisão interna em nosso país venha a alterá-la.

Entendo da mesma forma que você que essa pretensão de alguns setores da sociedade em ir atrás dos ex-agentes é retributivista. Mais saudável, na minha opinião, seria virar essa página da história e esquecer. E, aqui, Paulo Vanucchi (secretário especial de direitois humanos do MJ), Luis Paulo Barreto, Ministro da Justiça atual e o próprio Baltasár Garzón discordam de mim pois dizem que "para que se vire a página, devemos, antes disso, lê-la". Daí defenderem, como o fizeram numa palestra que ocorreu aqui na UnB há uns dois meses, chamada "Direito à Memória e à Verdade - Justiça de Transição". Eu também, abstratamente, não discordaria deles. Mas as circunstâncias aqui, se assim exploradas, podem conduzir a injustiças, pois não acredito que tenha havido, aqui, um por cento do que ocorreu no Chile, e a abertura dos arquivos não poderia levar a outra coisa senão ao revanchismo pessoal. Portanto, defendo que deixe-se passar tempo suficiente para que todos os agentes da situação de outrora morram, naturalmente. É o mais justo a se fazer, tendo em vista que as famílias de pessoas supostamente mortas e pasme, inclusive desaparecidas, já recebem indenizações em forma de prestação periódica há muitos anos e o valor não é pequeno (já somam 2,8bi, mais que o orçamento das Forças Armadas brasileiras). Diga-se de passagem, desaparecimentos não podem ser atribuidos a alguém, especialmente o Estado, quando a única prova que se tem é circunstâncial.

Esse entendimento é contrário ao anseio de muita gente, mas entendo ser o mais correto. Segurança jurídica é um valor que deve ser cultivado sempre. Inclusive, em alguns casos, acho que ela deve ser privilegiada em detrimento da própria justiça propriamente dita.

Sobre tortura ser considerado crime de lesa-humanidade: foi uma nomenclatura que alguns teóricos de direitos humanos criaram pois permite a fácil associação a regimes ditatoriais. E, assim, seguindo o teatro que fizeram depois da queda de Hitler, o Tribunal de Nuremberg, tribunal post factum, promoveram o que seria um embrião da justiça transicionacional, naquele tempo por uma nnecessidade de provar ao mundo que "algo foi feito". Eu acho que a só Declaração Universal dos Direitos Humanos, que inspirou várias Constituições do mundo posteriormente, estaria de bom tamanho para esse propósito.
 
Última edição:
Na verdade, a tortura ocorria nos porões das delegacias de polícia, e não eram propriamente os militares que a perpetravam.

Não tive tempo de ler todo resto, mas este ponto me chamou atenção. Não é bem assim MESMO. Se a Ilha das cobras falasse... MUITA gente foi torturado lá. Tive Pai e mão torturados lá, q só estão vivos pra contar historia porque rapidamente descobriram q meu pai é cidadão americano. Ai o c* apertou né, já viu...
 
§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.
O fato de não terem acrescentado o crime de tortura no rol mostra uma clara "saída por cima" dos militares.

Como você disse, a expressão "lesa-humanidade" (ou crimes contra a humanidade) costuma remeter imediatamente às práticas de regimes ditatoriais - tortura, perseguição, extermínio e até deportação se considera. Só o Brasil decretou a inimputabilidade de sanção a quem teve esse tipo de conduta, é um dado negativo para a imagem jurídica do país, eu acho...

Ainda assim, concordo que é importantíssimo preservar a segurança jurídica, e é isso que me deixa numa gangorra neutra. A lei foi uma infelicidade, mas já irradiou efeitos.

Só quanto à abertura dos arquivos eu faço inteiro coro a Marcelo Zelic, do "Tortura Nunca Mais":

"A democracia brasileira não pode prescindir da abertura dos arquivos para exercer o direito à verdade, da localização dos desaparecidos políticos para afirmar a cidadania, da apuração e julgamento das violações aos direitos humanos para inibir a cultura e a prática da tortura e da revisão da política de segurança pública para efetivamente consolidar o estado democrático de direito, que respeite a todos os cidadãos e em todo o território naciona."
http://www.armazemmemoria.com.br/LerNoticia.aspx?id=33
 
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Eriadan:

O fato de não terem acrescentado o crime de tortura no rol mostra uma clara "saída por cima" dos militares.

Concordo que é o que aparece à primeira vista. E isto aqui não deve convencê-lo, mas quem sabe eventualmente: tortura no Brasil, antes da regulamentação pela Lei 9455 de 1997, não era algo fácil de se delimitar. Ainda hoje não o é. No art. 1º da Lei, temos um rol que parece ser bem explicativo no inciso I...

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

Mas no inciso II já temos uma norma vaga, escrita propositalmente com conteúdo impreciso, o que não é ruim:

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

A edição de normas de conteúdo impreciso é praxe desde a promulgação da Constituição de 1988 e busca-se, com isso, garantir maior efetividade ao Direito. Significa que o legislador não pode prever, no texto da lei, todos os casos, mas o exame ficará para os juízes nos casos concretos, que determinarão se o fato chega ou não a constituir o que diz o texto da lei. Assim, podemos ter diplomas legais mais enxutos e, ao mesmo tempo, mais aplicáveis, daí formando jurisprudência mais rapidamente, o que é positivo. No trecho acima, o que é "intenso sofrimento físico"? Realmente não sabemos. O que é intenso para um pode não ser tanto para outro. Ficará à discricionariedade do juiz.

Mas e quando falamos da tortura do período 64-85? Veja bem: havia, sim, interrogatórios, e neles, frequentemente, porradas eram desferidas. Em outros, apenas gritarias do interrogador com fins de intimidar o interrogando. E noutros casos havia o que entendemos por tortura propriamente dita mesmo, que é aquela conduta maldita, feita não apenas coercitivamente, mas também punitivamente, muitas vezes motivadas por sadismo e oportunismo psicopata.

Essa última é que é a verdadeira tortura. Mas perguntem-se: os militares tinham interesse em praticar sadismo contra os detentos? Eram eles psicopatas mesmo? Ou, como era a praxe do momento, se limitavam a deixar os sujeitos detidos por alguns dias e soltos depois, ou até conferindo-lhes umas bofetadas? É aqui que mora o perigo. Não estou defendendo, mas alguém deve, pelo menos, levantar o questionamento que, infelizmente, está virando tabu. Se um determinado arquivo sobre o momento for aberto e palavras como "socos", "pontapés", "latidos de cachorros ferozes a menos de um metro do interrogando", "encarceramento por uma semana" forem lidas pelo examinador atual, ficará fictamente provada a tortura. Não é possível que tudo o que os membros da comissão da verdade queiram, na verdade, é encontrar essas palavras e dá-las significado de tortura? Assim, promoveriam a justiça transicional, dando exemplo para o país.

Daí não se poder incluir a tortura no § 2º, acima, da Lei de Anistia, pois a ela poderia ser dado qualquer significado em termos de "condutas que constituem tortura". É que a Lei de Anistia, de 79, é bem anterior à LeI 9455 de Tortura, de 97. Por outro lado, já havia sim a definição dos outros crimes: atentado pessoal, homicídio, roubo, e assim por diante. Pergunte-se se a sociedade da época (1979) ficaria confortável em ver dada, pelo próprio Estado, anistia a esse tipo de gente.

Para encerrar: que se mantenham os arquivos cerrados até mais ou menos 2040 ou, se se quer abri-los desde já, que abram amplamente. Isto é, também elucidar os crimes praticados por aqueles que se consideravam, à época, "reprimidos", e hoje estão numa situação confortável. O que você acha?
 
Última edição:
Ih Fúria, tinha esquecido dessa discussão! Assim que voltar da aula dou uma lida com calma no seu post e comento!
 
Enfim! :lol:

Concordo que é o que aparece à primeira vista. E isto aqui não deve convencê-lo, mas quem sabe eventualmente: tortura no Brasil, antes da regulamentação pela Lei 9455 de 1997, não era algo fácil de se delimitar.

A edição de normas de conteúdo impreciso é praxe desde a promulgação da Constituição de 1988 e busca-se, com isso, garantir maior efetividade ao Direito. Significa que o legislador não pode prever, no texto da lei, todos os casos, mas o exame ficará para os juízes nos casos concretos, que determinarão se o fato chega ou não a constituir o que diz o texto da lei. Assim, podemos ter diplomas legais mais enxutos e, ao mesmo tempo, mais aplicáveis, daí formando jurisprudência mais rapidamente, o que é positivo. No trecho acima, o que é "intenso sofrimento físico"? Realmente não sabemos. O que é intenso para um pode não ser tanto para outro. Ficará à discricionariedade do juiz.
Você quer dizer que seria difícil tipificar as condutas? Não sei se o espaço para discricionariedade seria realmente tão grande, Fúria. Mas de qualquer forma, juízes lidam com essa tênue distância entre estrito cumprimento do dever legal e abuso de poder o tempo inteiro. O sujeito levar uma bofetada do policial, ok, mas que dúvida pode haver quanto ao indivíduo que sofre choque elétrico nos testículos para se extrair informação?

Se não fale-se de tortura, e os homicídios? E quanto às "queimas de arquivo"?

Mas perguntem-se: os militares tinham interesse em praticar sadismo contra os detentos? Eram eles psicopatas mesmo? Ou, como era a praxe do momento, se limitavam a deixar os sujeitos detidos por alguns dias e soltos depois, ou até conferindo-lhes umas bofetadas? É aqui que mora o perigo. Não estou defendendo, mas alguém deve, pelo menos, levantar o questionamento que, infelizmente, está virando tabu. Se um determinado arquivo sobre o momento for aberto e palavras como "socos", "pontapés", "latidos de cachorros ferozes a menos de um metro do interrogando", "encarceramento por uma semana" forem lidas pelo examinador atual, ficará fictamente provada a tortura. Não é possível que tudo o que os membros da comissão da verdade queiram, na verdade, é encontrar essas palavras e dá-las significado de tortura? Assim, promoveriam a justiça transicional, dando exemplo para o país.
Qual deve ter relevância em matéria penal, o "interesse" ou a intenção? Não tem como negar o dolo na atitude dos torturadores, certo?

Para encerrar: que se mantenham os arquivos cerrados até mais ou menos 2040 ou, se se quer abri-los desde já, que abram amplamente. Isto é, também elucidar os crimes praticados por aqueles que se consideravam, à época, "reprimidos", e hoje estão numa situação confortável. O que você acha?
Sou adepto dessa segunda opção com toda a certeza. Transparência ampla, inclusive com relação aos militantes.
 
Bom eu obviamente não sou advogado ou jurista como o pessoal acima parece ser, mas tenho minha opinião sobre este assunto.

Nada me irrita mais do que este tipo de discussão.

Hoje em dia todos os politicos e principalmente a imprensa ficam levantando bandeiras de que lutaram contra os tempos da ditadura.

Relegam aquele periodo como se tivesse sido uma total catastrofe quase que um genocidio, mas nunca tivemos nada parecido com o que sequer aconteceu nos outros paises da America Latina.

As pessoas se esquecem dos reais motivos pelos quais a intervenção militar aconteceu. Se esquecem que estavamos a poucos dias de uma Segunda Guerra Mundial e em período de Guerra Fria, se esquecem de que no Brasil os comunistas estavam querendo de fato tomar o poder. E que isto poderia ser de fato um problema grave. A intervenção militar teve motivos justos sim. Não estou discutindo se o sistema X ou A funciona melhor, apenas expondo motivos.

É dever das forças armadas nos proteger e intervir junto a população quando a mesma se coloca em risco. Se eu afirmasse isto a qualquer dia passado ia ser praticamente linxado como já fiz e discuti absurdos em outros fóruns. Mas hoje em dia quando a população voltou a receber as forças armadas de braços abertos, vide o caso do Rio de Janeiro, isto já esta diferente.

O que mais me irrita nesta conversa sobre a ditadura, é essa busca ridicula sobre quem era inocente ou culpado, e nossos politicos teimam em inverter o papel. Se esquecem que as pessoas que praticaram "as torturas" (se praticaram) trabalhavam para o governo e em prol de nosso pais. O que faziam, faziam por AMOR a pátria. Coisa que infelizmente a grande maioria das pessoas do nosso amado pais só lembra em dias de copa do mundo.

Do outro lado, pessoas que DE FATO praticavam sequestro, tortura, assaltos, eram baderneiros, estão sendo inocentadas e o PIOR ganhando indenizações! Enquanto que os militares que serviram nosso pais ficam a bancarrota.

Obvio que a midia tem todo interesse em descrever estes tempos como ruins, eram censurados. Hoje em dia não existe nada que regule a imprensa, ela escancara na minha cara todo dia, uma programação inutil cheio de cultura de baixo nivel. Eu sendo pai de duas filhas pequenas fico apavorado toda vez em que elas se encontram assistindo a televisão ou pegando em mãos um jornal ou revista.

Evidentemente que quando se tem esse nivel de "liberdade de imprensa" as pessoas não querem nem sonham em ser reguladas novamente.

Sou a favor de intervenção militar como a que aconteceu no RJ. O periodo da ditadura é tão esculachado que agora todo politico pra se eleger tem dois jargãos: 1 - é pobre de origem humilde - esse é o maior de todos. 2 - lutou contra a ditadura - essa é a asneira global.

O que mais me irrita é que as pessoas não fazem idéia do que era ou quer dizer este periodo. pessoas simples associam este periodo como se estivessemos sob um regime comunista, quando na verdade era o contrario. Pior existem tantos ongs e tanta desinformação levantadas por "parentes" que tiveram seus entes desaparecidos no periodo que as pessoas acham que estão assistindo a uma versão de Jogos Mortais.

Eu não vou discutir se o pais estava economicamente um desastre, quem venho antes e depois tmbm não estava muito melhor. Alias o pais estava a beira da bancarrota, este foi um outro motivo para a intervenção miltar.

Claro ai vão me dizer que os "reais" motivos eram outros. como se alguém pudesse provar estes "reais" motivos. Fizeram icones de corrupção das pessoas que viveram naquele tempo e se esquecem rapidademente das que são infinitamente maior no "nosso tempo", inclusive reelegendo uma penca dos mesmos.

Precisou o RJ chegar em uma situação extrema para o povo ver a necessidade da intervenção das forças armadas. Um dia praticamente histórico que trouxe de volta para a mairia do povo a sensação de proteção que há muito não se tinha, graças a este tipo de informação.

Pq alguém não faz um livro conversando com os militares e vendo o outro lado da moeda com opinião isenta? sim isenta. não adianta coletar as informações e depois inverter, com frases como "os coitados acreditam que estavam fazendo o bem", tem que ser "estavam servindo o pais" como de fato eles afirmam que estavam.

Naquele periodo existia respeito entre as pessoas e se andava nas ruas tranquilamente. Alguem ai sabe o que é isso hoje em dia?

Não sou a favor de ditadura, antes que me rotulem, mas a maneira como se dirigem e rotulam o periodo de 60-70 era me deixa louco.
 
Última edição:
Ah, voltando rapidamente apenas para acrescentar algo q me ocorreu q pode acontecer e não tenho intenção.
Sei como são estas novelas nos foruns, dai a gente nunca sabe qual o tom que a pessoa usa.
Mesmo que alguém se sinta afrontado, minha intenção é a de pura discussão, e o tom é amigavel.

abs,
Papa
 
Apenas complementando o titulo do tópico.
Foi apenas a tortura que aumentou?
o nivel criminalistico ao que eu sei foi lá pra cima.
Por acaso isto é herança do sistema "ditatorial" daquele periodo ou um total descaso dos governantes do "periodo livre" que resultou na conjectura em que vivemos.
É muito fácil passar a culpa pra quem não pode mais se defender, dos nossos próprios erros.

Mais a mais, a q tortura o se refere? A que acontece nas policias?

Ao que eu sei as policias são históricamente resultado de pequenos grupos de defesa que cada cidade/localidade possuia para se defender. Eram as "Milicias", as reais históricamente não estas crimonosas de hj em dia.

Estas milicias tinham a função de proteger as comunidades contra invasores, saqueadores, agressores, inclusive de outras comunidades. Com o tempo e com a "civilização" as milicias perderam sua função original de "combate" ou "militar" e passaram a exercer função de observação, de guarda, de patrulhamento, de servir a comunidade em um contexto bem mais amplo do que combater inimigos que vinham bater a porta da sua casa.

Estas milicias, agora policias sempre foram a parte, e organizadas pelas comunidades. A pratica de tortura por parte deles é histórica, e não pode ser atribuida um crescimento por conta de um periodo ou a falta de um.

Sendo assim, tambem podemos afirmar também o seguinte:
Brasil, um dos paises que mais esta crescendo economica apos a ditadura.
Isto poderia ser visto de duas formas.
1) Acabou a ditadura agora estamos crescendo.
2) Estamos crescendo graças a base do "periodo da ditadura."

Sou mais da segunda. Não sou fã da série da marvel, " O que aconteceria se..." pra pensar como seria este pais se a intervenção não tivesse ocorrido, e os compadres de Fidel tivessem regulado nosso pais como queriam.
 

Valinor 2023

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