Fox, o problema não é a limitação escrita.
É o ser humano que perdeu a capacidade de ler e interpretar textos!
Estava vendo "Razão e Sensibilidade", quando a personagem Marianne interrompe EC Ferrars frustrada porque o leitor não conseguia entender a angústia e dor do escritor que ele lia durante o serão.
Outro exemplo, foi quando eu li "As pontes de Madison" e a protagonista reclamava que seus alunos não conseguiam ver o teor sensual e provocante e ao mesmo tempo romântico de Keats (e só faziam piadas obscenas, vulgares e enfadonhas - pois o que é trivial é chato e enfadonho - a respeito de maçãs e seios)
O problema é que as pessoas perderam o gosto de desvendar o quebra-cabeças, de tentar decifrar a esfinge. Querem respostas prontas e rápidas, e se tornam homens-cinza, sem cor, sem motivação.
E tão centradas em si que são incapazes de ver os motivos do outro. Querem satisfazer seus desejos e ler sobre romances onde o bem vence o mal, o rapaz conquista a mocinha. Qualquer coisa que fuja a esse padrão, que os desagrade é tomado como ofensa pessoal, ameaça ao seu refúgio seguro. Tomam assim qualquer declaração de outrem e a deturpam (dentro de suas psiques) de forma a configurar um insulto contra essas pessoas e sofismando o contexto original.
Um texto de Rubem Alvez que me vem à memória agora e cujo exerto é interessante, (descrito melhor no link ttp://www.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/r_alves/id020501.htm)
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1. É comum, na retórica, especialmente quando movida por intenções polêmicas, que se faça uso de um deslize lógico, às vezes por ignorância, às vezes intencionalmente. Imaginem que eu tenha dito: "Alguns cachorros são ferozes." Aí alguém diz: "O Rubem Alves diz que os cachorros são ferozes." Conclusão: Rubem Alves não gosta de cachorros. Gosto sim. Gosto dos Dobberman, os mais obedientes que já tive. Dos Weimaraner, dos Sheep dog, dos Cocker, dos Perdigueiro. O erro lógico - sofisma - está em dar uma amplidão universal a uma afirmação particular. O fato de eu declarar que "alguns" cachorros são ferozes não permite a conclusão de que afirmo que "todos" os cachorros são ferozes. Mas foi precisamente esse erro lógico de que se valeu o articulista argumentando contra mim. Disse ele, como comentário ao que eu disse: "Melhor que atacar os advogados é ouvi-los." O que está implícito: Rubem Alves atacou os advogados. Os advogados? Quais? A palavra "os", nesta afirmação, tem o sentido de "todos". Rubem Alves atacou todos os advogados. Mas onde é que ataquei os advogados, como classe, como totalidade? Em lugar algum. Mas a declaração do doutor Bergo implica que foi isso que eu fiz. Uma pessoa que não tenha lido o meu artigo chegará à conclusão de que o Rubem Alves ataca os advogados. Acho a advocacia uma linda profissão. Já pensei em ser advogado, por duas razões: pelo meu amor à justiça e pelo meu prazer em pensar logicamente. A história está cheia de exemplos de advogados maravilhosos, inclusive Abraham Lincoln. E tenho uma enorme quantidade de advogados amigos com quem converso e a quem ouço. O que eu disse, no meu artigo, é que a declaração do adesivo "Sem advogado não se faz justiça" é falsa. E é mesmo. "Sem advogado não se faz justiça" é uma declaração universal que não é sustentada pelas evidências. Freqüentemente é a própria vida, sem o auxílio de ninguém, que faz justiça. Há uma cantina em Poços de Caldas que se anuncia: "Comer bem, só na cantina do João". Isso não é verdade. É uma mentira contada com propósitos de atrair clientes. Há muitos outros lugares em Poços de Caldas onde se come bem. Pois o tal adesivo "Sem advogado não se faz justiça" é uma versão arrevesada do anúncio da cantina: "Justiça, só chamando um advogado..." Fiz uma sugestão alternativa, que julgo verdadeira: "O advogado, querendo, pode ajudar a fazer justiça." O doutor Bergo, por basear seu argumento em descrições formais dos advogados, tais como são definidos idealmente nos tratados de direito, ignora que essa entidade "sem a qual não se faz justiça" não é uma entidade real. É uma ficção filosófica. E não se ofenda com isso. A matemática se faz toda com ficções. Um triângulo retângulo perfeito só existe em definições. Os triângulos retângulos reais são todos "desvios" do ideal. Os homens de carne e osso não são iguais às definições ideais que deles fazem o pensamento. Os médicos: são eles "iguais" aos ideais contidos no juramento que fazem na sua formatura? Por acusar um, ou dois, ou dez médicos de incompetentes e mercenários, significa isso que estou "falando mal dos médicos"? De forma alguma. Há uma quantidade enorme de médicos que respeito, procuro, ouço e obedeço. O mesmo vale para os professores, os sacerdotes e pastores, os policiais, os psicanalistas... Nenhum profissional é, por necessidade lógica, igual ao ideal perfeito da profissão. Essa identidade entre o advogado ideal, que luta pela justiça, e o advogado real, não se dá automaticamente. Ela não é intrínseca à condição de advogado. Ela pode acontecer? Pode. Mas, para que isso se dê, é preciso um ato de vontade do advogado: é preciso que ele "queira" lutar pela justiça. Estou dizendo, assim, que a beleza e a nobreza da profissão do advogado pertence à esfera da ética. Ela não pertence ao campo das definições formais e filosóficas, como sugere o doutor Bergo. O advogado, antes de ser um ser técnico, é um ser ético. Foi por isso que sugeri que o adesivo "Sem advogado não se faz justiça", a meu ver falso e enganoso, fosse substituído pelo adesivo "O advogado, querendo, pode ajudar a fazer justiça." Faço, então, uma outra sugestão: um adesivo que diga: "Sou advogado. Desejo lutar pela justiça." Isso seria bonito e inspirador!
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Vejam só: o advogado Bergo por sentir-se ofendido deturpa uma frase totalmente de acordo com sua interpretação errônea de um sujeito que na verdade não tinha nada contra ele. E isso advindo de dois senhores que tem formação intelectual forte e bem fundamentada.
Mas seria o professor o culpado por se expressar pobremente? (e não o é, pois o texto-critica que deu origem a essa contenda é muito bom) Ou seria o erudito advogado outro exemplo de pobre leitor, que não se preocupa em desvendar o outro, mas em se refletir nos textos que lê? (e se o espelho o desagrada o quebra?)
O mesmo vejo no mundo e neste fórum. Temos muita gente que não quer na verdade ouvir o próximo. Quer um "eu concordo", para ter a sensação confortável que não está fazendo besteira. Que ninguém diga que está andando nú.
Porém o melhor amigo é aquele que diz "você tá pelado, não percebeu?"