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Novo tributo ameaça encarecer livros e quebrar editoras que já agonizam

Loveless

J'ai une âme solitaire
Governo confirma intenção de acabar com alíquota zero do mercado editorial

Foi um dos maiores escritores brasileiros, o então deputado constituinte Jorge Amado, quem apresentou a emenda que garantiu na Constituição de 1946 a imunidade de impostos aos livros, assim como a jornais e periódicos.

Mantida na Carta de 1988, a norma parecia assegurar que não se pagariam mais tributos para produzir material para leitura. Mas, nas últimas semanas, o fantasma da taxação voltou a rondar o mercado editorial.

A reforma tributária encaminhada pelo ministro Paulo Guedes ao Congresso prevê que, na substituição de tributos como PIS e Cofins pela Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços, a CBS, se eliminem as isenções que valiam para as contribuições antigas.

A ameaça ao livro volta porque, apesar de imune a imposto, ele ainda está sujeito às chamadas contribuições sociais, tributos com destinação específica —e só paga alíquota zero de PIS e Cofins por força de uma lei de 2004.

Editores concordam que o novo tributo vai encarecer os livros e pôr em xeque a sobrevivência das editoras menores, que já trabalham com margem apertada de lucros e veriam seu produto ser tributado em 12% de uma hora para outra.

A diversidade que oxigena o setor editorial estaria sob risco de dar lugar a um mercado de poucas empresas, que conseguiriam repassar o novo custo aos preços de capa.

O Ministério da Economia confirma a intenção de acabar com a isenção do livro, ressaltando que não se trata de nova taxação, mas de um benefício que não será mantido.“A CBS tem como pressuposto a não concessão de benefícios”, diz o ministério, em nota. “Nesse sentido, foram eliminadas as hipóteses de alíquota zero (eram mais de cem) antes previstas. Assim, foi também eliminada a alíquota zero que se aplicava nas operações com livros.”

A resposta que Guedes deu a uma pergunta do deputado Marcelo Freixo, do PSOL, em uma audiência pública no Congresso na última quarta, ilustra sua forma de abordar o assunto.“Nós temos de auxiliar justamente os mais pobres, os mais frágeis. Então, vamos dar o livro de graça para o mais pobre, e não isentar o deputado Marcelo Freixo, que pode muito bem pagar um livro. Eu também, quando compro meu livro, preciso pagar meu imposto. Uma coisa é você focalizar a ajuda, outra é você, a título de ajudar os mais pobres, na verdade isentar gente que pode pagar”, disse o ministro.

“Acho que talvez seja mais fácil convencer os parlamentares que o Executivo”, afirma Marcos Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, sobre as estratégias que a indústria tem adotado para se contrapor à volta da tributação.

O sindicato e outras sete entidades assinaram um manifesto, publicado como anúncio neste jornal na quarta, que elenca diversos argumentos em defesa da causa, como o que atribui à isenção tributária a queda do valor médio do livro em 33% de 2006 a 2011 e o aumento de 90 milhões no número de exemplares vendidos.

Pereira argumenta que o tamanho da economia do livro —o faturamento total do mercado editorial no ano passado foi de R$ 5,7 bilhões— é desproporcional à contribuição que ele traz para a sociedade. A alíquota zero, segundo ele, representa “uma aposta num Brasil moderno, inclusivo, com vontade de ascensão". "O livro é o instrumento perfeito para o crescimento pessoal.

”O país tem uma carência histórica de investimento do Estado em políticas para leitura, aponta o editor. “Se você taxar o livro nesse momento, o que está fazendo é um desinvestimento. Não investe e ainda retira o dinheiro.”

A deputada Fernanda Melchionna, do PSOL, que lidera a Frente Parlamentar do Livro, da Leitura e da Escrita, diz que prepara uma emenda ao projeto de reforma, que vincula a isenção do livro a contrapartidas que abarquem todos os eixos da Política Nacional de Leitura e Escrita.

“Paulo Guedes tem uma política de salvar os grandes e liquidar os pequenos”, afirma a deputada, acrescentando que mesmo livrarias e editoras médias podem ser consideradas pequenas empresas. “O que a reforma faz é onerar o setor de serviços e desonerar os bancos, quando o movimento tinha que ser o contrário.”

Segundo o advogado Rubem Perlingeiro, que elaborou um parecer jurídico fundamentando a isenção dos livros, a ideia da imunidade constitucional e da Política Nacional do Livro, de 2003, é permitir que a literatura circule livremente. “Criar um tributo para o livro, seja com que nome for, é tentar distorcer o espírito da Constituição.”

O economista Bernard Appy, um dos mentores da PEC 45, a proposta de reforma tributária que tramita na Câmara desde o ano passado, tem uma outra visão. Mesmo reiterando que seu projeto não mexe na tributação de livros e mantém a imunidade, ele afirma que essa taxação não é errada.

“Quem consome livro, na grande maioria, são pessoas de alta renda. Então a rigor, quando você desonera o livro, desonera aquilo que uma pessoa de alta renda consome.”

Diante de uma pergunta sobre os riscos de a taxação provocar um aumento de preços que torne o livro um produto ainda mais elitizado —indo de encontro a qualquer proposta de popularizar a leitura—, ele diz que o ponto de vista é razoável.

“Por outro lado, tem que pensar que a maior parte da demanda do livro hoje é de pessoas que continuariam comprando se o livro fosse mais caro”, acrescenta. “Com os recursos que são arrecadados, você pode fazer uma política que seja melhor para cultura do que manter a não tributação de livros.”

O mercado editorial brasileiro, que já encolheu 20% desde 2006 e ainda sofreu o baque da pandemia, se vê agora diante de mais uma turbulência para apertar os cintos.

 
“Por outro lado, tem que pensar que a maior parte da demanda do livro hoje é de pessoas que continuariam comprando se o livro fosse mais caro”, acrescenta. “Com os recursos que são arrecadados, você pode fazer uma política que seja melhor para cultura do que manter a não tributação de livros.”

*chega tony jr. com o caminhão cheio de livro, despeja na frente da escola em bacurau*

***

vale lembrar que ao contrário do que diz a reportagem (que pessoas de classes altas são os maiores consumidores de livros), o maior comprador de livros no país é...

... o governo federal.

então me parece uma atitude meio imbecil. adianta taxar se no fim o aumento do valor vai morder o bolso do próprio governo? ainda mais considerando o que foi dito ali na reportagem, de que:

o tamanho da economia do livro —o faturamento total do mercado editorial no ano passado foi de R$ 5,7 bilhões— é desproporcional à contribuição que ele traz para a sociedade.
 
A falácia de Paulo Guedes sobre a taxação de livros
Ministro diz, com apoio do tributarista Bernard Appy, que livro é produto para elite, mas pobres também querem escolher o que ler
Luiz Schwarcz
Editor da Companhia das Letras

Recentemente, o ministro Paulo Guedes veio a público defender sua reforma tributária e a taxação dos livros. Seu argumento é mais ou menos o seguinte: o livro é um produto de elite, logo, quem compra pode pagar um preço maior.

O tributarista Bernard Appy fez coro ao ministro. Como contrapartida, aos milhares de leitores que serão prejudicados, Guedes ofereceu: “O governo dará livros de graça para os pobres”.
É importante analisar alguns aspectos da declaração e as visões de mundo, de cultura e de educação que estão por trás dela.

Em primeiro lugar, choca imaginar o que o ministro e o tributarista imaginam ser o anseio legítimo da população pobre. Estaríamos vivendo uma nova versão da história romana do pão e circo? Os pobres têm direito inalienável de acesso à cultura ou devem aguardar pelo paternalismo eterno de um governo que escolherá por eles?

Um pouco de história ajuda. O livro no Brasil foi muito beneficiado pelas políticas distributivistas dos governos FHC e Lula. Ou melhor, as classes menos favorecidas, especificamente a classe C, passaram a comprar livros e a atuar ativamente no mercado da cultura e da educação.


Cabe perguntar: essa classe se enquadraria entre os ricos que devem pagar mais? O jovem das classes desfavorecidas pela enorme desigualdade brasileira, que depois de anos conseguiu entrar numa universidade, faz parte dos ricos que devem pagar mais? Alguém pode dizer com que dinheiro eles poderiam arcar com esse aumento?

Na mais recente Bienal do Livro no Rio de Janeiro, da qual participaram 600 mil pessoas, grande parte era de jovens da classe C. Na Flup (festa literária das periferias), os dados são ainda mais eloquentes: do público total do evento, 97% se declaram leitores frequentes de livros, 51% têm entre 10 e 29 anos, 72% são de não brancos e 68% pertencem às classes C,D e E!

Diante do crescimento da demanda de livros por uma nova classe, que passou a participar do mercado livreiro pela primeira vez, os editores mantiveram preços estáveis, mesmo num período de inflação considerável, como nos anos Dilma/Temer.

Com os preços relativamente estáveis, os novos leitores de classes menos favorecidas permaneceram no jogo, e o grande perdedor foi o livreiro, que tinha seus aluguéis e salários aumentados, e o faturamento, diminuído.

Esse é um exemplo da fragilidade da cadeia editorial/livreira, que agora enfrentará um inimigo diferente da inflação e quebrará em dominó com a elitização de seu produto e mais: com taxas que não cabem em seu orçamento.

Para sobreviver, o livreiro não poderá aumentar preços, que são determinados pelo editor, mas terá de diminuir descontos para o consumidor final. Novamente o resultado esperado será uma elite leitora ainda menor.

A editora pequena, que vende pouco e está fora do jogo dos best-sellers, provavelmente não aguentará ver suas tiragens ainda mais diminuídas. Terá como sobreviver às tantas crises destes últimos três anos? Os importantíssimos livros de baixa tiragem serão ainda mais restritos e poderão não encontrar editor. O aumento do preço do livro tornará um bem parcialmente elitizado em mais elitizado ainda.

O raciocínio que estamos examinando é o seguinte: se os pobres não leem, os ricos que paguem mais. Mas o que não entra no vosso cálculo, senhor ministro e senhor tributarista, é que os pobres querem ler. A doméstica que gostaria de ter ido à Disney e infelizmente não ganha o suficiente para ir quer ler. E todos os que querem têm direito de escolher o que ler.

Que governo é esse e que ministérios da Educação e da Cultura temos, para que possamos delegar totalmente a seleção dos livros a esses senhores e senhoras? Que liberalismo é esse que defende o dirigismo estatal na escolha do que o pobre deve ou não deve ler?

A distribuição gratuita de livros escolares nada tem a ver com facilitar o acesso a bens culturais, cuja cadeia de produção ainda é frágil. Continua sendo fundamental fornecer livros gratuitamente a bibliotecas escolares ou a leitores pobres, mas isso só cobre uma parte da equação. Na visão de mundo vigente nesse projeto, o rico pode ler, mas o pobre só lerá o que o governo lhe fornecer.

Quem justifica a nova taxação com essa falácia sabe que sem leitura ninguém ascende socialmente ou será que não se preocupa com isso?

Que visão têm esses senhores da pobreza, do papel dos bens culturais e da educação para o povo? Será que o ministro e o tributarista sabem diferenciar livros básicos de literatura escolar da capacidade de acesso ao conhecimento voluntário e geral?

Que garantias oferece esse governo com relação às verdadeiras políticas de distribuição de renda –políticas que precisam, de antemão, enxergar os pobres como cidadãos com vontade própria, intelectual e criativa, com discernimento de escolher cultura e educação para a sua cesta básica.

No início da pandemia, o prefeito de Montevidéu decidiu incluir livros na cesta básica, dando um sinal de que a cultura faz parte das necessidades primordiais da população. Determinar que cultura é da elite por natureza, a ponto de decidir elitizá-la ainda mais, implica uma visão de mundo que não vislumbra que os pobres venham a ter meios próprios de ascensão na pirâmide social.

Ninguém pede isenção de impostos para lucrar mais, mas sim para continuar na luta por mais leitores, passo essencial para termos um país melhor e mais plural.

O ministro e o tributarista, ao se preocuparem apenas com o orçamento catastroficamente administrado pelo governo atual, buscam uma taxação inconstitucional dos livros, consagrada na longa tradição jurídica brasileira, e que só destruirá o canal livreiro e alijará milhares de futuros leitores que querem ler para discutir, de igual para igual, os preconceitos a eles atribuídos, colocando em xeque medidas injustas como essa.
 
Nunca poderão acusá-lo de incoerência. Artigo de 16 de outubro de 2018 na Folha:

Candidatura de Bolsonaro é irmã de tempos tenebrosos, diz editor Luiz Schwarcz
Presidente da Companhia das Letras afirma ver ameaça à liberdade de expressão no Brasil

SÃO PAULO
O editor Luiz Schwarcz, presidente do Grupo Companhia das Letras, enviou a colaboradores uma carta com críticas ao presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) e um pedido de voto em Fernando Haddad (PT).
O documento foi enviado a autores, editores e livreiros do e-mail pessoal de Schwarcz, na tarde desta terça-feira (16), e começou a circular entre o meio literário.
"A candidatura de Bolsonaro é falsamente nova e é irmã de tempos tenebrosos de nossa vida política e cultural", escreve o editor em trecho do documento.
Na carta, Schwarcz diz ainda ter uma visão pouco positiva dos governos do PT, mas afirma acreditar numa renovação do partido. Ele acrescenta esperar que Haddad faça uma autocrítica dos "erros pregressos" da sigla.
"Sugiro a todos os colegas editores que prezam a liberdade de expressão que votem em Fernando Haddad, se posicionando contra o discurso difusamente preconceituoso, contra o autoritarismo e a intolerância, símbolos do outro polo que se anuncia como alternativa no segundo turno desta eleição", escreve o editor.
O presidente da Companhia das Letras diz ver em Bolsonaro uma ameaça à tolerância e à liberdade de expressão. "Temos que afastar o grande risco de retroceder décadas em aspectos fundamentais da nossa vida pessoal e profissional", diz ele na carta.
Leia a íntegra do documento:
Carta aos autores, editores e livreiros
Não costumo me manifestar publicamente e nunca pedi voto ou sugeri votar em qualquer candidato. Posicionei a linha editorial do Grupo Companhia das Letras com independência em relação às minhas opções políticas, mas com ênfase clara em causas justas, publicando livros de apoio a minorias, que refletem a pluralidade e são contra a discriminação racial e a favor da liberdade de expressão.
Tenho uma visão pouco positiva sobre parte importante do legado dos anos do PT no poder, e espero que Fernando Haddad ainda mostre que a esquerda é capaz de fazer autocrítica, que a volta do partido ao poder seria embasada no reconhecimento de erros pregressos, oriundos da associação a formas viciadas e incorretas da prática política no Brasil, em proporções inimagináveis e contrárias à origem e vocação de um verdadeiro partido dos trabalhadores.
Por acreditar na possibilidade de que um PT renovado se apresente numa nova gestão nacional, se comprometendo, por exemplo, com políticas de equilíbrio fiscal, sugiro a todos os colegas editores que prezam a liberdade de expressão que votem em Fernando Haddad, se posicionando contra o discurso difusamente preconceituoso, contra o autoritarismo e a intolerância, símbolos do outro polo que se anuncia como alternativa no segundo turno desta eleição. A candidatura de Bolsonaro é falsamente nova e é irmã de tempos tenebrosos de nossa vida política e cultural.
Construímos nas últimas décadas um mercado editorial vigoroso, tivemos governos comprometidos com a educação e especificamente com a formação de leitores e de bibliotecas públicas, que levaram o livro a quem não pode comprá-lo devido ao histórico fosso social de nosso país. Isso foi feito de maneira criativa e inédita por governos como o de Fernando Henrique Cardoso e o de Lula, que acreditavam na educação. Fernando Haddad se destacou nessa área como ministro, o que também o qualifica para contar com o voto da classe editorial. Além disso, ele coloca a educação entre as prioridades do país, e não podemos aceitar menos que isso de nenhum candidato. Seu perfil moderado dentro do partido nos permite viver a esperança de que os inúmeros equívocos do PT, em várias áreas, não se repitam e que o partido volte aos compromissos que marcaram sua origem.
Autores, editores e livreiros têm força para pedir a todos que prezam a democracia que contribuam, criticamente, se unindo em favor da tolerância e da liberdade de expressão, que estão ameaçadas. Falta um gesto mais claro do PT em busca de um governo de coalização, mas os futuros danos à democracia têm sido verbalizados pelos seguidores do PSL continuamente e são graves.
Temos que afastar o grande risco de retroceder décadas em aspectos fundamentais da nossa vida pessoal e profissional. Desejo um bom voto a todos.



não foi por falta de aviso :) inclusive tem editora que surfou na onda olavista e que agora tá aí assinando manifesto com a maior cara de

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Eu diria que a proposta é inacreditável, mas esse é um adjetivo que perdeu completamente o significado no governo Bolsonaro.
 
Eu diria que a proposta é inacreditável, mas esse é um adjetivo que perdeu completamente o significado no governo Bolsonaro.

considerando as outras propostas que estão vindo desde o temer, tá com cara daquela estratégia de salpicar uns negócios estapafúrdios para todo mundo falar sobre o estapafúrdio e aí eles "tá bom, tiramos", para acabar aprovando a outra coisa que pensando bem, também era estapafúrdia. a gente fica concentrado falando do imposto do livro, mas tem lá a cpmf com fantasia de imposto sobre pagamentos eletrônicos, que pelo visto será uma realidade. enfim, tamo fu de qualquer forma.
 
Acho que te escapa o cerne da questão.

Que teses econômicas funcionam em teoria não é surpresa. Mas a economia é um sistema vivo, e medidas econômicas têm diversos efeitos, não só diretos, e não só os pretendidos, mas, em quase todas as situações, também indiretos e outros que sequer foram previstos.

Tributar não é mera arte de depenar o ganso obtendo a maior quantidade de penas com o menor volume de grasnido. A escolha do que tributar e de que alíquotas impor tem sempre efeito extrafiscal.

O Estado social pressupõe o subsídio a áreas que sejam consideradas essenciais mas que não sejam percebidas pelo mercado como adequadamente lucrativas. Disso decorre que diversas medidas sejam tomadas para incentivar a agricultura, por exemplo, e para desencorajar o consumo de refrigerantes ou de cigarros, produtos que tenham potencial efeito negativo para a saúde (ou, de forma geral, para o difuso “bem-estar social”).

Cultura tem um valor difícil de ser quantificado, e grande parte da literatura tem valor de mercado muito abaixo dos custos para a sua produção. Muitas das obras publicadas só são viáveis por uma série de incentivos, tanto para traduções quanto para obras nacionais.

Qualquer tributação ao livro, ou medida que aumente o custo de produção, terá impacto no mercado editorial. No Brasil, o mercado editorial tem reduzido há anos a entrada de autores e de títulos para os quais se supõe um interesse limitado. Muitos dos livros que não tenham um grupo de consumidores consolidado têm lucratividade limitadíssima, e não são raros os que representam prejuízo (a Companhia das Letras, por exemplo, já declarou que tem prejuízo editando os livros do Pynchon; ainda que a publicação de um autor “cult” tenha associado a si um certo prestígio editorial, os ganhos de imagem não necessariamente compensam as perdas financeiras). Le Clézio, por exemplo, ganhador do Nobel e escritor ainda muito prolífico, não tem um livro publicado no Brasil há quase 10 anos. A Companhia das Letras freou até mesmo as publicações do Simenon, tendo adquirido direito e prometido publicar toda a obra do autor. Aumentar o custo do livro terá efeito de reduzir a margem de risco a que uma editora pode se propor correr para publicar livros alternativos. Acho que esse potencial efeito nocivo para a já tão pobre cena literária nacional é o maior motivador de críticas.

Mesmo a promessa de “dar livros aos pobres” não parece suficiente para contrapor o aumento de custos. Primeiro, porque é mera promessa, e não se tem ideia do escopo desse incentivo e nem da forma de funcionamento. Segundo, porque, seguindo a lei de ferro da oligarquia, o governo tende a alocar boa parte do seu orçamento nas medidas que mais lhe garantam a sustentação no poder, e medidas de incentivo podem ser descontinuadas a qualquer momento, sobretudo quando o direcionamento dos benefícios não for adequadamente avaliado; jogar livros para pessoas que efetivamente não lerão já serve premissa para acabar com o hipotético programa de incentivo (não se pode, evidentemente, desperdiçar dinheiro público). Terceiro, porque boa parte da população não está na linha da pobreza, mas não tem margem para investir em algo que tenha um benefício tão difuso quanto a literatura, e um aumento do preço do livro deve afastar ainda mais essas pessoas.
 
Perfeito, @Jacques Austerlitz .

E, se me permite um aparte, ainda há que se considerar o impacto da tributação lá na ponta da cadeia, considerando o comércio de livros. As maiores redes de livrarias do país já estão em recuperação judicial, fecharam dezenas de lojas e demitiram centenas de empregados. Imagine o impacto do aumento do preço do livro sobre as pequenas e médias livrarias e para os empregos que o setor gera! Com o encarecimento dos livros, a demanda sobre esse comércio tende a se restringir, sobretudo quando você tem gigantes do E-commerce capazes de bancar um preço muito mais competitivo. Isso tende a afundar essas pequenas e médias livrarias, inviabilizar um certo número de editoras e reforçar a dependência de outras tantas em relação a uma Amazon da vida.

Em segundo lugar, caberia considerar que Livro no Brasil, mesmo apesar dos incentivos fiscais, costuma ser um artigo bastante caro. E o é porque a renda média do brasileiro é muito rebaixada. Um estudo do IBGE mostrava que, em 2019, 100 milhões de brasileiros viviam com menos de R$ 413,00 por mês. Essa galera já está fora desse circuito de consumo. Então, a proposta do Guedes não vai tirar o pobre da jogada. Vai tirar da jogada um amplo estrato da nossa classe média, que em geral, também é uma classe média empobrecida. O cara que ganha um salário de R$ 3.000,00 (três mil reais) deve ganhar acima de 80% dos brasileiros, pelo menos (o Nexo Jornal tinha uma calculadora que permitia fazer essa projeção, mas atualmente só está disponível para assinantes). A depender do custo de vida da região em que esse cara vive, pode ser que ele, no formato atual, integre esse mercado consumidor. Ao encarecer os livros, você pode estar tirando esse cara da jogada.

Algumas outras questões:

Me permita uma correção, @DiphthongoRhythmico . O imposto sobre o consumo é regressivo, não progressivo. Exatamente pelas razões que você apontou: porque o pobre que compra um lápis paga os mesmos tributos que o Sílvio Santos pagaria, havendo óbvia desproporção quando considerada a renda de cada um.

Veja, eu não estou dizendo que não é necessária uma reforma tributária. O nosso sistema tributário é tremendamente injusto, desigual e, sob vários aspectos, ineficiente. Os realmente ricos nesse país, os herdeiros, os tubarões do mercado e da política, os donos do país, o "1%" são tremendamente privilegiados, do ponto de vista da tributação - sem sombra de dúvida. Mas tributar os livros não é medida de "igualdade". É reforçar uma desigualdade que já está colocada, tornando o acesso a esses bens culturais ainda mais restrito, ainda menos democrático. A promessa do Guedes de "dar livro pra pobre" não tem nada de concreto - acho que o Jacques Austerlitz já apontou isso, com propriedade - e se resume a uma tentativa ridícula de sair por cima, quando inquirido por um deputado, malversando o debate. De outro modo, nós precisaríamos perguntar ao senhor Paulo Guedes se ele tem interesse em discutir o estatuto do privilégio nesse país, considerando o nosso modelo tributário. E aí eu entendo que há medidas muito mais efetivas do que tributar livros, mas desconfio também que o sr. Paulo Guedes não terá nenhuma disposição para sequer considerá-las.

De qualquer forma, eu não consigo evitar a suspeita de que essa questão da tributação dos livros seja meio cortina-de-fumaça, pra causar furdúncio mesmo, pra então tentar "passar a boiada".
 
Perfeito, @Jacques Austerlitz .

E, se me permite um aparte, ainda há que se considerar o impacto da tributação lá na ponta da cadeia, considerando o comércio de livros. As maiores redes de livrarias do país já estão em recuperação judicial, fecharam dezenas de lojas e demitiram centenas de empregados. Imagine o impacto do aumento do preço do livro sobre as pequenas e médias livrarias e para os empregos que o setor gera! Com o encarecimento dos livros, a demanda sobre esse comércio tende a se restringir, sobretudo quando você tem gigantes do E-commerce capazes de bancar um preço muito mais competitivo. Isso tende a afundar essas pequenas e médias livrarias, inviabilizar um certo número de editoras e reforçar a dependência de outras tantas em relação a uma Amazon da vida.

Em segundo lugar, caberia considerar que Livro no Brasil, mesmo apesar dos incentivos fiscais, costuma ser um artigo bastante caro. E o é porque a renda média do brasileiro é muito rebaixada. Um estudo do IBGE mostrava que, em 2019, 100 milhões de brasileiros viviam com menos de R$ 413,00 por mês. Essa galera já está fora desse circuito de consumo. Então, a proposta do Guedes não vai tirar o pobre da jogada. Vai tirar da jogada um amplo estrato da nossa classe média, que em geral, também é uma classe média empobrecida. O cara que ganha um salário de R$ 3.000,00 (três mil reais) deve ganhar acima de 80% dos brasileiros, pelo menos (o Nexo Jornal tinha uma calculadora que permitia fazer essa projeção, mas atualmente só está disponível para assinantes). A depender do custo de vida da região em que esse cara vive, pode ser que ele, no formato atual, integre esse mercado consumidor. Ao encarecer os livros, você pode estar tirando esse cara da jogada.

Algumas outras questões:

Me permita uma correção, @DiphthongoRhythmico . O imposto sobre o consumo é regressivo, não progressivo. Exatamente pelas razões que você apontou: porque o pobre que compra um lápis paga os mesmos tributos que o Sílvio Santos pagaria, havendo óbvia desproporção quando considerada a renda de cada um.

Veja, eu não estou dizendo que não é necessária uma reforma tributária. O nosso sistema tributário é tremendamente injusto, desigual e, sob vários aspectos, ineficiente. Os realmente ricos nesse país, os herdeiros, os tubarões do mercado e da política, os donos do país, o "1%" são tremendamente privilegiados, do ponto de vista da tributação - sem sombra de dúvida. Mas tributar os livros não é medida de "igualdade". É reforçar uma desigualdade que já está colocada, tornando o acesso a esses bens culturais ainda mais restrito, ainda menos democrático. A promessa do Guedes de "dar livro pra pobre" não tem nada de concreto - acho que o Jacques Austerlitz já apontou isso, com propriedade - e se resume a uma tentativa ridícula de sair por cima, quando inquirido por um deputado, malversando o debate. De outro modo, nós precisaríamos perguntar ao senhor Paulo Guedes se ele tem interesse em discutir o estatuto do privilégio nesse país, considerando o nosso modelo tributário. E aí eu entendo que há medidas muito mais efetivas do que tributar livros, mas desconfio também que o sr. Paulo Guedes não terá nenhuma disposição para sequer considerá-las.

De qualquer forma, eu não consigo evitar a suspeita de que essa questão da tributação dos livros seja meio cortina-de-fumaça, pra causar furdúncio mesmo, pra então tentar "passar a boiada".

Obrigado. A pressa me confundiu.

Eu concordo com os vossos ponctos de vista. Por isso mesmo não tenho 100% certeza de nenhum lado. No entanto, vejo muita balburdia irracional na internet por causa deste thema, muitas vezes pura revolta contra o Palestrinha motivada a priori por discordancia ideologica quando o que se discute está longe de dever ser ideologia.
 
Mais imposto, "livro é coisa de rico" e, por consequência, a Receita achando que nós somos ricos (nunca é uma coisa boa quando vem da RFB, né?). É basicamente o combo do pesadelo.
 
E mesmo que não fosse isso, vão querer usar o pagamento do novo auxílio como motivo pra aumentar o imposto sobre os livros.
 

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