imported_Wilson
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[align=justify]Um cigarro entre os lábios. A brasa acende. A garganta queima. O pulmão se destrói. Por um flash de segundo, o prazer. O cursor pisca no monitor. A tela ainda branca. Um copo com vodka. Pura. Um gole. Ardor. Depois, prazer. Idéias somem tão rápido quanto aparecem. Outro gole. Copo vazio na mesa. O rosto se contrai, os olhos se fecham, e quando abrem, por um flash de segundo, algo gira. Outra tragada. Uma palavra lhe foge à mente. A fumaça catalisa o efeito do álcool. Leva as mãos ao teclado. Hesita. Escapou novamente. Talvez mais uma dose? Não. Concentre-se. Está tudo aí, só precisa escrever. Escreva. As mãos ainda evitando o teclado. Mais uma longa tragada. O cigarro se deita no cinzeiro. Minuciosamente alinhado à direita do computador. Organize-se. Os dedos teclam: Naquele dia J. acordou sozinho. Protagonista sem nome. O mundo acabou e os deuses esqueceram-se dele. Boa frase. Um homem sozinho. Texto sobre solidão. Sem perceber: os dedos no cigarro, o cigarro entre os lábios. Cadeira vazia. Congelador aberto. Copo vazio. Copo cheio. Congelador fechado. Copo vazio. Súbito furor. De volta à cadeira. O cursor pisca no monitor. Algo lhe escapa. Reunir as idéias: o mundo acabou, só restou uma pessoa. E o enredo? Um protagonista só é suficiente. O que se passa em sua cabeça? Medo, desespero, impotência, insegurança, liberdade? Um cigarro morre, outro nasce de suas cinzas. Merda. Os minutos passam. A mente divaga. Está em outro lugar agora, não sabe dizer onde. Como fumaça os pensamentos fluem. Começam como um fio coeso, impalpável, e logo se dispersam num turbilhão. Disciplina. Preciso de disciplina. Imagens que não dizem nada. Personagens sem contexto. Histórias sem propósito. Palavras que brincam, que escapam. Que ganham vida própria, que se rebelam. Imagina Dostoiévski imaginando o que imaginava Raskólnikov. William Burroughs transcrevendo sua loucura. E quanto a mim? O que eu tenho? Escreve: nada. Apaga, com medo. Uma história sobre o nada? Como? Talvez outro cigarro traga a resposta. Não, nada. Sente-se preso. Hipnotizado pelo vazio do monitor. Pelo seu vazio? O cursor ainda pisca contra o fundo branco. O cursor ainda pisca no fundo de sua mente. O que ele queria? Eu quero tudo. Todas as vidas. As que nunca tive e as que nunca terei. Separadas de mim pelos disfarces do tempo, do espaço e da realidade. O suor lhe escorria pela testa. Um cigarro pendia frágil entre os lábios. Sentiu-se parado em frente à própria lápide, lendo o epitáfio que ninguém nunca escreveria. Estou enlouquecendo, sussurrou para si mesmo. Obviamente não posso ter um romance inteiro sobre os pensamentos de um personagem. Mirei alto demais. E se ele não for o único? E se houverem outros? Quem? Uma mulher talvez. Como ela seria? E a história? Preciso de uma trama. Não tenho nada. Merda. Não pode ser tão difícil assim. É ficção. Eu posso inventar o que eu quiser, quem eu quiser. Só depende de mim. Da minha imaginação. Deveria haver então outros sobreviventes? É esse o problema? Não foi assim que eu imaginei o fim do mundo. Não há corpos. Há, justamente, a ausência deles. Não restou nada além das lembranças. Sem corpos, repetiu para si mesmo. Sem corpos. Escreveu: J. correu. Correu até que os músculos de suas pernas ardessem. Correu até o ar não ser mais suficiente. Correu até que sua vista embaçasse. Correu até que perdesse o controle da mente. Correu além da dor. Correu até que seu corpo não mais respondesse, apenas corresse. Correu até sentir o coração vir bater-lhe na garganta. Até achar que iria morrer. E então continuou correndo. Sem ter do que fugir ou para onde chegar, correu. Correu até o seu sistema nervoso falhar. Correu através de todos os espectros. Correu até ver tudo branco. Correu até que não ouvisse mais os seus passos ou o seu peito ou o ar entrando e saindo de seus pulmões. Correu até não sentir mais nada. Correu até que não pudesse mais parar. Acabou. Acabou, não há mais nada. Imóvel. De frente para seu computador. Frustrado, impotente. Além disso, estava começando a ficar embriagado. Entornava um copo atrás do outro, garganta abaixo. Quanto mais tentava se concentrar em sua tarefa, mais divagava. Seus pensamentos não mais lhe obedeciam. Ele sentia que a história estava guardada em algum canto de sua mente. Só não conseguia tirá-la de lá. Eu tenho um protagonista aprisionado em minha falta de criatividade. Tentava se colocar dentro da história. Imaginava-se em um mundo acabado, desolado. Mas não conseguia, efetivamente, se colocar lá dentro. Minha história está errada?, duvidava de si mesmo. Talvez não seja a história que eu deva contar. Mas uma voz silenciosa o impelia a continuar.[/align]
Por um instante
as luzes se apagaram
você fechou os olhos
só isso
viu?
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