Da coluna do Rodrigo Salem no Yahoo:
Netflix crava uma estaca no coração de Hollywood, que amarga maior crise em quase uma década
Não sabia dessa crise do IMax, e me pareceu que o Netflix está mais pra ajudar o cinema americano do que pra "cravar estaca".
Netflix crava uma estaca no coração de Hollywood, que amarga maior crise em quase uma década
O verão americano, normalmente a temporada mais lucrativa para Hollywood, foi um fracasso em 2014. Uma queda de 15% em relação ao ano passado deixou a indústria em alerta com os números mais baixos das bilheterias em oito anos.
O desespero levou os executivos a tomarem a decisão de focar seus grandes projetos no mercado internacional, principalmente a China, hoje o segundo maior do planeta. Por causa disso, nunca se produziu tantos blockbusters horrorosos com objetivos claros de entorpecer o público chinês, ávido por filmes em 3D e efeitos especiais suprimindo o roteiro –duas características que pareciam ter ficado um pouco de lado em Hollywood desde o sucesso de “Matrix” (1999).
Mas oscilações são comuns. Ainda mais quando temos dois anos vindouros recheados de possíveis campeões bons de bilheteria (“Star Wars, Episódio VII”, “Batman e Superman”, “Avatar”, “Os Vingadores 2”, o último “Jogos Vorazes”).
A estaca no coração de Hollywood, semana passada, veio do Netflix. Primeiramente, a provedora de filmes e séries em streaming anunciou que havia fechado um acordo de quatro filmes exclusivos e originais com o comediante Adam Sandler –o primeiro saindo no fim de 2015. Quem gosta de cinema e do controle de qualidade do Netflix (me coloque na lista), torceu o nariz. Afinal, precisamos de quatro longas de Sandler em nossas listas do Netflix?
No entanto, parei um pouco para pensar na decisão e ela é bastante esperta. Sandler não deve ter custado tanto por estar em um péssimo momento na carreira cinematográfica americana (seu recente “Juntos e Misturados” não passou dos US$ 46 milhões nos EUA), mas possui uma entrada fácil em quase todo o mundo (o mesmo filme rendeu US$ 80 milhões internacionalmente). Netflix meio que falou que faz o suficiente para as Américas, onde reina, mas quer ampliar seu avanço na Europa e finalmente arriscar os primeiros passos na Ásia –assim como no Brasil, a China possui uma cultura de mercado cinza complicado de ser vencido, mas não impossível.
O nome de Sandler começou a fazer mais sentido. E não ficaria surpreso se acordos semelhantes abrigarem Nicolas Cage, Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger, Keanu Reeves e outros astros ainda fortes fora do território americano.
A questão é como isso poderia refletir na qualidade das produções originais do Netflix? Segundo alguns especialistas, o canal online liberou cerca de US$ 100 milhões para ter David Fincher e Kevin Spacey em duas temporadas de “House of Cards” –a terceira está sendo filmada neste momento. Mas são dois nomes inquestionáveis na indústria.
Estaria a Netflix se rendendo ao puro comercialismo sem retorno artístico nesta nova fase com Sandler, cujo processo criativo parece ter ficado lá trás, nos anos 1990?
Os próximos meses serão cruciais neste modelo de negócio liderado pelo diretor de conteúdo Ted Sarandos, que vai apresentar “Marco Polo”, sua resposta à “Game of Thrones”, e mais uma temporada de “Orange is The New Black”.
A cartada mais ousada de Sarandos foi anunciada na terça-feira (30), quando revelou que produzirá com os irmãos Weinstein a sequência de “O Tigre e o Dragão”, um dos maiores sucessos asiáticos de todos os tempos e responsável por uma explosão de filmes no gênero wuxia.
A continuação com modesto orçamento de US$ 45 milhões terá o retorno de Michelle Yeoh e Donnie Yen e a direção de Yuen Woo-Ping, mais conhecido no ocidente pelas coreografias de lutas de “Matrix” e “Kill Bill”, mas também responsável por dirigir clássicos chineses como “O Mestre Invencível” (1978), um dos melhores filmes de Jackie Chan.
A grande sacada com o lançamento, porém, não se trata do valor de produção. A Netflix ousou peitar os donos de cinemas: em agosto de 2015, quando “O Tigre e o Dragão: A Lenda Verde” for lançado, ele estará simultaneamente disponível para os assinantes do Netflix e nos cinemas em formato Imax.
A cadeia de multiplexes americana AMC já declarou que não vai exibir o filme em seus cinemas e outros devem seguir seus exemplos. Mas é aí que entra a jogada de gênio do Netflix.
Muitos não sabem, mas o Imax está passando por uma crise nos EUA, com diversas salas sendo fechadas e novos formatos sendo estudados para substituir a antiga e gigantesca telona. Por outro lado, filmes em Imax têm entrada mais fácil na China, que possui 170 salas no formato, triplicará o número nos próximos cinco anos e hoje é responsável por grande parte do lucro da empresa canadense.
Ou seja, Netflix consegue fazer barulho com uma sequência de nível, mesmo 15 anos depois do original, mostra aos exibidores ianques que seus modelos de negócios estão ultrapassados e ainda correm o risco de entrar no inóspito mercado chinês de streaming. Útil e agradável.
A ação é mais uma que os exibidores precisarão encarar depois que o Video on Demand (VoD) começou a mostrar seu poder entre o público mais jovem. Por exemplo, o ótimo “O Expresso do Amanhã” rendeu apenas US$ 4,5 milhões nos cinemas americanos, em junho, mas triplicou esse valor no pay-per-view quando foi lançado simultaneamente.
O cinema independente ganha força com esses números, enquanto Hollywood se bandeia para a China e seu gosto, digamos, inocente em relação às superproduções.
Há uma revolução em curso. Só espero que o Netflix não guarde sua genialidade apenas nos negócios.
Os próximos anos prometem.
Não sabia dessa crise do IMax, e me pareceu que o Netflix está mais pra ajudar o cinema americano do que pra "cravar estaca".