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Autor da Semana Nelson Falcão Rodrigues - O Anjo Pornográfico

Arringa Hrívë

Um papo e um bom chimarrão
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Nelson Falcão Rodrigues

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(Nelson Falcão Rodrigues - 23/09/1912, Recife - Pernambuco).

Eis o prodigioso escritor dramaturgo brasileiro.
Do contrário ao que esperava, por sua escrita forte, violenta, obscena, muitos comentários a cerca de Nelson ser de origem humilde e retratar sua realidade brotavam em cantos e locais de toda parte, porém, deparamo-nos com a contrariedade.

É certo que usufruía de uma vida com facilidades, filho de pai Deputado e Jornalista, o reconhecido Mário Rodrigues e sua mãe, Maria Esther Falcão, sendo o quarto filho de um total de quatorze irmãos, são eles: ainda no Recife, Milton, Roberto, Mário Filho, Stella e Joffre. A partir de seus 4 anos a família mudou-se de Recife - PE para Copacabana – RJ. No Rio de Janeiro nasceram os outros 8 irmãos: Maria Clara, Augustinho, Irene, Paulo, Helena, Dorinha, Elsinha e Dulcinha.

Aos sete anos pediu a sua mãe que o matriculasse na escola perto de sua casa, com muita facilidade começou a ler e escrever.

Um fato que o próprio autor classifica como importante em sua vida (ainda quando pequeno) foi um concurso de redação com tema livre. Quando a professora leu sua história teve um choque, uma escrita bem elaborada para a idade, com certeza, mas o surpreendente (ou chocante) foi o tema escolhido por ele, adultério (tinha seus 8 anos). De fato a redação teria de ser premiada, pois era a melhor, mas em hipótese alguma poderia ser lida a turma, sendo assim, foi considerado empate e leu apenas a outra redação.

Nesse mesmo período suas leituras tornavam-se mais pesadas, por exemplo, algumas obras de Ponson Du Terrail, Michel Zevaco, aos treze anos leu seu primeiro livro de Dostoievisk – Crime e Castigo - dando exceção a algumas obras, a questão resumia-se à temática: “a morte punindo o sexo, ou o sexo punindo a morte”.
O livro biografia de Nelson Rodrigues por fim o imortalizou com o nome O anjo pornográfico.
Sobre sua infância, nas palavras de Nelson “Cada um de nós tem uma lembrança carnal da nossa infância. Eu me apaixonei por todas as minhas professoras”.

Pouco tempo depois deixou a escola, por várias vezes discutia com os professores, geralmente por questões de português e história. Sempre defendia suas opiniões perante os professores, assumindo uma postura contrária a estes, o que acabou por levá-lo a sair da escola. Já nesta idade trabalhava como jornalista no Jornal A Manhã, o qual fora fundado por seu pai, Mário Rodrigues.

Uma vida de jornalista precoce, e assim continuou. Sua vida como jornalista perambulou por quase tudo em uma redação: policia, futebol, crítica, crônica, conto, folhetim, romance, e por mais extraordinário e inacreditável que possa ser, trabalhou também na seção “consultório astrológico”. Não apenas Nelson passou a trabalhar com o pai, tornou-se um negócio de família, seu irmão Milton era o secretário, Roberto responsável por ilustrar algumas reportagens, Mário Filho passou á página de esportes. Pouco tempo depois, sucumbindo às dívidas mal administrada, Antônio Faustino Porto torna-se sócio majoritário, em pouco tempo a família retira-se do jornal.

Mais uma vez Mário Rodrigues abre um jornal Crítica, e novamente temos o ramo da família. A passagem de Nelson por este jornal jamais seria esquecida, sendo ali o cenário da tragédia da família, a mesma tragédia que repercutiria nas futuras obras do autor: a morte de seu irmão, Roberto Rodrigues, 1929.

Abalada, a família mudou-se da casa antiga, e apenas 67 dias após a morte do filho, Mário Rodrigues morre de trombose cerebral. As expectativas mudam quando Mário Filho é convidado a assumir um cargo no jornal O Globo, e acabou por levar seus irmãos para trabalhar junto.

Aos seus 21 anos Nelson é diagnosticado com sintomas de tuberculose, arrancou todos seus dentes e pôs uma dentadura na tentativa de “debelar a febre que insistia em não ir embora”.
Ainda em 1934, é mandado a Campos do Jordão – SP, onde passa 14 meses no sanatório.

No sanatório, um veio do drama que o acompanharia pelo resto de sua carreira literária tem início. Um doente pede a Nelson que escreva uma pequena comédia para que façam um teatrinho, a plateia logo nas primeiras cenas começa a gargalhar, as risadas tornam-se graves tosses que quase trouxeram vítimas. A primeira experiência dramática de Nelson no teatro.
(Cômico, não? Ele queria uma comédia, mas naturalmente tornou a ser um drama).

Num salto para os seus 28 anos, agora com sua esposa Elza, já grávida, o aperto financeiro e o salário sem perspectivas de melhora o fazem tomar a decisão para o teatro, desta decisão em diante, suas obras passaram a ter o foco de que recordamos: o teatro. Nelson pegou o estilo, reforçou com seu caráter para o drama, a obscenidade e as gírias da época - e voilá - um revolucionário mal interpretado por muitos anos, e justamente essa sua característica forma de retratar um RJ como o era verdadeiramente o consagrou como um gênio literata brasileiro.

Curiosidades:

* Nelson Rodrigues também atuou em uma de suas obras, “Perdoa-me se me traíres”, sendo o personagem Tio Raul, ‘um dos pilares para o desenvolvimento da trama’. LEIA MAIS

* A atriz Fernanda Montenegro encomendou a Nelson Rodrigues uma peça a qual ela estrelaria com o marido, a obra foi chamada de “Beijo no Asfalto”. Incessantemente, durante 8 meses, ela ligou para conseguir ser atendida por Nelson. LEIA MAIS

* A família Rodrigues também conheceu a ‘fome’, um ano após a morte de seu irmão, durante o Governo de Getúlio Vargas, houve uma ordem para que “Crítica”, jornal criado por seu pai, Mário Rodrigues, fosse fechado, vinham anos difíceis para a família.
Por muitos leitores, Nelson foi acusado de falar sobre ‘pobreza’, sem ter a autoridade para falar de tal assunto, pois muitos desconhecem esse período de sua vida. (Nem sempre foram flores, meu filho!) LEIA MAIS

* Nelson Rodrigues era parcialmente cego e tinha dificuldade para ver da tribuna do Maracanã o que acontecia dentro de campo. Era tricolor roxo, mas às vezes torcia por engano para o Flamengo. Se perguntavam sua opinião sobre o jogo, pedia ajuda ao amigo Armando Nogueira: "E aí, Armando, o que nós achamos do jogo?" LEIA MAIS

* Apesar de com os anos adquirir a notória possibilidade de escrever em casa e mais tarde poder mandar seus textos para a redação, negava-se a fazê-lo. Amava a redação. Escrevia como um louco, chegava geralmente atrasado ele em poucos minutos produzia os folhetins que ruborizavam as donas de casa nas décadas de 40 e 50. Frequentou a redação até um mês antes de sua morte. LEIA MAIS

* A revolucionária peça “Vestido de noiva, 1943” foi escrita em apenas seis dias, Nelson a máquina, porém, depois do sucesso de suas obra no teatro, passou a mentir sobre o tempo que levava na criação de seus textos, talvez porque o chamariam de mentiroso e não acreditariam. LEIA MAIS

* Nelson esteve envolvido com Plágio! Em um acerto com a Editora Record, ele assinaria obras como tradutor e receberia como tal, apenas pela possibilidade da Editora em usar seu nome para chamar público. Não foi um fato isolado, a ação se repetiu por muitas obras. LEIA MAIS



Em uma declaração da filha do autor, Sonia Rodrigues, sobre tal situação:

“Aparentemente, a Record pagou ao meu pai para usar a imagem dele para referendar o texto de um autor norte-americano. Ninguém sabe se pagou apenas o direito de imagem ou se meu pai leu o texto traduzido e mexeu no texto, não é mesmo? Não tenho informações se os livros continuam sendo publicados e se os direitos de tradução estão sendo remunerados.”

Ruy Castro em “O anjo pornográfico” fala a seguinte frase:
“A ideia fora de [Alfredo] Machado, para ajudar Nelson a faturar um dinheirinho fácil. Mas era também muito conveniente para sua editora: ao ler "Tradução de Nelson Rodrigues" com destaque na capa de livros de Harold Robbins, como "Os insaciáveis", "Os libertinos" e "Escândalo na sociedade", o comprador via naquilo uma garantia. Sabia que era literatura "pesada". Como poderia imaginar que Nelson era o mais acabado monoglota da língua portuguesa...?”




A morte de Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues faleceu em 21 de dezembro de 1980 aos 68 anos. E após 30 anos de sua morte, o Brasil ainda reflete-se em suas obras, em suas palavras, em seus dramas embebidos de toda vitalidade brasileira.
"Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura, é realmente, minha ótica ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico."

Nelson em si, esperava a morte, não lhe corroia a alma, não lhe era indiferente, sempre soube que estava ali, apenas esperando o momento de tragar sua existência. Escrevera um conto, que per se mostra como via a morte nosso querido autor.



A morte - segundo Nelson Rodrigues


A morte é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes. É todo um lento, suave, maravilhoso processo. O sujeito já começou a morrer e não sabe.

Morrer significa, em última análise, um pouco de vocação. Há vivos tão pouco militantes que temos vontade de lhes enviar coroas ou de lhes atirar na cara a última pá de cal.

Esses, sim, têm a vocação da morte.

Há, em qualquer infância, uma antologia de mortos.

Na hora de morrer, e quando sabe que está morrendo, todo homem tem um olhar de contínuo.

Há na morte por intoxicação alimentar um inevitável toque humorístico, que humilha o cadáver e compromete o velório.

Para mim, qualquer morta tem mais densidade do que qualquer morto.

A morte natural é própria dos medíocres. O medíocre tem de fazer uma força tremenda para morrer tragicamente. Ele morre de gripe, de pneumonia oun da empada que matou o guarda.

Já o grande homem sempre morre tragicamente.

Veja o caso de Lincoln, de Gandhy, de Kennedy.

Há uma inteligência da morte, assim como há uma bondade da morte. O que vai morrer já olha as coisas, as pessoas, com a doçura do último olhar.

Eu diria que é a saudade antes do adeus.

O sujeito procura esquecer que o homem é também o seu próprio cadáver. E ele, queira ou não, não destruirá jamais a sua vocação para a morte.

Nada mais falso do que o medo de morrer, e eu diria que nós fazemos tudo para morrer o mais depressa possível.

Os nossos hábitos, os nossos usos, os nossos vícios, as nossas irritações mal disfarçam a vontade, a urgência, a fome da morte.

Chegou às redações a notícia da minha morte. E os bons colegas trataram de fazer a notícia. Se é verdade o que de mim disseram os necrológios, com a generosa abundância de todos os necrológios, sou de fato um bom sujeito.

A morte é um grande despertar.

(CASTRO, Ruy. Flor da Obsessão, Reunião das 1000 melhores frases de Nelson Rodrigues. Cia das Letras: São Paulo, 1997, P. 110)



Obras do Autor:

Teatro:
Mulher sem Pecado (1941)
Vestido de Noiva (1943)
Álbum de Família (1945)
Anjo Negro (1946)
Dorotéia (1947)
Valsa Número Seis (1951)
A Falecida (1953)
Senhora dos Afogados (1954)
Perdoa-me por me Traíres (1957)
Os Sete Gatinhos (1958)
Boca de Ouro (1959)
Beijo no Asfalto (1960)
Bonitinhas mas Ordinárias (1961)
Toda Nudez Será Castigada (1965)
O Anti-Nélson Rodrigues (1974)
A Serpente (1979)

Romances
Meu destino é pecar - 1944
Escravas do amor - 1944
Minha vida - 1944
Núpcias de fogo - 1948
A mulher que amou demais - 1949
O homem proibido - 1959
A mentira - 1953
Asfalto Selvagem: Engraçadinha, Seus Pecados e Seus Amores - 1959
O casamento - 1966

Contos
Cem contos escolhidos - A vida como ela é... - 1972
Elas gostam de apanhar - 1974
A vida como ela é — O homem fiel e outros contos - 1992
A dama ão e outros contos e crônicas - 1992
A coroa de orquídeas - 1992

Crônicas
Memórias de Nélson Rodrigues - 1967
O óbvio ululante: primeiras confissões - 1968
A cabra vadia - 1970
O reacionário: memórias e confissões - 1977
Fla-Flu...e as multidões despertaram - 1987
O remador de Ben-Hur - 1992
A cabra vadia - Novas confissões - 1992
A pátria sem chuteiras - Novas Crônicas de Futebol - 1992
A menina sem estrela - memórias - 1992
À sombra das chuteiras imortais - Crônicas de Futebol - 1992
A mulher do próximo - 1992
Nélson Rodrigues, o Profeta Tricolor - 2002
O Berro impresso nas Manchetes - 2007
O quadrúpede de vinte e oito patas

Telenovelas
Baseadas na obra de Nélson Rodrigues
A morta sem espelho - TV Rio - 1963
Sonho de amor - TV Rio - 1964
O desconhecido - TV Rio - 1964
O homem proibido - TV Globo - 1982
Meu Destino É Pecar - TV Globo - 1984
Engraçadinha... Seus Amores e Seus Pecados - TV Globo - 1995
A Vida Como Ela É - TV Globo - 1996


Nelson e o Futebol

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‘Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar’


Eu poderia falar de Nelson, o cronista, romancista, contista; Nelson, o Eclético!, mas, bem vale relembrar à memória que antes de escritor, Nelson era paixão; paixão às verdades da vida e ao seu time do coração.
Em uma entrevista póstuma a sua morte ao Newsfut (ou seja, Sr. News, através de frases já ditas de N.R. elaborou sua entrevista. Esperto!), a expressão do amor de Nelson ao seu time:

News - Para qual time você torce?

N.R.: ‘Sou tricolor, sempre fui tricolor. Eu diria que já era Fluminense em vidas passadas, muito antes da presente encarnação’

News - Por que você escolheu torcer para o Flu?

N.R.: ‘Ser tricolor não é uma questão de gosto ou opção, mas um acontecimento de fundo metafísico, um arranjo cósmico ao qual não se pode – e nem se deseja – fugir’

News: Tricolor existe muitos. Bahia, Grêmio, São Paulo…

N.R.: ‘O Fluminense é o único time tricolor do mundo. O resto são só times de três cores’
Cá entre nós, amei ainda mais Nelson Rodrigues depois dessa frase... “o resto são só times de três cores...” :amor:
(Newsfut – Notícias aos aficionadas a futebol) Entrevista




Uma coletânea muito interessante e que eu encontrei há anos na biblioteca municipal, engraçadíssimo e digno da paixão de Nelson pelo Futebol – O Berro
Impresso das Manchetes pela Editora Agir no ano de 2007, uma coleção das clássicas crônicas de Nelson Rodrigues quando ainda na “Manchete Esportiva”, da Bloch em sua primeira fase - 1955 a 1959.

Trecho do inicio:

“Corria o ano de 1911. Vejam vocês: 1911! O bigode do Kaiser estava, então em plena vigência. Mata Hari, com um seio só, ateava paixões e suicídios; e as mulheres, aqui e alhures, usavam umas ancas imensas e intransportáveis. Aliás, diga-se de passagem: é impossível não ter uma funda nostalgia dos quadris anteriores à Primeira Grande Guerra. Uma menina de 14 anos para atravessar uma porta tinha que se pôr de perfil. Convenhamos: – grande época! grande época!”

No Google Books é possível dar uma conferida. Mas, obviamente, ressalvo que tal livro é um caso para os curiosos de plantão.




Frases famosas:

Adultério - "O adultério não depende da mulher, e sim, do marido, da vocação do marido. O sujeito já nasce marido enganado."

Amor - "Todo amor é eterno e, se acaba, não era amor."

Beleza - "São incompatíveis a beleza e a felicidade. E se a mulher bonita é feliz,
estamos certos de um equívoco visual: não é bonita."

Burle Marx - "Os jardins de Burle Marx não têm flores. Têm grama e não flores. Mas, para que grama, se não somos cabras?"

Casamento - "Só o cinismo redime o casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata."

Críticos - "Ou o sujeito é crítico ou é inteligente."

Idade - "Aos 18 anos, o homem não sabe nem como se diz bom-dia a uma mulher. O homem devia nascer com trinta anos."

Marx - "Se me perguntassem quais seriam as minhas últimas palavras, eu diria: Que besta quadrada, o Carlos Marx!"

Ódio - "Ninguém trai o seu ódio, e repito: o homem é mais fiel ao seu ódio do que ao seu amor."

Psicanálise - "Para a mulher, a psicanálise é como se fosse um toque ginecológico, sem luva."

Sorte - "Sem sorte, não se chupa nem um chica-bom. Você pode engasgar com o palito ou ser atropelado pela carrocinha".



Bibliografia:

Releituras – Biografia Detalhada

Memorial das Artes – Nelson Dramaturgo

Nelson nas Telinhas – Escritor vira Ator em “Perdoa-me por me traíres”)

Editora Ediouro - Homenagem a Nelson Centenário

Ruy Castro - Curiosidades sobre Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues e o Futebol – Uma paixão na vida.

Reportagem no centenário de Nelson Rodrigues - Bom Dia Brasil

A relação de Nelson com o futebol – Nelson Tricolor

O Berro Impresso das Manchetes – Google books (Coletânea das clássicas Crônicas esportivas)

Biografia detalhada - Portal São Francisco

Entrevista póstuma – Todo amor de Nelson pelo seu time.

Tudo sobre Nelson Rodrigues (Site oficial)Escrevendo a história.



P.S: O palco é todo seu Mavericco!
 

Anexos

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COMENTÁRIO SOBRE A OBRA.

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“Ele será sempre um grande autor”, é o que nos diz Barbara Heliodora em matéria especial da revista Veja de 23/08/12. Logo depois, ressalta sua importância, dizendo: “Tinha um ouvido tão maravilhoso que conseguiu captar o brasileiro falando. Nós aprendíamos na escola que poderíamos falar errado, mas deveríamos escrever corretamente. Os autores escreviam certo, esquecidos de que aquilo era para ser falado.” Para a crítica, pelo menos quatro obras de Nelson (Vestido de Noiva, Boca de Ouro, A Falecida e O Beijo no Asfalto) serão lembradas daqui a 500 anos.

O movimento de modernização do teatro já encontrava suas raízes em dramaturgos como Ibsen (isto é, no século XIX) que constataram que a linguagem do teatro até então era ineficiente para que se comunicasse a vida como ela é (ou a vida que apercebiam). Via de regra, foi um movimento que se fez acompanhar em todos os campos artísticos, seja na poesia com Whitman ou Baudelaire, na escultura com Rodin, na pintura com Van Gogh etc.

No entanto, por mais que o século XIX já apontasse tais caminhos, foi apenas o século XX que constatou a total ineficácia daqueles instrumentos de composição para a vida tão impactante do novo século. É quando surgem dramaturgos como Brecht, por exemplo, e sua concepção política de um teatro épico. No âmbito brasileiro a situação era mais grave. O Brasil praticamente não possuiu uma tradição de teatro realista, apoiado em autores como o já citado Ibsen. O mesmo pode-se dizer do teatro simbolista. Quando começou a despontar-se com um, em especial com autores como José de Alencar, uma invasão maciça de gêneros musicais e espetaculares se apossou do território nacional, transformando a ribalta numa verdadeira máquina de dinheiro.

É quando surgem as operetas, os jornais e as magias. A primeira, baseada na paródia e na tradução livre de operetas francesas (que por sua vez já eram paródias e traduções livres de lendas clássicas), angariou o carinho do público ao fazê-lo deparar-se, pela primeira vez, com textos que falavam sua língua (ou que eram mais adaptados a seu paladar). Um exemplo basta: o autor francês Jacques Offenbach, em 1858, deu a lume sua opereta denominada "Orfeu no Inferno". O sucesso foi tremendo, inclusive no Brasil, onde se pode citar que na opereta "A via parisinense", de 1866, um personagem advindo do Brasil aparece em cena (ironicamente, retratado como um negro que possuía um negro escravo).

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Os múltiplos planos de "Vestido de Noiva". Retirado de Jazseen.

Pois bem. O problema era que esses textos vinham em francês para o Brasil, sendo, logo, usufruídos apenas pela elite. O grande público, ficando de fora, sentia falta ou, no mínimo, curiosidade em entender aqueles textos. Foi aí que entrou em cena um dos grandes nomes do teatro brasileiro: o Ator Vasques. Não cumpre a este tópico biografar quem ele foi; basta citar que outro grande nome do teatro nacional, Procópio Ferreira, biografou-o. Basta também dizer que foi graça à sua tradução de "Orfeu no Inferno" que a moda das operetas virou uma febre.

Virou por quê? É simples: o título da tradução do Ator Vasques era "Orfeu na Roça". Daí se deduz o resto.

Grandes nomes do teatro do século XIX se dedicaram às traduções e à produção de operetas. Além, é claro, da produção dos chamados "jornais", gêneros teatrais onde se comentavam as notícias em voga, e das "magias", gêneros à guisa dos espetáculos hollywoodianos onde a pirotecnia técnica contava mais que o conteúdo das peças. Arthur Azevedo, por exemplo, autor da famosa peça "O Mambembe", foi um dos que se dedicaram com grande perícia versificatória à tradução das operetas, sempre adaptando-as ao gosto popular (outra peça famosa de Arthur, "A Capital Federal", é classificada como "Comédia Opereta").

Mas basta por hora. O que quis mostrar era que o teatro brasileiro do século XIX já tinha uma preocupação em se comunicar com seu público. E talvez seja até mesmo um pouco equivocado da parte de Barbara Helidora dizer que essas peças não falavam a língua do brasileiro. A diferença crucial era a de que tais textos eram textos importados, eram textos que, por mais que fossem mutilados e adaptados até as tripas, não faziam parte de uma realidade inteiramente nacional. O brasileiro não é apenas um modo de falar, mas um estado de espírito ou algo do tipo.

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Cena famosa, e tremenduosamente impactante, da peça "Bonitinha, mas ordinária". Retirado de Globo Teatro.

É por isso que mesmo peças que são consideradas precursoras do teatro moderno brasileiro não alcançaram o mesmo nível de penetração mental da realidade brasileira como Nelson o fizera. Veja-se, por exemplo, as peças "O Rei da Vela" de Oswald de Andrade ou "Deus lhe pague" de Joracy Camargo. Não quero dizer que toda peça brasileira deva conter malandros e gírias as mais próximas possíveis do universo carioca; digo que, se uma peça se propõe a ter como pano de fundo a realidade brasileira, e ter como alvo o público brasileiro, ela precisa dissecar seu objeto de análise para seu objeto de recepção.

A primeira virtude, ou a virtude primária de Nelson, foi traçada: ele dissecou a alma do brasileiro para o brasileiro. Mas, ao mesmo tempo que retrata o brasileiro, Nelson universaliza seu tema de análise e o trata em concepções generalizadas. Veja-se o caso do crime. Patrícia Chiganer Lilenbaum, em "O teatro de Nelson Rodrigues: crime como redenção?", nos diz:

"Contudo, os principais crimes no teatro rodriguiano raramente são caso de polícia, embora haja, em profusão, corrupção, assassinatos, prostituição, traições, incestos, violações e o que poderia se considerado, em linguagem antiquada mas legalmente aceita, crime contra a honra e atentado ao pudor. Os pequenos monstros e os grandes pecadores estão ocupados, na verdade, com crimes para o qual não há prisão nem fiança: todos se deixam levar por suas mais profundas obsessões e são dominados pelo lado reprimido e obscuro do ser humano."

Das peças de Nelson, a que mais inquieta nesse aspecto é "O Beijo no Asfalto". Mas, via de regra, a concepção do crime em Nelson Rodrigues une, como tantos aspectos em suas obras, a esfera psicológica à esfera comunitária, analisando ambos de forma profunda e, no final, criando um elo entre o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. Patrícia Chiganer diz: "O mundo ideal rodriguiano é o mundo imperfeito que se olha no espelho e não tem vergonha de falar de si." Logo, é quando o individual mantém sua condição sem necessitar se sublimar ou se apequenar para com o coletivo. Flávio Aguiar compara Nelson a um anjo com uma espada de fogo que impede o homem de retornar ao Paraíso. Mas é improvável que Nelson acreditasse num paraíso ou que ao menos permitisse que suas personagens acreditassem em um.

Isso sem dúvidas recai na análise de que o homem moderno vive sem Deus, pois Deus está morto. Em Nelson Rodrigues, combinando com a tônica de análise introspectiva que permeou a literatura do século XX, busca-se na consciência mais profunda das personagens uma forma de encontrar o caos, a sordidez que povoa "A Vida Como Ela É". Esta última expressão, que advém do título de sua coletânea de crônicas mais famosa (de 1961), demonstra bem a força jornalística que inspirou o veio de Nelson, retratando o íntimo da consciência humana a partir de um mergulho abissal em sua estruturação mesma. Desse modo, não espanta ver que muitas peças de Nelson advieram de crônicas suas, onde ele conseguiu mesclar, entre outros, seu apurado ouvido de jornalista à captação da essência da vida cotidiana bem como dessa mesma fala cotidiana.

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Cena da peça "O Anti Nélson-Rodrigues". O título decorre do tratamento menos ácido do autor para com o texto. Retirado de Globo Teatro.

Desse mergulho profundo na mente humana nasce a necessidade de eleger novos instrumentos teatrais. É quando surgem os múltiplos planos de "O Vestido de Noiva", por exemplo, com fins a permitir ao dramaturgo um retrato mais fiel daquele estrato de vida que suas intenções pretendem expor. É algo naturalmente análogo ao teatro épico para Brecht, por exemplo, com a diferença de Nelson, tomando como base também a já citada perspectiva jornalística que envolve sua obra, trabalha com uma realidade que se fragmenta, se decompõe e se espelha, e constantemente é posta em choque graças aos meios físicos do teatro que dão vida às contingências ilusórias ou imaginativas que povoam as personagens. Ao invés de mergulhar no absurdo da mente humana, ele pretende retratá-la de modo aparentemente imparcial, se pudermos entender essa imparcialidade como uma negação da parcialidade ou como uma busca constante pela dignidade abjeta, indigna, da alma humana.

Isso tudo dá a impressão de que Nelson Rodrigues é difícil. Uma concepção naturalmente errada. Nelson Rodrigues retrata a língua e a realidade que nós brasileiros vemos todos os dias, com a diferença de abordá-la com uma profundidade abissalmente universal. Vemos pessoas que reconhecemos diariamente, mas tudo isso numa profusão e numa excelência de análise que parece que estamos vendo a nós mesmos, de modo que toda aquela falta de escrúpulos que permeia sua obra é um convite à reflexão por parte do leitor, é um convite ao engrandecimento. Se uma coisa há de difícil no teatro de Nelson, esse difícil não está no aceitar suas personagens, mas no entendê-las como dentro dos outros que vemos todos os dias. Dentro de nós mesmos, a esperar por uma redenção que Nelson jamais poderá dar por nós.



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Última edição:
Considero Nelson Rodrigues o melhor cronista sobre futebol. Os livros A Pátria em chuteiras e À sombra das chuteiras imortais são leituras obrigatórias para os amantes e não-amantes do jogo. O futebol da prosa rodrigueana é transcendental, de modo que é impossível ver qualquer partida com os mesmos olhos de antes.
 
Meu primeiro contato com peças foi também o primeiro contato com Nelson. Li Vestido de Noiva, Retrato de família e mais um (não lembro).
Achei no início uma linguagem um tanto chula, mas com o tempo me adaptei e vi que era uma característica não um ponto negativo.
Das leituras tive ótimas impressões e passei a gostar, também, de ler peças. O que era novidade.
 

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