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Musicologia e Etnomusicologia no Silmarillion

Neoghoster Akira

Brandebuque
Musicologia e Etnomusicologia no Silmarillion

Bem, aqui vai uma introdução ao assunto.


"All perception, indeed, already is memory." Heri Bergson, Matière et Mémoire




Quem pode dizer o que é que torna a música de Eru tão importante, para que Tolkien a considere responsável direta pela concepção de Ëa?

E o que diria o musicólogo Curt Sachs, escritor de "The Rise of Music in The Ancient World: East and West" (A Ascensão da Música no Mundo Antigo: Oriente e Ocidente) quando falava da carência de trabalhos como o de Robert Lachmman em seu Musik des Orients (Música do Oriente)?

Música, diria ele, seria a única capaz de comunicar emoção estética no mais direto e alto nível de compreensão humana.





A música, segundo se teoriza, teria se originado inicialmente pela convivência do instrumento mais próximo e básico possível, a voz humana, e nenhuma cultura até a data daqueles escritos estaria destituída de ter algum tipo de experimento ou produção musical.

Então o que se diria do que dela foi feita? A harmonia sozinha e isolada não seria o bastante para constituir música, nem sons agradáveis por si só também o seriam a idéia de música. Ainda na receita também também contariam como ingredientes o ritmo e a resposta psicológica que cada som exerce em cada pessoa, dando talvez origem ao que chamamos de "dança".

Partindo do princípio que ""Música" é a comunicação de emoções por meio de sons entre o músico e o ouvinte qual seria o significado pleno de a música preceder características lingüísiticas presentes num mundo como a Terra-Média?

Que tipo de som seria capaz de evocar o desejo que perambulava pelo coração de cada Vala?



Via de regra quem ouve música viaja, não apenas no sentido figurado, mas principalmente porque o organismo se sincroniza, entra em transe buscando prazer e inicia a apreciação de outro mundo, outra forma de arte. E é então que seria como colocar objetos instrumentais decorativos nas paredes de dentro de si mesmo:

E é então que um som como o de um suspiro tenda a espelhar notas que associemos como sendo tristes e assim por diante.





Particularmente, no livro de Curt, a música (o mundo da música) começa com cantoria, exatamente como a canção dos Ainur que também começa um mundo inteiro com cantoria. Ainda, é possível ver a formação de um espelhamento de gramática, gramática musical, como apontado:

In this vein, Judith Becker and Alton L. Becker theorized the existence of musical "grammars" in their studies of the theory of Javanese gamelan music. They proposed that music could be studied as a symbol, but also bore many resemblances to language, and therefore semiotic study could take place.[59]



Cujo efeito pronunciado parece conter uma padronização que por vezes se afasta de características originais da origem da música e cria uma dualidade entre uma força natural e outra não natural:



Although the music industry developed over several decades, popular music drew ethnomusicologists’ attention by the 90s because a standardizing effect began to develop. The corporate nature surrounding popular music streamlined it into a framework that focused on slight deviations from the accepted norm, creating what Adorno calls “pseudo-individualism”; what the public would perceive as unique or organic would musically comply with standard, established musical conventions.



Atualmente, depois dos anos 2000, a luta dos músicos tem sido em escala global, uma busca por transmitir emoções humanas sob o caos das forças de globalização.

No que os Poderes buscaram enfeitar ou decorar o mundo com as aproximações mais fiéis, únicas e belas das emoções evocadas pela música. As árvores de luz, por exemplo, eram um trabalho único que não poderia ser repetido, bem como as Simarilli, as jóias de Fëanor.

No que a padronização musical, propiciada em grande medida pela revolução industrial que começou em países como, ora vejam só, Inglaterra corria o risco de se tornar num tipo frio de produção cultural.

Não havia mais um par de objeto belos e únicos, mas uma linha de montagem. E houve um tempo em que se viu resistência:

3 Comparative musicologists, including Lachmann,
adopted a similar ideology in justifying their resistance to musical change, particularly change resulting
from alien Western musical influences.

For Lachmann, the two goals were
inseparable:

The more the audience, and especially the younger generation, become aware of what pure and
unspoiled tradition is, the more there is hope that they will become impatient with the
mixtures and sham productions which crowd the market. In fact, the stronger appeal of the real
thing is unmistakable whenever genuine music is recited in concerts side by side with
imitations of it.

...

At a period of experiments in musical liturgy like the present, these traditions must be held up
against attempts at trespassing into the region of secular music. Hearing of the unshaken
traditional music of the various Oriental Synagogues and Churches might keep alive, or revive,
public consciousness as to the true aim of sacred music which is not prettiness, but
concentration of mind.

...

Young
Jewish or Arab composers may find, one day, a new way of expressing themselves, however
imperfectly or clumsily, in a musical language somewhere, possibly, between the Western and
the Eastern tradition. It is difficult to foresee the directions which future creative forces may
take and it is, therefore, advisable to examine every individual case, instead of barring the way to
new possibilities by rash generalisations.

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Ou seja, que a solidificação dos desejos dos Poderes, por meio da estética músical, sedimentava e precitava no mundo instrumentos com diferentes formas, naturezas e belezas, correndo o risco de dar ou não dar certo.

In the 19th century, the era of romanticism in music, some composers and critics argued that music should and could express ideas, images, emotions, or even a whole literary plot.

...

Bad music

Simon Frith (2004, p. 17-9) argues that, "'bad music' is a necessary concept for musical pleasure, for musical aesthetics." He distinguishes two common kinds of bad music: the Worst Records Ever Made type, which include "Tracks which are clearly incompetent musically; made by singers who can't sing, players who can't play, producers who can't produce," and "Tracks involving genre confusion. The most common examples are actors or TV stars recording in the latest style." Another type of "bad music" is "rock critical lists," such as *"Tracks that feature sound gimmicks that have outlived their charm or novelty" and "Tracks that depend on false sentiment [...], that feature an excess of feeling molded into a radio-friendly pop song."





PROJECTING TOLKIEN'S MUSICAL WORLDS: A STUDY OF MUSICAL AFFECT IN HOWARD SHORE'S SOUNDTRACK TO LORD OF THE RINGS https://etd.ohiolink.edu/!etd.send_file?accession=bgsu1179760402&disposition=inline
https://en.wikipedia.org/wiki/Aesthetics_of_music
http://www.music.ucsb.edu/projects/musicandpolitics/archive/2010-2/davis.pdf
https://en.wikipedia.org/wiki/Ethnomusicology
http://ancientlyre.com/blogs/what_is_music/
http://www.amazon.com/The-Rise-Music-Ancient-World/dp/0486466612
 
Muito boa essa acepção. É bem provável que o professor tenha se baseado num conceito muito atribuído à Boethius - http://en.wikipedia.org/wiki/Boethius

Anicius Manlius Severinus Boëthius,[1][2] commonly called Boethius[3] (/boʊˈiːθiəs/; also Boetius /boʊˈiːʃəs/; c. 480–524 AD), was a philosopher of the early 6th century. He was born in Rome to the ancient and prominent family of the Anicii , which included emperors Petronius Maximus and Olybrius and many consuls.[2] His father, Flavius Manlius Boethius, was consul in 487 after Odoacer deposed the last Roman Emperor. Boethius himself entered public life at a young age and was already a senator by the age of 25.[4] He was consul in 510 in the kingdom of the Ostrogoths. In 522 he saw his two sons become consuls.[5] Boethius was imprisoned and eventually executed by King Theodoric the Great,[6] who suspected him of conspiring with the Byzantine Empire. While jailed, Boethius composed his Consolation of Philosophy, a philosophical treatise on fortune, death, and other issues. The Consolation became one of the most popular and influential works of the Middle Ages.

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No legendarium, a música é um instrumento que prenuncia a concretização de algo (de caráter harmônico ou dissonante) no mundo físico, de forma que a canção se associa com a matemática por conta da maneira como aquela deriva seus princípios da aritmética e aplica-os para as coisas naturais. Sendo este um entendimento parecido com o de São Tomás de Aquino, uma vez que a música representaria um "elemento intermediário" entre a matemática e as ciências naturais.

Óbvio que quando estes pensadores atribuíram esse conceito "abstrato", eles levaram em conta a filosofia de Pitágoras que falava dessa associação entre música, matemática e harmonia cósmica. Neste caso, estou a falar da "Música das Esferas" ou Música Universalis: http://en.wikipedia.org/wiki/Musica_universalis:

Musica universalis (lit. universal music, or music of the spheres) or Harmony of the Spheres is an ancient philosophical concept that regards proportions in the movements of celestial bodies—the Sun, Moon, and planets—as a form of musica (the Medieval Latin term for music). This "music" is not usually thought to be literally audible, but a harmonic and/or mathematical and/or religious concept. The idea continued to appeal to thinkers about music until the end of the Renaissance, influencing scholars of many kinds, including humanists.

Esta associação à música faz com que a mesma não seja, necessariamente, literal ou audível, mas sim uma abstração matemática, seja através das proporções do mundo natural, desde o translado dos planetas até a natureza tangível do nosso dia-a-dia; seja no aspecto religioso com a teologia intimista/natural, a exemplo do que Tolkien falava quando explicava a ausência da religião no seu mundo, haja vista os seres racionais sentirem, mesmo que não entendam, a "música dos Ainur", vide esta passagem que fala do aspecto "elemental" da água no Silma:

E dizem os Eldar que na água vive o eco da Música dos Ainur, mais do que em qualquer outra substância na Terra; e muitos dos Filhos de Iluvatar escutam, ainda insaciados, as vozes do Oceano, sem contudo saber por que o fazem.

E não esquecer do sentimento externado por uma das (ou a mais) nobre das ações/artes dos filhos de Iluvatar: A música per si. O Ainulindalë tem muitas semelhanças com a Música das Esferas, pois no mesmo sentido em que não existe substância para tornar o "Som divino" audível ou literal (pois Tolkien dita que as vozes dos Ainur se pareciam ou eram comparáveis aos instrumentos musicais), a Música das Esferas incorpora o princípio metafísico que as relações matemáticas expressam qualidades ou "tons" de energia que se manifestam em números, ângulos visuais, formas e sons - todos conectados dentro de um padrão de proporção, o que equivaleria à harmonia primordialmente desejada por Iluvatar e que ocorrerá com o fim de Arda-desfigurada e a participação dos filhos de Iluvatar na próxima Música que criará uma nova Terra.

Esta ideia de harmonia Cósmica é uma reminiscência da filosofia de Pitágoras, na proporção em que o Sol, a Lua e os planetas emitem sua própria "ressonância orbital" com base em sua revolução orbital, e que a qualidade de vida na Terra reflete o tenor de sons celestiais que são fisicamente imperceptível ao ouvido humano:

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Vide:

E em meio a todos os esplendores do Mundo, seus vastos palácios e espaços e seus círculos de fogo, Iluvatar escolheu um local para habitarem nas profundezas do tempo e no meio de estrelas incontáveis

Neste sentido, para um religioso a Música dos Ainur fora o grande coral de anjos em louvor a Deus (lembrar que Lúcifer e Melkor têm relação com a "Música", sendo ao 1º atribuído a função de chefia das hostes que cantavam em Louvor a Deus, e o 2º batalhou contra Deus no início do Silma com...música):

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Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Faze-mo saber, se tens entendimento.

Quem subiu ao céu e de lá retornou? Quem reúne o poder dos ventos em uma das mãos? Quem represa as águas do mar numa túnica? Quem determinou todos os limites da terra? Qual é o seu Nome, e o Nome do seu Filho? Respondei-me, se é que o sabes!

No princípio, Deus criou os céus e a terra.

Vs Melkor:

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Essa linguagem universal está bem traduzida em diversas mitologias mundo a fora. Dentre as obras, podemos citar C.S Lewis que utilizou essa premissa por conta da criação de Narnia que fora erigida pela canção pela figura Cristã Aslan:

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Ou a "música" que traduz a visão cosminicista de H.P Lovecraft com a corte insana do deus idiota, letárgico e demiurgo Azathoth rodeado por seus "músicos", no intento de manterem coeso a própria existência do universo: https://en.wikipedia.org/wiki/Azathoth

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Para um astrônomo renascentista a Música se traduzia/se externava com a translação dos planetas, a configuração das estrelas, as incontáveis estrelas da "Starmaker" Varda e a participação dos "Sagrados" na configuração de Eä e sua correlação com os "Círculos do Mundo", sendo perceptível que os planetas, as estrelas do firmamento possuêm uma tendência à formas de "Círculos":

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Já um artista verá na colaboração e harmonia dos instrumentos musicais, com suas notas que prenunciam uma obra a criação de algo (para alguns isso seja só música, para outros cria-se um sentimento/ideia/um mundo próprio traduzido em música, e para os leitores do Ainulindalë fora isso que aconteceu na criação de Eä: No princípio houve o desenvolver da harmonia em grupos; em segundo plano - a apresentação da obra pelo Maestro-Iluvatar e os integrantes da ópera; e por fim, a concretização dessa Música que gerou o "Mundo que é".

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Essa sacada de Tolkien, na utilização da Música como linguagem universal atinge também o mundo Natural. As próprias fórmulas matemáticas e sua correlação com as notas musicais podem ser exploradas no campo inatingível da matéria. Vai ver que os Ainur não tinham formas humanas, mas fossem aspectos concernentes à natureza, sendo Melkor a entropia, Varda a luz/estrelas, etc. A música/confrontação que eles fizeram não foram em formas tangentes, mas quem sabe o confronto de Melkor e os demais Ainur (como esferas quem sabe, e porque não?° Isso faz todo sentido teológico/filosófico Tomista, que atribui aos anjos não uma forma tangente, mas formas platônicas, ou seja, no campo das ideias.) seja como isso:
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Última edição:
Pela quantidade de referências se trata de escolha de tema específico em comum com a criação ou fundação do mundo baseado no estudo dos sons de tradições históricas mais antigas como as que você exemplificou. Certamente em decorrência da educação musical do autor.

Particularmente, chama atenção nos idiomas de Tolkien a frequência de cada som, contando sua própria história antes mesmo de formar uma palavra emitida pelos lábios e, como o "Gestalt Effect" na psicologia, refletindo o estado interno ainda não maculado pela manifestação.

Dentro do citado conceito, perspectiva só pode ser visualizada dependendo do estado organizacional mental ou da frequência daquele que o observa. Da mesma forma, as palavras de um idioma podem ter partes de si reforçadas ou enfraquecidas à escolha de quem as use.

Quando Eru apresenta a proposta de melodia Melkor passa a vê-la segundo aquilo que vibra nele, e como o que se passava era em grande parte medo (ele, que visitava o escuro vazio) obtém-se uma música á altura, que se afasta da proposta original por meio de uma mutilação de sons. As próprias notas saem truncadas porque foram violentadas e quebradas.

Desse modo o Único oferece uma ponte para cada Ainu, a música, e cada um está presente para aquilo que mais aprecia (Eru reúne). A ordem é precisa, que a ponte ligue os desejos do velho mundo (ainur antes) aos desejos do novo mundo (ainur depois de entrarem no mundo). Um olho no passado e outro no presente preservando o melhor dos dois, quer dizer, é o mesmo que dizer que uma música atemporal serve para o passado e também para o futuro.
 

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