Melian
Período composto por insubordinação.
O autor e sua obra
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Carmo de Minas, sul de Minas Gerais, em 1916, e morreu em Belo Horizonte, em 1991, quatro dias antes da organização de uma exposição sobre sua obra, no Palácio das Artes. Formou-se em Direito. Foi um dos fundadores da revista literária Tendência. Trabalhou como jornalista e ocupou altos cargos públicos, sendo Chefe do Gabinete do Governador Juscelino Kubitschek. Foi adido da Embaixada do Brasil na Espanha e idealizou o Suplemento Literário do jornal Minas Gerais, em 1966. Seus livros são todos de CONTOS. Publicou:
- O ex-mágico (1947)
- A estrela vermelha (1953)
- Os dragões (1965)
- O convidado (1974)
- O pirotécnico Zacarias (1975)
- A casa do girassol vermelho (1978)
- O homem do Boné cinzento (1990)
- Contos reunidos (1998)
- Murilo Rubião - Obra completa (2010)
O Contos reunidos é composto por 32 narrativas de livros anteriors e um conto inédito: A diáspora. A maioria desses livros, portanto, apresentam republicações de contos, os quais eram exaustivamente trabalhados pelo autor, que, em uma entrevista, assim explica seu processo criativo: Sempre aceitei a literatura como uma maldição. Poucos momentos de real satisfação ela me deu. Somente quando estou criando uma história sinto prazer. Depois, é essa tremenda luta com a palavra, é revirar o texto, elaborar e re-elaborar, ir para a frente, voltar. Rasgar.
Murilo Rubião e o Fantástico
Murilo Rubião inagurura, em nossa literatura, o gênero fantástico, que se tornaria uma coqueluche latino-americana nos anos 60. Muitos críticos apontam afinidades entre a obra muriliana e a de Kafka, mas o mineiro confessa que só viera a conhecer o autor de A metamorfose depois de ter escrito vários contos. Murilo crê ter recebido influências sobretudo do Velho Testamento e da mitologia grega, onde são recorrentes as metamorfoses e os aspectos fantásticos. Reconhece, ainda, que a leitura de Dom Quixote e As mil e uma noites, bem como as obras de Machado de Assis grinlove moldaram-lhe a imaginaçao e a sobriedade estilística. Segundo aponta o ensaísta e professor Audemaro Taranto Goulart, a obra de Murilo Rubião questiona o problema da loucura, do real e da razão; denuncia a angústia do homem alienado pelas forças dominantes; dramatiza a questão do desejo e sua interdição, além de propiciar, na autocontemplação da criação metapoética, um voltar-se da obra sobre si mesma, na expectativa de que ela se descubra enquanto projeto criador.
O caráter fantástico e a utilização de epígrafes bíblicas são a marca inconfundível desse singular escritor, considerado o maior contista brasileiro na linha do realismo mágico. De acordo com Malcolm Silverman, o absurdo mundo de Murilo Rubião ganha uma semelhança cada vez maior com a realidade contemporânea, fazendo as suas fábulas tão proféticas quanto as epírafes.
O conto de Murilo Rubião é rotulado como "fantástico" ou exemplo de "realismo mágico". Em uma entrevista a José Afrânio Moreira Duarte, Murilo afirma que o realismo mágico explora o maravilhoso e o onírico, enquanto o fantástico está mais próximo do mistério, do sobrenatural. Admite que é comum o emprego, nos mesmo texto, dos dois gêneros. O realismo mágico, portanto, teria uma explicação extra-textual, amparada no discurso religioso e mitológico. A rapsódia de Mário de Andrade, Macunaíma, que se debruça sobre os mitos da Amazônia, seria um exemplo quase isolado de realismo mágico em nossa literatura modernista. Como observa Jorge Schwartz (1981), o fantástico relaciona-se a uma transgressão das leis que regem a tradição realista. O elemento fantástico nasce como uma espécie de desvio narrativo. Resulta o fantástico de um desequilíbrio entre o mundo natural e o sobrenatural. Desvia-se do verossímil para o território do inadmissível. O acontecimento em si é privilegiado em detrimento do comportamento das personagens. O fantástico, mais complexo do que o realismo mágico, oferece-nos a antinomia entre uma camada de irrealidade e a dimensão realista. Tal oposição dilui a barreira entre o real e o insólito, o incomum.
Em Murilo Rubião, o fato de a personagem não questionar a presença do fantástico faz com que nós também o aceitemos no ato da leitura. Somos tomados pela perplexidade, não pelo medo, que é o que procura despertar as obras de horror. Fantástico e cotidiano se integram, eliminando dúvidas, surpresas e desconfianças. O estranho faz-se rotineiro. Aspectos banais mesclam-se ao cotidiano. A linguagem encarrega-se de tornar autônoma a irrealidade composta pela ficção.
Escreve a ensaísta Eliana Zagury que a obra de Murilo Rubião é marcada pelo signo do espanto e da estranheza. Assim ela explica os passos desse espanto: constatada determinada relação absurda na vida, cria-se uma situação absurda simbólica (a situação ficcional) que desencadeia uma série de absurdos técnicos (ou de efeito literário) que se desenvolvem até o absurdo final (a solução ficcional)que traz o leitor de volta para o tema, fechando o ciclo. O absurdo temático se concentra nas dicotomias essenciais do homem: a) vida-morte; b) indivíduo-sociedade e c) amor-incomunicabilidade.
O trágico em Murilo Rubião
Ainda em relação à questão do gênero, é importante realçar o caráter trágico que pontua a estruturação dos textos de Murilo Rubião. Segundo Aristóteles, o trágico reside nas inversões que o destino produz na vida das pessoas, ou seja, a personagem tem a sua situação completamente modificada, ocorrendo-lhe o oposto do que esperava. A personagem trágica incorre na hýbris, termo grego que significa presunção, vaidade, orgulho excessivo. Vários exemplos serão apontados, no comentário dos contos, como ocorre com Pererico, em "A fila": sua aparente superioridade vai, pouco a pouco, sendo demolida, até que ele deixa, humilhado, a cidade. Outra característica a assinalar a tragicidade seria o "estado de erro" ou amartía, palavra grega relacionada à desolação. Em "O convidado", o protagonista transita por uma série de enganos, indo a uma festa em que el enão era o suposto convidado.
Murilo Rubião e a Modernidade
Murilo Rubião inicia sua produção literária no final da década de 40, em um período amadurecido do Modernismo (terceira fase). Superado o período desvairado e anarquista da primeira fase, bem como ultrapassada a fase regionalista da década anterior, esse terceiro momento apresenta preocupações formalistas, adensamento psicológico e caráter universalizante. Os contos de Murilo tematizam o absurdo da vida humana, daí ser possível falar em afinidades com a filosofia do Existencialismo, divulgada por Sartre, que tanto marcou autores do pós-guerra, como Clarice Lispector e Fernando Sabino.
O tema do homem alienado e emparedado por pressões sociais e psicológicas pode ser encontrado nas histórias murilianas, como podemos ver em "O bloqueio", "O lodo", e "Os comensais" (da morte? Sorry, não resisti). Não há dúvida de que o Surrealismo, movimento da vanguarda européia dos anos 20, tenham também contribuído para a liberação da fantasia muriliana, que se abasteceu de Freud, um dos esteios da imagianção erótica e dos mergulhos no inconsciente.
Para Fábio Lucas, inicia-se com Murilo Rubião a renovação do conto brasileiro. É ele um autor de um estilo elevadamente alegórico, que projetou ao plano plurivalente da linguagem, uma supra-realidade densa, maravilhosa, levemente irônica.
Hipérbole e repetição são elementos recorrentes na criação do fantástico texto moderno de Murilo Rubião. Para Jorge Schwartz, esse autor faz um "absurdo verossímil", acrescentando: é esta ausência de perplexidade frente ao fato sobrenatural que faz com que a narrativa do Autor venha carregada de modernidade, aliando-a a partirdo exemplo de Kafka, a uma nova, mas grandiosa gama de escritores latino-americanos: Mário de Andrade, Jorge Luís Borges, Júlio Cortázar, Juan Rulfo, Gabriel Garcia Márquez, José Donoso e, deslocado no seu tempo, Machado de Assis.
A modernidade de Murilo Rubião, como ocorre, também, nos textos de Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Osman Lins, reside num modo profundo de interpretação do mundo. Fábio Lucas atenta para essa contemplação mais próxima do mistério fundamental da vida e dos percalços da existência. O ficcionista, assim, dá alma a todos os seres, para aprofundar a prospecção da alma humana.
Auxílio bibliográfico:
- Murilo Rubião - Obra completa
- Cadernos de Literatura comentada - PUC Minas 2004
- Cadernos de Literatura comentada - UEMG 2009.
Murilo Rubião na Valinor:
Bárbaros seios: uma leitura do conto "Bárbara", de Murilo Rubião
P.S.: Teleco, o Coelhinho, de Murilo Rubião, narrado pela minha pessoa. O áudio está ruim, foi gravado no celular. E tive de ler muito rápido, porque o trequinho do celular só permite 14 minutos de gravação.
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