Faço dessas, minhas palavras:
movimentos sociais
Grande imprensa promove "cruzada anti-MST" após ação na Aracruz
Jornal da Globo mostrou militante do MMC —entidade que promoveu a ação no laboratório da Aracruz— revelando a um jornalista disfarçado os detalhes da ação
O jornalista Marco Aurélio Weissheimer acertou em cheio ao afirmar que a ação promovida na quarta-feira (8/3) pelo Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), ligado à Via Campesina, contra um laboratório e viveiros da Aracruz Celulose em Barra do Ribeiro (RS) foi o "presente" que a grande mídia queria para "colocar suas tropas em ação" e promover uma ampla campanha de demonização do MST.
O próprio Weissheimer relata, em artigo publicado no site da Agência Carta Maior, uma das primeiras iniciativas neste sentido: "Na noite de quarta-feira, o programa 'Conversas Cruzadas', da TV COM de Porto Alegre, do grupo RBS, convidou o governador em exercício do Rio Grande do Sul, Antonio Hohlfeldt, para discutir o episódio. Hohlfeldt e o apresentador Lasier Martins sapatearam e dançaram em cima do significado político da Conferência (da FAO), do Ministério do Desenvolvimento Agrário e dos próprios movimentos sociais. Sem direito a nenhum contraponto e sem nenhuma sutileza. Aliás, os intervalos do programa traziam anúncios da Aracruz."
As manchetes de primeira página e editoriais desta sexta-feira dos principais jornais do país e a maioria dos telejornais do dia seguinte ao episódio, seguiram a mesma toada do programa da RBS e não economizaram adjetivos pejorativos para qualificar a atitude das camponesas militantes da Via Campesina. Lideranças do MST foram o alvo preferencial dos ataques da imprensa, que também procurou, o quanto pode, envolver o governo Lula na polêmica.
Em editorial com o sugestivo título de "Cangaço Revolucionário", a Folha de S. Paulo afirmou que a ação foi movida por "2.000 delinqüentes", que "poucas vezes se viu manifestação tão obtusa" e "é com polícia e processo judicial que se 'dialoga' com quem invade e destrói".
O Estadão deu manchete de primeira página dizendo que "Líder do MST apóia vandalismo".
O conservador diário gaúcho/catarinense Zero Hora (imagem ao lado) também colocou na primeira pagina o assunto, destacando que a ação teve influência estrangeira, prejudicou investimentos prometidos ao Rio Grande do Sul e que as "mulheres invasoras debocharam dos estragos".
O jornal O Globo foi mais comedido na cobertura do episódio. Com um sutil tom acusatório, registrou os diversos lados. Mas, em contrapartida, abriu espaço para que o jornalista de ultra-direita Reinaldo de Azevedo (editor do site Primeira Leitura) ocupasse as paginas do Globo com um artigo virulento que começa afirmando que "O lugar de João Pedro Stédile, o líder de um movimento fantasma chamado MST, é a cadeia" e chega, de forma absolutamente leviana, a acusar o Incra de ter patrocinado e incentivado a ação no laboratório da Aracruz.
Já o Jornal Nacional, também das organizações Globo, colocou sua "própria gente" para desqualificar o protesto e as entidades que lutam pela reforma agrária. O ancora William Waack fez questão de imprimir um tom dramático à narração da reportagem que destacava a "dor e a indignação" da pesquisadora "que teve o trabalho de duas décadas destruído num ataque dos sem-terra". voltou à cena do crime. "Ela se indignou ao ver o misto de orgulho, alegria e até desfaçatez com que integrantes do movimento narraram a onda de vandalismo", disse Waack.
O Jornal da Globo também providenciou a gravação, com uma câmera escondida, de declarações de mulheres que participaram da ação e que, para o jornalista global, "se divertem ao lembrar do que fizeram".
O coordenador do MST, João Pedro Stédile, também foi citado pela reportagem de forma pejorativa.
A rádio CBN, uma das mais ouvidas no eixo Rio-SP, repercutiu o fato entrevistando ninguém menos que Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente Nacional da União Democrática Ruralista (UDR), concedendo-lhe mais de quinze minutos para que desfiasse todo seu arsenal reacionário contra o MST, a luta pela reforma agrária e o governo Lula.
Outras violências
O presidente da empresa Aracruz Celulose, Carlos Aguiar, também foi muito procurado pela imprensa. Ao jornal Zero Hora de ontem, ele afirmou que "Jamais esperava este tipo de violência".
Aguiar e a imprensa —tão eficaz na condenação do protesto promovido em Barra do Ribeiro talvez precisem ser lembrados que no dia 20 de janeiro deste ano, a empresa Aracruz Celulose S/A mobilizou helicópteros, bombas, armas e 120 agentes da Polícia Federal do Comando de Operações Táticas (COT), vindos de Brasília, para destruir duas aldeias e expulsar 50 pessoas dos povos Tupiniquim e Guarani de sua terra tradicional, no município de Aracruz (ES).
Sem sequer receber uma ordem de despejo, os Tupiniquim e Guarani foram surpreendidos com o violento ataque. A ação, que resultou na prisão arbitrária de duas lideranças e deixou outras 12 pessoas feridas, teve todo o apoio logístico da Aracruz. Os 120 agentes da Polícia Federal receberam hospedagem e utilizaram o heliporto e os telefones da multinacional.
Durante a ação ilegal da Polícia Federal – condenada inclusive pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados –, tratores da multinacional destruíram totalmente duas aldeias Tupiniquim e Guarani. Todas as casas foram derrubadas e muitos índios não puderam retirar seus pertences de dentro delas.
No noticiário das grandes empresas de mídia, não se viu nenhuma mãe Tupiniquim ou Guarani com seus filhos chorando, nenhum ministro do governo condenando a ação ou mesmo o dono da empresa lamentando a violência.
Mas se por aqui as grandes empresas de mídia não repercutiram o crime cometido pelo aparelho repressor do Estado e a empresa Aracruz Celulose S/A, a família real da Suécia resolveu vender suas ações da multinacional devido às denúncias e fortes pressões contra a violação de direitos humanos cometidos e o desrespeito ao meio ambiente no Brasil.
Como disse o jornalista Cristiano Navarro, do Conselho Indigenista Missionário, era de se esperar que a ação da Via Campesina fosse rechaçada por "rapinas e oportunistas", representantes do mundo da tecnologia e da propriedade privada, dois pilares do capitalismo. "Mas é assim que avançam as lutas populares no Brasil. O povo organizado vai à frente tomando porrada de todos os lados e respondendo as urgências do dia-a-dia , enquanto busca aqui, ali e acolá os seus aliados – hoje tão difíceis de serem encontrados".
fonte:
www.vermelho.org.br