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Moby Dick (Herman Melville)

Eu tinha aquela da Abril, que começava assim: "Chamai-me Ismael". Eu gostei dela.
 
já viram a adaptação para o cinema com o morgan freeman q saiu em 2011? só q ao invés de baleia, eles caçam um dragão.... :timido:
 
JLM disse:
já viram a adaptação para o cinema com o morgan freeman q saiu em 2011? só q ao invés de baleia, eles caçam um dragão.... :timido:

Morgan Freeman no caso seria o Danny Glover, certo? Ouvi falar, o nome é Age of the Dragons, mas o 3.3 de nota no IMDB me deixou com um pé atrás.

Aliás, quem ficou em dúvida quanto a qual edição adquirir, tendo uma graninha sobrando não há nem o que pensar é Cosac na certa, tanto pelo conteúdo quanto pela "embalagem", ainda não ouvi reclamações em relação a tradução envolvendo a editora (salvo o caso do livro do James Wood, né?).
 
Calib disse:
Eu tinha aquela da Abril, que começava assim: "Chamai-me Ismael". Eu gostei dela.

A da Irene começa com "Trate-me por Ishmael", o que vejo como certo, visto que o livro começa meio formal e acanhadamente até terminar numa relação próxima e intrínseca entre leitor-narrador, como se o leitor, no começo, fosse Queequeeg dividindo a cama com Ishmael e no final fosse Queequeeg amigo inseparável de Ishmael...
 
Lucas_Deschain disse:
[align=justify]Moby Dick captura o leitor pela diversidade de 'coisas' que agrega: é relato de viagem, manual de pesca de baleia, compêndio de cetologia, guia anatômico de baleias, é guia taxonômico cetáceo, literatura per se, pelo 'clima épico' que permeia a obra como um todo. A obstinação do Melville em chafurdar por cada mísero detalhe da viagem, de cada variação do espírito do Ahab, de cada circunvolução do enorme corpanzil da baleia branca fazem do livro uma obra de difícil classificação, de difícil discussão de maneira mais panorâmica. É difícil inclusive tecer breves linhas sobre ela...a experiência solitária de ler o livro é fundamental, mais do que qualquer comentário sobre ele feito, a meu ver (isso talvez seja óbvio, mas é mais premente ainda em Moby Dick).[/align]

Agora estou um pouco avante ao meio do livro, mas já compartilho totalmente dessa sua visão do livro, Lucas. O livro é tão amplo, tão multifacetado, que se torna um daqueles casos em que qualquer descrição não parece fazer jus ao texto. Resta, como você disse, a experiência solitária. Ou algo que me parece uma outra solução maravilhosa: uma discussão pormenorizada no Clube de Leitura. Tomara que em algum momento ele tenha vez lá... :sim:

Algumas coisas me surpreenderam nessa passagem da primeira metade. Minha impressão imediata, ao encontrar todos aqueles excertos sobre o Leviatã nas primeiras páginas, foi de que o livro era uma grande invenção. Uma dedicação assim extrema em pesquisar tudo o que envolvesse a biologia e o comércio das baleias me pareceu tão fora de propósito que parecia mais fácil que se tratasse de um complemento fantástico, o que faria o Melville uma espécie de precursor do "realismo mágico". Mas o meu espanto não diminuiu, apenas se transformou, à medida que percebia que todas aquelas referências eram reais (até onde foram minhas buscas no Wikipedia). Gostaria até mesmo de perguntar a vocês: sabem se existe alguma referência, algum nome dentre todos aqueles estudiosos da baleia, ou sobre qualquer outro elemento retratado no livro, que seja fantasioso? Porque essa absoluta verossimilhança é igualmente assustadora, ela faz do livro um amálgama de obra de ficção e não-ficção, de uma forma que eu nunca vi igual.

Outra coisa que me surpreendeu é a irreverência com que a história vai sendo contada. Para mim "Moby Dick" sempre pareceu ser uma obra sombria, com todas essas interpretações de "luta contra o destino", etc, mas não, muitas vezes ela consegue ser bastante leve, como naquele momento em que Ismael se tortura com o fato de que terá de dividir a cama com um desconhecido...

Aliás, essa parte da taverna tem uns elementos que poderiam constar em obras de meio século mais tarde. Houve um momento que parecia ter sido extraído diretamente do "Molloy", do Beckett, que estava lendo há pouco.

Lucas_Deschain disse:
[align=justify]
O que me intriga é porque tamanho afinco em chafurdar em cada detalhe, em categorias taxonômicas, em circunvoluções de barbatana, em comportamento na época da reprodução, em hábitos alimentares etc. Não que eu os condene, pelo contrário, acho o máximo!, mas o que não quero pensar é que eles estão ali por acaso, eles devem ter um sentido, ainda que inconscientemente incrustado na obra. A ode que citei no início desse post é uma hipótese.[/align]

Verdade, Lucas, muito bem observado. Gostaria também de conhecer melhor a biografia do Melville... Mas acho que dentro do livro já existem algumas pistas nesse sentido. Se não me engano, na parte em que estão sendo descritos os secundários do navio (os "mates", esqueci como é em português), o Frask é repreendido por não ter uma reverência adequada à figura da baleia. De fato, só com o que fora narrado até aquele ponto, o Melville já conseguira transmitir ao leitor, ao menos foi minha impressão, um olhar de reverência a este animal incomparável, um sentimento superior que se aproxima ao êxtase.

Bem, tinhas outras coisas que queria perguntar a vocês, agora não estou lembrando ao certo... Depois acrescento mais.
 
[align=justify]Eu sei que estou relapso na nossa discussão, mas as leituras do Mestrado estão se amontoando ao meu lado nesse mesmo instante em que escrevo.

Bá, não me dei ao trabalho de tomar o caminho do Melville e me enveredar por essa seara tão pormenorizada de detalhes sobre as notas, mas não duvido nada de que elas sejam todas autênticas. Aliás, nunca duvidei desde o começo, embora não confirmaria com toda a certeza antes de sabatiná-las como você fez Gigio.

Sobre a hipótese do realismo-mágico, eu não tinha pensado não, apesar de ter um tom meio místico em diversos momentos do livro, Moby Dick não perde sua verossimilhança em praticamente nenhum dos momentos. É, inclusive, pensando nisso que estive pensando em mais uma elucubração que pode nos servir de escopo para pararmos de ricochetear nas blindagens da história e podermos penetrar nas fissuras do calhamaço: o fato da caça de baleias existir e ser uma prática relativamente comum na realidade americana do século XIX nos confirma que a jornada de caça a baleia empreendida por Ahab e sua tripulação não tem nada de fantasioso no sentido de que várias viagens eram empreendidas nesse intuito.

Contudo, para além do simples plano de velejar, abater, consumar a vingança e retornar a terra, há muita coisa, e nada do que é narrado por Melville atenta de forma chocante com nosso senso de realidade. OK, a frase anterior careceu de diversas aspas, mas acho que vocês estão mais ou menos me acompanhando, certo? O que aconteceu a bordo do Pequod e mesmo fora dele, com relação ás experiências de Ismael e Ahab, são, em tese, possíveis de acontecer. Porém, apesar de tudo isso, o livro nos parece ser bem mais do que isso, outras viagens em busca de baleias para serem abatidas não tiveram tamanha representatividade ou singularidade ou qualquer outra coisa como a viagem do Pequod teve.

É por isso que lhes peço, o que torna a viagem vingativa de Ahab tão singular. Estou aqui forçando algumas fronteiras e generalizando de forma ingênua, mas é que quero compreender porque a viagem do Pequod é tão estupendamente impressionante para nós, porque é narrada com tanto efeito e pujança por Melville e porque ele devotou tamanha paixão ao colocá-la no papel. Certamente ele narrava ali mais do que uma simples jornada no mar aberto a procura de uma baleia, ele transcendia, e transcende, e se Melville o fez, o fez por algum motivo, pois devia achar que a leitura dessa epopéia teria algum valor para a humanidade, alguma mensagem, seja ela qual for, que pudesse atentar os homens em relação a alguma coisa. O que faz Moby Dick ecoar no nosso espírito?

Ou será que estamos encontrar coisas fugidias e evanescentes onde nada há a não ser pensamentos-fantasmas fruto de arrebatamentos no calor da leitura? [/align]
 
é possível que seja essa segunda alternativa, Lucas. Afinal de contas, o que torna o texto shakesperiano o texto shakesperiano é justamente o calor da leitura, o calor da linguagem. Afinal de contas, algumas tramas de Shakespeare, se não me engano, já foram inclusive escritas antes do dito cujo. Outro exemplo disso seria a lenda do doutor Fausto, que gerou desde a grande obra da poesia alemã de Goethe até um romance de Mann ou peças de Marlowe...

Agora, sinceramente, não posso dizer ao certo o que Moby Dick faz ecoar em nossas vidas. Eu não sabia nem me imaginei a indagar como seria uma caça a baleias. Não achava que se caçava com arpões. O mínimo que imaginaria era uma bala de canhão esvoaçando as tripas dum cachalote... O que é ridículo, eu admito. O estranhamento de não-algo para com algo é o que facilita a impressão única que o livro faz, que o livro causa. Um caçador de baleias era um zé-ninguém em minha vida até que passa a ter um valor humanístico e literário ímpar. As partes não-ficcionais, inclusive, são, para mim, (insira mais uma vírgula), o vetor que traslada o livro inexistente e vazio para todo seu caráter épico e trágico e também lírico. Vários estilos se confundem em Moby Dick, afinal...

Agora se Moby Dick é um livro de realismo mágico... Não entendo muito dessa taxionomia literária, mas posso dizer que Moby Dick ganha uma carga de sobrenatural e de canônico que a engrandece mais do que ela de fato é. A baleia incha, incha, cresce, e, sinceramente, eu não me assustaria se descobrisse que Moby Dick, no começo do livro, nada mais era que um filhote de baleia indefeso num mar de placenta...

Assim como não me assustaria se Moby Dick, de alguma forma conspiratória, estivesse caçando o Pequod e não o Pequod a baleia.
 
[align=justify]Mas o que é então o Moby Dick?

- um romance sobre a caça de baleias?
- um romance sobre como a vingança pode consumir a vida do homem?
- uma epopéia sobre o homem em sua luta eterna contra a natureza?
- uma epopéia sobre o homem revoltando-se contra seu inglório destino?
- um romance sobre a jornada mística/transcedental que são as viagens marítimas?
- um romance sobre como o bem e o mal tem a Terra como campo de batalha?
- um tratado científico sobre cetologia e comportamentos gerais das baleias?
- (...)

ou um misto de tudo isso e algumas coisas mais? Não somente o "conteúdo" de Moby Dick é relevante para a compreensão das razões pelas quais ele se tornou um clássico, mas também a própria linguagem usada por Melville, desde os termos náuticos até as primorosas descrições dos detalhes mais aparentemente irrelevantes, que juntam a erudição de múltiplas referências até o uso rebuscado e romanticamente elaborado da linguagem.

Talvez seu status de clássico tenha a ver com o esforço de elevar a cotidianeidade do universo dos caçadores de baleia à circunstância literária. A rusticidade do dia-a-dia de um baleeiro, as técnicas de valor eminentemente prático e a primeira vista irrelevantes para a dimensão de arte, ganham contornos fantásticos, de proporções grandiosas, com linguagem altamente lapidada com lavra minuciosa. De qualquer modo é preciso admitir: Melville levou a realidade dos baleeiros e da caça as baleias ao âmbito da universalidade ao escrever Moby Dick.

Tantos posts e os contornos críticos ainda parecem estar tão nebulosos.[/align]
 
Eu só não sei se esse esforço de elevar a cotidianeidade do universo dos caçadores de baleia à circunstância literária foi realmente bem sucedido... Por vezes eu creio que os baleeiros de Moby Dick estão tão próximos da realidade quanto os pastores de Virgílio ou os coveiros de Hamlet. A universalidade a qual Melville elevou os baleeiros acabou por transfigurar seus personagens, querendo ou não... Essa harmonia entre literatura, macrocosmo e microcosmo só foi ser encontrada em Joyce alguns anos mais tarde, mas não posso negar que Melville foi quem provavelmente chegou mais perto. Por mais que ele tente transformar seus personagens em simulacros teatrais (alguns capítulos a disposição prosódica é teatral, contando inclusive com monólogos shakesperianos), o pairar de falso acaba jogando de volta a narrativa a seu estado natural de humano, de comum. Joyce provavelmente se aproveitou disso para escrever o Circe do Ulysses, e a sensação que se dá ao ler estas passagens é justamente a mesma: seres humanos humanos demais; ou, como diria Nietzsche, Humano, demasiadamente humano.
 
Comentando antes algo que o Mavericco disse lá no final da primeira página do tópico: existe mesmo muito espaço para que se fizesse uma edição de luxo ilustrada para "Moby Dick". E não apenas quanto à anatomia das baleias, mas também com reprodução dos quadros citados pelo Melville, imagens dos objetos usados em um baleeiro da época, etc. Ou algo como esta ilustração sobre a viagem do Pequod, que está no verbete do livro no Wikipedia:

[align=center][attachment=3564][/align]

(Infelizmente não achei em tamanho maior...)

Realmente, como sugeriu o Mavericco, os caçadores de baleia são aquele elemento da história que transmite a menor impressão de realidade. Entre tantas descrições realistas, os homens são o que há de mais romântico. Como se o Melville reproduzisse todo um ambiente fidedigno e depois o povoasse com figuras próprias, reflexos dos seus próprios valores e impressões. Quando há a descrição dos oficiais do navio (capítulos 26 a 28), por exemplo, me parece que, na atitude deles em relação à caça das baleias, se insinua uma representação de diferentes atitudes possíveis ao homem frente aos obstáculos da vida. Há o Starbuck, que enfrenta todas as adversidades ordinárias com prudência e coragem, mas que se enfraquece quando sob uma crise interior muito forte (ainda não cheguei ao fim do livro para saber exatamente o que o Melville quis anunciar com isso). Ou o cínico Stubb. Ou Frask, que toma todas as coisas como lhe aparecem diretamente, sem maiores reflexões...

Ainda assim, acho que o cenário da história, com todas as descrições sobre a vida em um baleeiro, é essencial para o caráter superior de "Moby Dick". Todas aquelas possibilidades sobre "o que é Moby Dick" que o Lucas citou são de alguma maneira válidas, mas na minha opinião duas são essenciais: que se trata de um livro sobre a caça às baleias; e de um livro sobre a vida desses caçadores. E o grande truque é que a vida desses homens não é diferente das nossas, mas de alguma maneira se transfiguram pela situação extrema em que eles se encontram. Assim, pela ação desses dois aspectos, a leitura recebe alternadamente impulsos de curiosidade e espanto (como em um romance de aventura) e de identificação (como em um romance mais psicológico).

Outra coisa em que reparei quando estava pensando sobre essa questão é que "Moby Dick" foi construído sobre experiências que o Melville teve quando viajou em um baleeiro, quando tinha uns 21, 22 anos. Então, entrando em um campo totalmente especulativo, acho que a força de expressão e a dedicação dele ao livro podem ser fruto de um impulso de reexperimentar esses anos de juventude. Imagino como esse tempo que ele passou no mar devia parecer então a um homem já casado, que morava em uma fazenda no interior de Massachusetts... (Estou me baseando em uns poucos dados biográficos da minha edição) Talvez o primeiro capítulo do livro possa ser entendido como a ligação do Melville com suas próprias memórias...

Sempre que me pego ficando amargo, mandíbula tensa; sempre que em minha alma se faz um novembro chuvoso e cinzento; sempre que me vejo detendo involuntariamente o passo diante de agências funerárias e seguindo a cauda de todo cortejo fúnebre que encontro; e especialmente sempre que minha hipocondria leva a melhor sobre mim de tal forma que só um forte princípio moral me impede de sair à rua e, deliberadamente e com método, aplicar murros na cara dos passantes – nesses momentos, sei que está na hora de me fazer ao mar o mais depressa possível.

Uma última coisa, quando falei em realismo mágico, foi só quanto a uma primeira impressão, enquanto ainda achava que Nantucket era um lugar inventado pelo Melville... XD
 
[align=justify]Prometo que a primeira coisa que farei quando tiver um tempo livre é responder a esse post Gigio. Tua iniciativa de retomar as palavras iniciais do livro me despertaram vivas reflexões. Vivas para o Melville! E para o Gigio!

Que passagem maravilhosa, como permanece tão viva e acertada até hoje em dia, não? Não que precisamos nos fazer ao mar necessariamente, mas como esses "efeitos" exemplificam bem o spleen a que às vezes somos submetidos.

Me aguardem. XD[/align]
 
Será que esse começo do livro não é uma representação duma metamorfose? Melville em seu começo de vida era Ishmael; torna-se depois Bartleby, o escrituário; e por fim, quer voltar a ser Ishmael: ou melhor, Ahab, o velho capitão preso no passado. Como se existissem dois Melvilles em Moby Dick (tal qual no Ulysses existem dois Joyces) e um implícito ou referencial (visto que não consigo achar alguém no livro que caia nesse contexto de prisão social ou algo do tipo no livro).

(no Índice de Capítulos da edição da Cosac eles colocaram a trajetória do Pequod, indicando os capítulos. Ficou até um tanto quanto clean e etc.)

Senhores, vejam o que encontrei:

http://en.wikipedia.org/wiki/The_Narrative_of_Arthur_Gordon_Pym_of_Nantucket

A Cosac tem uma edição desse livro... O único romance de Poe, o predecessor de Melville na literatura norteamericana. Vou ver se adquiro e confiro!
 
Lendo a resenha de Evert Duyckinck para Moby Dick, escrito em 1851, pude extrair alguns pontos interessantes:

Ele divide Moby Dick em três livros coexistentes. O primeiro seria um livro de caráter científico acerca da Baleia em si. O segundo seria o romance Moby Dick, com seus personagens baleeiros, cozinheiros, tripulantes estrangeiros, etc. O terceiro seria um livro formado de ensaios de autoria de Ishmael, que iriam desde a simbologia da cor branca até tratados de leis acerca da pesca de baleias.

Julgo este ser o compêndio mais justo de todo o livro...

O segundo aspecto apontado por ele em poucas e esparsas linhas é um paralelo com a lenda de Fausto. Ahab seria Mefistófeles e a tripulação agiria como numa Noite de Valpúrgis... (Mefistófeles? Não sei. Preciso checar. Creio que ele citou "Fausto", o que pode fazer mais sentido... É claro que não poderíamos considerar o caráter corrompedor de Ahab; mas podemos considerar seu desejo de esvair-se com a vida num único instante, que seria a caçada final da Baleia Branca.)

O terceiro, por fim, é a relação do livro com a religião. Ele não fala exatamente isto, mas pude perceber nitidamente que sua intenção era demonstrar a religião nítida de Moby Dick como sendo aquela da igreja em Nantuckett bem como a religião implícita de Moby Dick, que poderia ir desde a adoração de deuses de Queequeeg até à caçada em si de Baleias, o que continuaria dando em Queequeeg... Afinal de contas, a própria missa realizada em Nantuckett tem como finalidade e escopo a caça de baleias. Nantuckett é uma baleia de Jó que engole todos os baleeiros do mundo. O homem de Nantuckett é gorfado de lá pra cá, simplesmente.

P.S.: Comprei o livro do Poe. Falta ler, é claro... Mas posso perceber nitidamente o caráter horripilante e macabro que vai se apossando da narrativa em ambos os livros. Afinal de contas, as páginas vão sendo passadas, os ensaios vão sendo desenrolados... E a Baleia Branca, cada vez mais mítica e mais dissecada, mais conhecida e mais idealizada, aproxima-se... Aproxima-se...
 
[align=justify]
Mavericco disse:
Julgo este ser o compêndio mais justo de todo o livro...

Felizmente não esgota as possibilidades de abordagem mas é deveras interessante e consegue traçar linhas gerais que permitem uma compreensão bastante apurada sobre as múltiplas dimensões do livro. Aquelas possibilidades de abordagem que tinha postado antes estão mais ou menos contempladas nesses três grandes escopos, né? Legal, legal, minha confusão não foi infundada, o eco dos silvos de Moby Dick reverbera insistentemente por gerações e gerações.

Mavericco disse:
O terceiro, por fim, é a relação do livro com a religião. Ele não fala exatamente isto, mas pude perceber nitidamente que sua intenção era demonstrar a religião nítida de Moby Dick como sendo aquela da igreja em Nantuckett bem como a religião implícita de Moby Dick, que poderia ir desde a adoração de deuses de Queequeeg até à caçada em si de Baleias, o que continuaria dando em Queequeeg... Afinal de contas, a própria missa realizada em Nantuckett tem como finalidade e escopo a caça de baleias. Nantuckett é uma baleia de Jó que engole todos os baleeiros do mundo. O homem de Nantuckett é gorfado de lá pra cá, simplesmente.

Achei essa 'sacada' muito boa, mas faço uma inferência para que meus nobres colegas ajudem a apreciar mais esse escopo de análise: a questão da religião perpassa, em maior ou menor grau, direta ou indiretamente, todo o livro, e eis que me ponho a pensar sobre as componentes históricas onde essa 'obsessão' veio a se arvorar. Melville foi um dos autores que primeiro começou a descolar o Novo Mundo do Velho, e, um dos pontos nodais desse processo é justamente o rompimento (ou ao menos insatisfação e crítica) com o puritanismo. Esse questionamento meio metafísico meio religioso que brota aqui e ali em Moby Dick não pode ser considerado efeito dessa descrença e tentativa de libertação desse puritanismo?

Me parece acertado inferir que a religião de Nantuckett se distingue profundamente das concepções puritanas, embora a herança seja sensível.

Mavericco disse:
P.S.: Comprei o livro do Poe. Falta ler, é claro... Mas posso perceber nitidamente o caráter horripilante e macabro que vai se apossando da narrativa em ambos os livros. Afinal de contas, as páginas vão sendo passadas, os ensaios vão sendo desenrolados... E a Baleia Branca, cada vez mais mítica e mais dissecada, mais conhecida e mais idealizada, aproxima-se... Aproxima-se...

Essa demora ou supervalorização da véspera de encontro com a baleia é algo que certamente tem algum sentido subjacente (conscientemente ou não), mas aguardo tu terminar para podermos discutir mais essa questão.[/align]
 
Quando você fala Puritanismo você se refere ao Protestantismo?
Ou simplesmente ao puritanismo, adjetivo?

Creio que de fato pode ser algo referente a isso mesmo. O próprio livro Moby Dick tem uma função princeps de enaltecer a figura do baleeiro, uma profissão a qual julgávamos suja e fétida. Os argumentos de Ishmael, contra um leigo leitor, acabam sendo fortes. A religião da pesca das baleias vai sendo implantada...
Mas, no final das contas, creio que o que Ishmael quis dizer mesmo era algo como: "Se Deus fosse humano, ele seria um arpoador".

No prólogo do livro, que fala do sub-sub, antes das citações acerca das baleias, tem inclusive uma parte zombeteira enquanto à religião:

But gulp down your tears and hie aloft to the royal-mast with your hearts; for your friends who have gone before are clearing out the seven-storied heavens, and making refugees of long-pampered Gabriel, Michael, and Raphael, against your coming. Here ye strike but splintered hearts together—there, ye shall strike unsplinterable glasses!

(por enquanto vejo o protelamento do encontro apenas como recurso estilístico de captação da atenção do leitor... Ou simplesmente de alongamento narrativo. Em determinadas partes, sinto que Melville tenta entumescer a narrativa no objetivo de criar um Frankenstein linguístico. O papel do leitor é análogo ao da Criatura observando pessoas simples vivendo de forma simples, trancafiado numa árvore [gosto de espichar para a da Ciência].)
 
[align=justify]Me refiro mais a puritanismo como racionalidade, visão de mundo, concepção de vida e realidade, que se expressa num constructo de costumes, hábitos, saberes, condutas, morais e valores diversos, em que um deles é uma religiosidade específica, mas não necessariamente delimitada pelo protestantismo 'puro' (se é que algo pode ser consideado puro, dá-lhe Canclini).

É bem isso que tu disseste, exortar a vida baleeira seria contrapor-se ao comportamento por vezes pernóstico e arrogante, ligado a uma moralidade específica que aspira nobrezas velho-mundistas em território americano. Exaltar os baleeiros seria o modo que Melville teria achado de mostrar como há mais vida (no sentido filosófico) na lida baleeira do que nas nababescas casas de chá e costumes afetados que se encontravam em terra.

Essa parece uma senda muito boa a ser trilhada ainda, e temos a nos guiar não Virgílio, mas Carpeaux, que em História da Literatura Ocidental, ressalta essa reação ao puritanismo, que se vivifica também em Bartleby, o escriturário (ou escrivão, dependendo da tradução), em que a vida 'proto-corporativa' que se instalava nessa época é vista como árida, superficial e enlouquecedora em certa medida.

Sigamos, há ainda muito a ser dito, prometo que vou retomar o início do livro que o Gigio teve a gentileza de postar para desatar uns nós que venho perseguindo.[/align]
 
Bom você ter citado a loucura. O negrinho Pip (não nosso camarada Pips), pelo que pude entender, fica doido depois de ser quase abandonado em alto mar... Melville faz divagações interessantes sobre o tema. A solidão, no "equóreo ponto" (como traduziria Odorico), é pior que a baleia em si. Ahab teria ficado dez vezes pior se ele percebesse que sozinho, apenas e sozinho, teria de caçar pela Baleia Branca. Fico me perguntando inclusive até que ponto essa solidão não afeta o próprio Ishmael, que acaba por ficar em tal situação no final da narrativa...

A diferença é que Ishmael tem apenas o leitor para trasladar parte de sua loucura, como Quixote e Sancho Pança. Assim como Ahab teve toda sua tripulação... Pois, por mais fidalgo que o baleeiro seja, nenhum cavaleiro andante consegue sobreviver sem seu escudeiro. É por isso que Ishmael e Queequeeg se apegam tanto, é por isso que dormem juntos na mesma cama.
 

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