É provável que ele estivesse querendo transformar sua narrativa num relato mais verossímil ou simplesmente justificar sua caçada obstinada pelo Moby Dick... Como Humbert Humbert tentando justificar a pedofilia citando o amor de Dante por Beatriz; quando na verdade isso é falso, visto que antigamente o conceito de criança não existia.
Ou talvez ele estivesse querendo "reconstruir" a baleia. A caça às baleias é uma tarefa de desconstrução, por natureza, mas Ishmael quis criar algo inverso, construindo a baleia (a baleia de Ishmael, é importante lembrar) diante do leitor, tentando alcançar uma verossimilhança... É como se, ao construir uma baleia textual cercada de partes não-ficcionais, a narrativa, a literatura, o leitor se portassem como Jonas dentro duma baleia -- só que aqui no caso é dentro de uma baleia literalmente.
Ou simplesmente uma forma de se construir a progressão da obstinação de Ishmael/Ahab por meio das descrições fisiológicas. Nós, leitores, pouco sabemos sobre baleia, e eu poderia morrer sem saber o que era uma ostaxa ou que a cabeça da baleia tinha gordura dada como preciosa; sendo assim, ele nos guia pelo escuro, como Joyce guiando um leitor que nunca visitou Dublin em seu Ulysses, e é justamente desta forma que vamos, pouco a pouco, aprendendo a aceitar tudo o que ele diz como sendo verdade... É como se ele nos desse uma espécie de "mata-leão" ou "boa-noite-cinderela" que nos desse tonturas, cansaço, fadiga... Como se não bastasse estarmos caçando uma baleia, estarmos dissecando uma baleia (nós, marinheiros de primeira viagem tal qual Ishmael; pois que o Ishmael que narra não é o mesmo Ishmael do tempo da narração em si, ou seja, o Ishmael que não sabia droga nenhuma de como caçar uma baleia -- esse papel é nosso), ainda temos que lidar o cansaço que o livro nos proporciona...
É por isso que muitos leitores de Moby Dick são cachalotes comuns, que vão sendo perfurados pela lança textual de Melville até, por fim, esguicharem sangue (reclamações, súplicas, etc) até a morte; enquanto poucos são de fato um Moby Dick, que consegue ultrapassar todas essas barreiras e, porque não pensar?, chega até mesmo a afundar alguns botes baleeiros...