Tinha esquecido de dar minhas razões:
"Literatura europeia e Idade Média latina", E. R. Curtius. A tese central do Curtius aqui é a de que existe uma continuidade na literatura europeia, isso da literatura antiga até Goethe. Os instrumentos que o Curtius se vale pra analisar são famosos não só pela grande erudição que ele demonstra, mas pela enorme valia das informações que compila. Então, por exemplo, no capítulo mais famoso da obra, ele analisa os topói poéticos, isto é, os lugares-comuns que a literatura ocidental apresentou ao longo dos séculos, rastreando sua origem e suas metamorfoses. É um livro clássico, embora seja até pouco lido. Temos uma tradução boa pra português, publicada na década de 50, salvo engano. Hoje é reeditada pela EdUSP num preço salgado, mas que valerá cada centavo.
"The Pound Era", Hugh Kenner. Esse também é um dos livros mais brilhantes de crítica literária que já li. Não só pelo tom de escrita do autor, que incorpora em grande medida a erudição vasta, a leveza e a paixão do estilo do próprio Pound, mas também pela clareza e profundidade com que ele comenta os vários autores modernos elencados. Pois, embora a obra se concentre na figura do Pound, a ideia aqui é a de que a figura do Pound foi uma figura central pro desenvolvimento da literatura moderna, e daí, por exemplo, comentários auxiliares a respeito de nomes como T. S. Eliot, Marianne Moore, William Carlos Williams ou James Joyce. Existem comentários que o Kenner faz nesse livro que você simplesmente não vai encontrar em nenhum outro lugar, como quando por exemplo ele fala do Ulysses do Joyce relacionando-o à concepção de Homero que os contemporâneos de Joyce possuíam.
"The event of literature", Terry Eagleton. De vez em quando os setores mais enferrujados da direita abrem a boca pra dizer que os marxistas nunca produziram algo que preste no âmbito da crítica literária, o que é uma afirmação inacreditável ainda mais se nos lembrarmos de nomes como Lukács, Benjamin, Bakhtin ou o próprio Eagleton. A maior parte dos estudantes de Letras no Brasil conhece o Eagleton do livro "Teoria da literatura", em que ele desenvolve, por exemplo, argumentos de que os estudos literários deveriam ser diluídos num todo maior de estudos culturais uma vez que nós não temos como chegar a um conceito de literatura. Aqui o caminho dele é reverso, pois ele diz que nós podemos e de fato, quando falamos de literatura, nós nos referimos a algumas características primordiais dos textos literários, como sua ficcionalidade ou a forma fechada que parecem aparentar. Ele elenca ao todo 5 características e analisa cada uma delas, tentando chegar a um conceito wittgensteniano de literatura. A forma como o Eagleton problematiza posições é fabulosa. É, de longe, o melhor conceito de literatura que já li, em especial no quesito da funcionalidade...
"The madwoman in the attic". Um clássico da crítica literária feminista, analisa a relação da mulher escritora no contexto da literatura do século XIX. Não só a retórica e a concepção que era tida da própria mulher na sociedade, e de como romancistas e poetisas de talento conseguiram trabalhar em cima desse material, mas também das formas de exclusão e discriminação dentro da própria literatura aplicáveis à mulher escritora. São análises brilhantes e muito bem fundamentadas. Oferecem um contra-ponto muito forte e sólido, por exemplo, às ideias do Bloom, em especial a da angústia da influência.
"Os anéis de Saturno". O único livro literário da lista é meio difícil de abordar... O estilo do Sebald é muito único. Ele retrata a dissolução da cultura europeia, como que um colapso ou, até, um pós-colapso dessa Europa pós-guerra. Ele se vale de um estilo de escrita fragmentário e que faz com que o narrador se assemelhe a um flanêur, tratando de muitos assuntos desconexos que, dentro do plano emocional, do plano discursivo do texto, se amarram. Assim, por exemplo, ele consegue fazer um retrato de Swinburne e de Edward Fitzgerald em partes separadas do livro sem que possuam exatamente uma relação "A pois B", uma relação logicamente necessária, que não a do sentimento de dissolução e passado, um certo amargor até, que percorre o livro todo. É bonito. Muito tocante.