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Materialismo Histórico e Fator Econômico - Mário Ferreira dos Santos

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Paganus

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Se passarmos os olhos pelo socialismo dos séculos XVIII e XIX, encontraremos a primária e abstractista interpretação materialista da História em socialistas como Saint Simon, Considérant, Louis Blanc, Proudhon, para citarmos apenas os franceses. Sem dúvida que o socialismo gira em torno do económico, sobre o qual estabelece as suas mais vivas considerações. Negar o factor económico na História seria um erro palmar, e nenhum filósofo de certo vulto negaria essa influência. Mas o que caracteriza ao marxismo não é apenas a aceitação do factor económico e a sua predominância, mas a postulação dogmática e pretendentemente apodítica que quer dar à tese, muito embora seja essa colocação axiomática mais própria dos marxistas do que propriamente de Marx e Engels, que, como veremos, não cometiam essa "tolice", (e o termo é empregado por este último) de atribuir sempre e apenas ao económico a causação dos factos históricos. Apesar dessa admoestação de Engels, o dogma foi proclamado, como o foi o da inevitabilidade e imprescindibilidade da ditadura do proletariado, que levou à morte a tantos que puseram dúvida na sua apoditicida-de, e que, nos dias que correm, o Isvéstia afirma não ser mais necessária, já que o caminho do socialismo pode ser trilhado até pelos caminhos democráticos burgueses.

Julgava Marx, certamente por influência hegeliana, que havia alcançado ao fundo "das leis da física social", e a sua descoberta era tão importante como a de Copérnico e de Kepler, como declaravam os seus panegiristas.
Graças à descoberta dessa lei, afirmava Engels, a interpretação económica da História tornava-se ciência. É uma lei indefectível afirmam ainda os seguidores, lei inflexível. Assim como o mundo físico está submetido a leis invioláveis, também está o destino do homem na Terra. Do mesmo modo que não podemos violar as leis da Biologia e da Fisiologia, não podemos violar as leis da Física Social. Vivemos num mundo de necessidades e somos dirigidos por elas. O próprio marxismo é a consequência de uma evolução humana e imprescriptível como o são as leis que regem os factos da Física. Por que o homem, em seu viver social, fugiria à férrea lei da natureza? Como poderia êle opor-se ao que já está determinado?

Estamos numa época que corresponde à dos sofistas gregos, e sofistas, hoje, de matizes diversos, como os da antiguidade, instalam-se em todos os recantos do mundo, lançando aos quatro ventos as suas ideias abstractistas, seus erros palmares, e exibindo, sobretudo, a sua medíocre auto-suficiência. Reduzir o humano ao físico apenas, é desconhecer as formas, as leis de proporcionalidade intrínseca das coisas, que distinguem os diversos campos uns dos outros, e não permitem que se identifiquem os aspectos heterogéneos nem se univoque o que é equívoco.

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Não há economia, propriamente dita, nos animais irracionais, mas apenas no homem. O factor económico não é algo, portanto, puro, mas um producto híbrido de causalidades outras que o compõem. Ninguém nega, nem ninguém o negou em qualquer tempo, que a economia movesse o homem em muitos dos seus actos mais importantes. Mas tratar do factor económico como algo puro, incomplexo, é de um primarismo indesculpável, sobretudo naqueles que se julgam no ápice da Ciência e da Filosofia, e que atribuem a si mesmos os mais elogiosos epítetos. O que se considera factor económico é uma complexidade, uma totalidade de heterogeneidades, e não algo incomplexo, simples. E a direcção do próprio factor económico depende dos factores que o constituem. Aos poucos essa análise aumentará em profundidade e alcance, e permitir-nos-á evitar cair nos crassos erros sofísticos daqueles que, em nome de uma falsa ciência, têm perturbado tanto a paz humana e nada fazem em benefício da melhoria tão anelada por todos.
[...]
Os materialistas históricos têm, para a ciência da História, a mesma significação e representam o mesmo papel, quanto aqueles astrólogos malogrados que valem quando acertam e que são esquecidos quando erram. O mesmo se dá aqui. E é mister não esquecer tal aspecto, neste caso, porque não estamos num mero torneio de ideias, ou numa brincadeira intelectual; estamos num terreno de uma gravidade extrema, porque os incautos estão sendo arregimentados pelos falsos cientistas com a cumplicidade de medíocres sub-intelectuais, que emprestam a essas doutrinas um prestígio que realmente não têm, mas que muitos ingénuos julgam que possuem.

[...]

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Em suma, para o materialismo histórico de Marx, temos:

a) o homem, como os animais, têm necessidades a aplacar;
b) mas o homem difere do animal, porque produz socialmente;
c) essa producçao é constituída de um complexo econômico-técnico-social;
d) nessa producçao, estabelecem-se relações entre os homens. Todos são consumidores, nem todos, porém, são productores. A repartição do producto é, contudo, estabelecida de modos diferentes; ou sejam, as relações de producçao são várias, mas para Marx dependentes apenas do grau de desenvolimento das forças productivas materiais;
e) essas relações, que se instituem na sociedade, fundam a estructura económica da sociedade, o relacionamento entre o que se chama natureza, trabalho, capital, etc. na Economia;
f) sobre essas relações, fundamenta-se a superestructura jurídica e política da sociedade;
g) a essa superestructura correspondem as formas de consciência social; ou seja, estas são determinadas por aquelas;
h) o modo de producçao da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral;
i) assim como é o homem em seu ser social, é a sua consciência. Esta é determinada pelo seu ser social, e não determinante daquele.

Analisemos estes diversos itens:


a) é o homem movido a buscar bens para aplacar o estado de desagradabilidade causada pela sua carência, e o perigo que lhe ameaça a sua integridade física. Se de nada carecesse para a manutenção normal de sua existência, não se moveria em buscar nada fora de si, salvo para aumento de sua agradabilidde, bens prazeirosos e supérfluos, e não os necessários, dos quais não careceria. Procede do mesmo modo que os animais para assegurar o que é elementar à manutenção de sua vida.

b) Mas o homem é diferente dos animais, porque produz socialmente, ou seja, seu trabalho é associado a outros. Contudo, as térmitas e as abelhas também realizam uma producção social, com divisão de trabalho. Ora, a inteligência humana é uma actividade que acompanha os actos humanos mais diversos, e o homem procede como homem, com a capacidade de escolher, julgar, apreciar valores, revelada desde criança, antes de se tornar um elemento activo na economia social. O que, na verdade, distingue o homem dos animais não é o produzir socialmente, mas é transformar o acto económico, que realiza, num acto cultural, pela presença e caracterização de seu espírito (mente) pela actuação da sua inteligência, que permite escolher meios e criá-los, a fim de facilitar a produpção, aumentar a productividade.

c) É o que se revela no complexo econômico-técnico--social, pois a técnica exige a inteligência, sem a qual é impossível realizar-se, já que é uma sistematização dos meios a empregar ou empregáveis para obter os resultados desejados, embora dirigidos pela lei do bem (maior proveito-menor esforço). Os animais não constroem uma Técnica, nem muito menos são capazes de realizar uma Tecnologia. O homem distingue-se dos animais pela racionalidade, a sua capacidade de inteligência criadora. A Técnica actua sobre a Economia, como esta sobre aquela. Mas essa interactuação é presidida pela inteligência humana, sem a qual seria impossível estabelecer o complexo econômico-técnico-social. Este ponto importante foi vir-tualizado por Marx, obstinado no seu desejo de explicar tudo pela concepção materialista, e dar um papel secundário e totalmente subordinado à inteligência, embora seja admissível uma certa subordinação da inteligência à Economia.

d) Estabelecem-se relações de producção entre os homens, relações de trabalho, de ordenação das funções diferenciadas. Mas o producto é por sua vez destinado ao consumidor, ou a quem dele se apropria. E por que meios uns se apropriam dos productos realizados por outros em maior escala, ou expropriam outros do que produziram, para deles se apossarem para seu benefício? Onde encontraremos, na divisão do trabalho, as razões dessa expropriação?

Eis que nos encontramos agora em face de certas perguntas importantes, cujas respostas exigem certa análise. Partamos do casal humano: homem-mulher. Dadas as condições biológicas e fisiológicas, à mulher cabe a gestação da prole e o cuidado mais directo desta. Ao homem, como não está sujeito à gestação, sua actividade é mais livre. A mulher liga-se directamente à conservação da espécie, enquanto o homem mais à conservação individual. Mas a prole é improductiva, apenas consumidora. É preciso obter bens para aplacar as necessidades dela. O homem e a mulher colectam, caçam, pescam, plantam, etc. Mas o papel económico mais activo pertence ao homem, enquanto cabe mais à mulher a prestação de serviços. Dadas as suas condições biológicas e fisiológicas, o homem é mais forte, normalmente, em sentida físico, que a mulher. Esta se inferioriza ante êle, e em geral, nos primitivos, é dominada por êle. O homem exerce um domínio maior sobre a mulher. Seu poder facili-ta-lhe abusos. E poder-se-ia ir mais distante e verificar que o poder facilita abusos e expropriações. A expropriação económica encontra no poder seu fundamento. O homem, em geral, aspira ao prestígio social, ao desejo de impor-se de algum modo ante os seus semelhantes. É um ser que normalmente tende a valorizar-se. E por quê? Porque o homem é um ser que aprecia valores, capta valores e, por isso, deseja impor-se aos outros. Este impulso é fundamentalmente psicológico, e êle actua nas relações entre os homens, gera a variedade destas. Só mesmo uma total falta de exame poderia deixar de reconhecer a validez do que afirmamos, que é de uma evidência palmar, observável quotidianamente junto às crianças, desde a mais tenra idade. Nestas, também se manifesta o liderismo. Ademais, os adultos são prestigiados pelos menores, como os filhos na primeira idade prestigiam exageradamente os pais, e alguns se impõem ante a admiração de outros pelo prestígio adquirido pela sua valentia, pela sua capacidade, pela sua força. Por outro lado, nas lutas, uns vencem outros, e povos vencem outros povos, do-minam-nos, subjugam-nos, transformam-nos em produc-tores a seu favor. De tudo isso se esqueceu Marx. Não considerou êle o factor político, a capacidade resultante do que dispõe do kratos social. As relações entre os homens, se tem sua origem também na producção, não a tem apenas na producção. Consequentemente, essas relações não dependem apenas das forças productivas materiais, mas também dos factores psicológicos em toda a sua gama de idade, sexo, temperamento, carácter, etc. A economia, os modos de producção e de distribuição passam a ser dirigidos pelos interesses políticos sociais. É a política que actua e dirige muito mais a Economia, que esta aquela. Que realmente as condições económicas têm um papel actuante na política é inegável. Ora, uma se ordena à outra, nunca, porém, apenas uma subordina a outra. A forma de producção e de repartição depende essencialmente da forma política. Esta pode sofrer modificações por actuação daquela, e uma forma pode cor-romper-se pela actuação de um processo económico, como também um processo económico pode sofrer a acção da política. Basta que os marxistas observem a história económica da Rússia, onde tantas experiências foram feitas por imposição política, e onde muitas conheceram malogros tremendos. Leiam a crítica dos próprios marxistas às imposições arbitrárias dos políticos, as acusações feitas a Stalin, por exemplo, e também a outros chefes soviéticos, por quererem determinar formas e modos de producção, acusados de intervirem, indevida e erradamente, na economia. Todo o sovietismo é um exemplo da intervenção política do Estado na economia. E não só o sovietismo, mas em toda a história humana a intervenção da política é patente. Ainda traremos provas no exame da História a favor da nossa posição. Filosoficamente, porém, essas provas são apodíticas, porque o homem, dadas as suas condições esquemáticas bio--fisio-psicológicas é um anelante de poder político (kratos), mesmo quando religioso, aristocrata, empresário utilitário e até como servidor, como vimos ao examinar estes quatro estamentos fundamentais de toda sociedade humana.

e) Aceita Marx que essas relações constituem o fundamento da estructura económica da sociedade. Se essas relações estão em parte subordinadas aos factores bio-físio-psicológicos, aos políticos, também estão subordinados algumas vezes ao económico. A estructura económica da sociedade é constituída elementarmente pela infra-estructura bio-físio-psicológica, em reciprocidade com as condições económicas da sociedade, incluindo o seu ambiente ecológico. A Economia não pode ser considerada dentro do abstractismo bem tipicamente burguês de Marx, mas segundo a concreção dialéctica supe-radora, que se liberta dos limites impostos pelos interesses criados dos estamentos sociais.

f) A superestructura encontra fundamentos nessas relações sem dúvida, mas actua por sua vez sobre eles. A estructura política e jurídica da sociedade não é apenas um producto da Economia, mas também actua sôbré esta. Há, assim, uma. reciprocidade bem dialéctica, que a dialéctica de Marx esqueceu, e com êle seus discípulos.

g) Consequentemente, se o modo de producção da vida material condiciona o processo da vida social, político e intelectual em geral, nada há a obstar, desde que se tenha do termo condição o mesmo conceito clássico. A condição distingue-se da causa. Esta, em relação ao efeito, expressa uma dependência real desta àquela. A condição não expressa uma dependência real, mas apenas uma dependência, que pode ser eventual. Contudo, a condição pode entravar, auxiliar ou modificar a causa-ção. O efeito é de certo modo a sua causa, pois a contém já outra, como a causa material, que está no efeito, mas já informada de modo distinto. A condição, quando é sine qua non; ou seja, quando sua ausência não permitiria que um efeito determinado se realizasse, é ela producção não é causa do processo da vida social, porque aquele não antecede ontologicamente a este, já que a vida social do homem não é um producto da economia, mas da sua bissexualidade e do apoio da prole. Contudo, realmente condiciona a vida social, política e intelectual, como é condicionada por esta. Ainda aqui há uma interactuação, que pode ser estudada dialècticamente, e que a dialéctica dos marxistas esqueceu.

i) Se há homens, e em sua maioria, cuja consciência é determinada pelo seu ser social, há outros que não o são, e que não se sentem incorporados aos estamentos nos quais nasceram ou vivem. Se assim fosse, as consciências humanas apresentariam uma heterogeneidade muito menor, e os tipos estereotipados seriam mais numerosos do que são.

Em suma, nossa crítica à posição materialista da história comprova a validez desta parte de nossa tese: a es-tructura económica é constituída das formas de producção, mas a infra-estructura é a bio-físio-psicológica, com a interactuação das que sobre ela se estructuram. Em suma, o produzir realiza productos, mas estes actuam nos modos de produzir. Essa reciprocidade acompanha simultaneamente a gestação dos novos modos de produzir e dos novos productos, e assim sucessivamente.

Portanto, se o factor económico é a forma de producção, não é este que apenas determina a História, embora tenha um papel activo determinante, mas em cooperação com outros factores, que sobre êle influem.​

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