Livros: Como Você Se Relaciona Com Eles?
É engraçado, mais sou uma das pessoas mais bagunceiras e desorganizadas que conheço, menos com os meus livros. Esse é um assunto extremamente sério para mim. Eu admito sou meio neurótica e obsessiva com os livros, cuido com todo carinho. Às vezes costumo fazer anotações nas margens, ou sublinhar, mas esse hábito é mais comum nos livros da faculdade e em geral não escrevo nos meus outros livros.Uma vez por mês tiro pó e os arrumo, gostaria de fazer isso com mais freqüência, mas não tenho tempo. Alguns anos atrás fui fazer um retiro durante o fim-de-semana, quando voltei a faxineira tinha estado aqui em casa e ao arrumar meu quarto e tirar o pó das estantes ela resolveu reorganizar meus livros, os arrumou por ordem de cor e altura... Falei tanto, mais tanto nos ouvidos da minha mãe que agora a faxineira só entra no meu quarto se eu estou em casa.
A minha neurose tem alguns inimigos, aliás, eu moro com o inimigo. Por uma ironia do destino, minha família que é extremamente organizada e metódica em tudo, trata com desleixo os livros. Criei uma teoria da conspiração na qual minha família estava competindo para ver quem conseguia me deixar mais nervosa maltratando meus livros.
Minha avó ganhou apenas uma menção honrosa, ela estava lendo o meu exemplar do livro Ramsés – O Filho da Luz e usando a orelha do livro como marcador. Em favor da minha avó posso dizer que ela tem 76 anos e que quando reclamei, ela pegou um pedaço de papel e passou a usar como marcador.
A medalha de bronze foi para o meu tio, que recentemente doou alguns livros meus que estavam emprestados com ele para uma casa de menores carentes. Só não ganhou a medalha de ouro por esse belo gesto porque fez essa doação afinal de contas foi para uma instituição filantrópica e porque também doou alguns livros dele.
A medalha de prata foi para minha mãe que estava lendo meu exemplar do livro Lucrecia Bórgia (414 páginas) na praia, após dar um mergulho no mar pegava no livro com as mãos molhadas e esforço dos esforços, conseguiu dobrar o livro como se fosse uma revista.
Finalmente, a medalha de ouro foi para meu irmão Arthur, pelo conjunto da obra. Já perdi as contas de quantos livros meus ele já perdeu direta ou indiretamente. Diretamente esquecendo livros meus que ele estava lendo em algum lugar como metro, faculdade ou Gibimania. Indiretamente emprestando meus livros para amigos que nunca devolvem.
Alguns anos atrás li um artigo bastante interessante, com o qual me identifiquei, sobre o relacionamento das pessoas com seus livros. O artigo é da revista Diálogo Médico. Vou copiar um tracho em especial para vocês. Espero que gostem.
PS: Não sei quem é o autor do referido artigo...
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"Assim como, quando amamos alguém - pai ou filho, amigo ou namorada- gostamos não apenas do interior da pessoa, mas também de sua fisionomia, suas mãos, seu modo de caminhar, os grandes amantes da literatura prezam não só o conteúdo imaterial e abstrato que um volume impresso veicula. Quem gosta de ler tem um carinho especial pelo livro em si, pelo objeto feito de tinta, papel e barbante fino, sem o qual não existiria a comunicação entre escritor e leitor, através do espaço e do tempo.
Diálogo penetrou na intimidade do relacionamento entre livros e seus apaixonados, ouvindo alguns daqueles que, obrigatoriamente, fazem parte dessa categoria - os escritores. Marina Colasanti, Otto Lara Resende, Carlos Eduardo Novaes e Cláudio Mello e Souza abordaram alguns aspectos de sua convivência com esses entes quase vivos que ocupam suas estantes, mesas de trabalho e importante parte em suas vidas.
Apego Inevitável
Já que o livro e a obra que ele contém se fundem no coração dos integrantes, cada vez mais raros, da tribo de amigos de livros, apego, ciúme e possessividade são sentimentos que, considerados negativos e causadores de problemas em outros relacionamentos, no que toca ao livro tornam-se inevitáveis e compreensíveis. A suposição, quase sempre confirmada, de que jamais lerá aquele livro de novo não consiste, para o leitor inveterado, em motivo palpável para dele se desfazer, pois aquilo que se estima jamais é descartável. Ainda que sem utilidade imediata, a aproximidade das páginas que guardam mundos inteiros representa a possibilidade de retorno a eles sempre que se desejar; a simples contemplação das lombadas proporciona prazer e sensação de companhia.
Por tudo isso, não emprestar nem pedir livro emprestado é quase um código da confraria dos amantes das letras. Quem o transgride, jamais verá o empréstimo de volta (reza a convicção absoluta do grupo) e, no segundo caso, por certo ouvirá um “não”.
Cláudio Mello e Souza e Marina Colasanti são não-emprestadores ortodoxos.
- Não peço porque tenho medo de perder ou estragar por acidente e não empresto porque nunca devolvem. Tenho um exemplar de Dom Casmurro, de Machado de Assis, todo cheio de anotações preciosas, que está há seis anos com um amigo – reclama Cláudio. “Livro para mim é ferramenta de trabalho”, justifica Marina.
Já Otto Lara Resende e Carlos Eduardo Novaes abrem concessões. Emprestam – ou melhor, dão, já que não esperam pelo prometido retorno – o que não for de estrita estimação. “Só faço questão de conservar o que preciso para consulta, mas não tenho nada tão precioso que mereça ficar sob sete chaves”, comenta Novaes.
“Não sou ávro, nem colecionador e, se o livro não é raro nem especialmente querido, digo a quem pede emprestado: pode ficar. Se devolvem, me surpreendo’, diz Otto. É claro que exemplares dedicados e autografados, muitos por grandes escritores que já se foram, como Guimarães Rosa, Manuel Bandeira e Drummond, não saem de suas estantes – “assim como outros que são meus amigos e fazem parte do meu ambiente”, acrescenta.
A distinção entre o que é ou não de estimação depende, segundo Otto, do desenrolar de sua relação com cada livro que lhe chega às mãos. Pois a transação entre leitor e leitura ocorre, garante ele, em mão dupla. “Não é só o leitor que escolhe o livro. Este também o procura. Tanto que, às vezes, tentamos ler um livro e ele parece nada nos dizer. Anos mais tarde, o redescobrimos e acontece o encontro”.
Cláudio Mello e Souza também percebe essa reciprocidade. “O livro é um ente muito parecido com o homem. Ala, pensa, solicita, suscita dúvidas e nos deixa marcas, como deixamos nele”.
Algumas vezes a substância física de um livro torna-se até mais importante do que a obra. Otto dá um exemplo.
“- Acabei de comprar no sebo um exemplar encadernado com uma seleção da correspondência de Machado de Assis, da editora Jackson, de 1955. Tenho outra edição do mesmo texto e sei que aquela tem uma série de descuidos. Porém, o tipo de papel, a tinta, a encadernação e até o cheiro me agradam, me fazem reencontrar o jovem Otto Lara Resende que, há tantos anos, leu aquela coleção. Se esse exemplar se apegar a mim, ficará comigo. Ainda não sei como vai ser.”
É engraçado, mais sou uma das pessoas mais bagunceiras e desorganizadas que conheço, menos com os meus livros. Esse é um assunto extremamente sério para mim. Eu admito sou meio neurótica e obsessiva com os livros, cuido com todo carinho. Às vezes costumo fazer anotações nas margens, ou sublinhar, mas esse hábito é mais comum nos livros da faculdade e em geral não escrevo nos meus outros livros.Uma vez por mês tiro pó e os arrumo, gostaria de fazer isso com mais freqüência, mas não tenho tempo. Alguns anos atrás fui fazer um retiro durante o fim-de-semana, quando voltei a faxineira tinha estado aqui em casa e ao arrumar meu quarto e tirar o pó das estantes ela resolveu reorganizar meus livros, os arrumou por ordem de cor e altura... Falei tanto, mais tanto nos ouvidos da minha mãe que agora a faxineira só entra no meu quarto se eu estou em casa.
A minha neurose tem alguns inimigos, aliás, eu moro com o inimigo. Por uma ironia do destino, minha família que é extremamente organizada e metódica em tudo, trata com desleixo os livros. Criei uma teoria da conspiração na qual minha família estava competindo para ver quem conseguia me deixar mais nervosa maltratando meus livros.
Minha avó ganhou apenas uma menção honrosa, ela estava lendo o meu exemplar do livro Ramsés – O Filho da Luz e usando a orelha do livro como marcador. Em favor da minha avó posso dizer que ela tem 76 anos e que quando reclamei, ela pegou um pedaço de papel e passou a usar como marcador.
A medalha de bronze foi para o meu tio, que recentemente doou alguns livros meus que estavam emprestados com ele para uma casa de menores carentes. Só não ganhou a medalha de ouro por esse belo gesto porque fez essa doação afinal de contas foi para uma instituição filantrópica e porque também doou alguns livros dele.
A medalha de prata foi para minha mãe que estava lendo meu exemplar do livro Lucrecia Bórgia (414 páginas) na praia, após dar um mergulho no mar pegava no livro com as mãos molhadas e esforço dos esforços, conseguiu dobrar o livro como se fosse uma revista.
Finalmente, a medalha de ouro foi para meu irmão Arthur, pelo conjunto da obra. Já perdi as contas de quantos livros meus ele já perdeu direta ou indiretamente. Diretamente esquecendo livros meus que ele estava lendo em algum lugar como metro, faculdade ou Gibimania. Indiretamente emprestando meus livros para amigos que nunca devolvem.
Alguns anos atrás li um artigo bastante interessante, com o qual me identifiquei, sobre o relacionamento das pessoas com seus livros. O artigo é da revista Diálogo Médico. Vou copiar um tracho em especial para vocês. Espero que gostem.

PS: Não sei quem é o autor do referido artigo...
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"Assim como, quando amamos alguém - pai ou filho, amigo ou namorada- gostamos não apenas do interior da pessoa, mas também de sua fisionomia, suas mãos, seu modo de caminhar, os grandes amantes da literatura prezam não só o conteúdo imaterial e abstrato que um volume impresso veicula. Quem gosta de ler tem um carinho especial pelo livro em si, pelo objeto feito de tinta, papel e barbante fino, sem o qual não existiria a comunicação entre escritor e leitor, através do espaço e do tempo.
Diálogo penetrou na intimidade do relacionamento entre livros e seus apaixonados, ouvindo alguns daqueles que, obrigatoriamente, fazem parte dessa categoria - os escritores. Marina Colasanti, Otto Lara Resende, Carlos Eduardo Novaes e Cláudio Mello e Souza abordaram alguns aspectos de sua convivência com esses entes quase vivos que ocupam suas estantes, mesas de trabalho e importante parte em suas vidas.
Apego Inevitável
Já que o livro e a obra que ele contém se fundem no coração dos integrantes, cada vez mais raros, da tribo de amigos de livros, apego, ciúme e possessividade são sentimentos que, considerados negativos e causadores de problemas em outros relacionamentos, no que toca ao livro tornam-se inevitáveis e compreensíveis. A suposição, quase sempre confirmada, de que jamais lerá aquele livro de novo não consiste, para o leitor inveterado, em motivo palpável para dele se desfazer, pois aquilo que se estima jamais é descartável. Ainda que sem utilidade imediata, a aproximidade das páginas que guardam mundos inteiros representa a possibilidade de retorno a eles sempre que se desejar; a simples contemplação das lombadas proporciona prazer e sensação de companhia.
Por tudo isso, não emprestar nem pedir livro emprestado é quase um código da confraria dos amantes das letras. Quem o transgride, jamais verá o empréstimo de volta (reza a convicção absoluta do grupo) e, no segundo caso, por certo ouvirá um “não”.
Cláudio Mello e Souza e Marina Colasanti são não-emprestadores ortodoxos.
- Não peço porque tenho medo de perder ou estragar por acidente e não empresto porque nunca devolvem. Tenho um exemplar de Dom Casmurro, de Machado de Assis, todo cheio de anotações preciosas, que está há seis anos com um amigo – reclama Cláudio. “Livro para mim é ferramenta de trabalho”, justifica Marina.
Já Otto Lara Resende e Carlos Eduardo Novaes abrem concessões. Emprestam – ou melhor, dão, já que não esperam pelo prometido retorno – o que não for de estrita estimação. “Só faço questão de conservar o que preciso para consulta, mas não tenho nada tão precioso que mereça ficar sob sete chaves”, comenta Novaes.
“Não sou ávro, nem colecionador e, se o livro não é raro nem especialmente querido, digo a quem pede emprestado: pode ficar. Se devolvem, me surpreendo’, diz Otto. É claro que exemplares dedicados e autografados, muitos por grandes escritores que já se foram, como Guimarães Rosa, Manuel Bandeira e Drummond, não saem de suas estantes – “assim como outros que são meus amigos e fazem parte do meu ambiente”, acrescenta.
A distinção entre o que é ou não de estimação depende, segundo Otto, do desenrolar de sua relação com cada livro que lhe chega às mãos. Pois a transação entre leitor e leitura ocorre, garante ele, em mão dupla. “Não é só o leitor que escolhe o livro. Este também o procura. Tanto que, às vezes, tentamos ler um livro e ele parece nada nos dizer. Anos mais tarde, o redescobrimos e acontece o encontro”.
Cláudio Mello e Souza também percebe essa reciprocidade. “O livro é um ente muito parecido com o homem. Ala, pensa, solicita, suscita dúvidas e nos deixa marcas, como deixamos nele”.
Algumas vezes a substância física de um livro torna-se até mais importante do que a obra. Otto dá um exemplo.
“- Acabei de comprar no sebo um exemplar encadernado com uma seleção da correspondência de Machado de Assis, da editora Jackson, de 1955. Tenho outra edição do mesmo texto e sei que aquela tem uma série de descuidos. Porém, o tipo de papel, a tinta, a encadernação e até o cheiro me agradam, me fazem reencontrar o jovem Otto Lara Resende que, há tantos anos, leu aquela coleção. Se esse exemplar se apegar a mim, ficará comigo. Ainda não sei como vai ser.”