Melian
Período composto por insubordinação.
"Nunca escrevi, sou apenas o tradutor de silêncios." - Mia Couto.
Não quero me colocar como uma conhecedora das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, muito menos como uma tradutora dessas silenciadas Literaturas. Quero, antes de mais nada, esclarecer que sou apenas uma pessoa que se interessa por ler a tradução desse silêncio, que tem a curiosidade de ouvir esse silêncio.
Tópico para indicações de (e discussões sobre) obras de autores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.
Antes de indicar alguns escritores - o que devo fazer em outro post -, quero pontuar alguns aspectos importantes sobre as Literaturas Africanas:
1) Por que uma Literatura que visa, dentre outras coisas, à (re)construção da identidade nacional é escrita na língua do colonizador?
Por diversos motivos, dentre eles, eu diria que por uma opção estética, uma opção pela criação de uma "Literatura Menor", que, segundo DELEUZE & GUATARI é aquela que uma minoria faz em uma língua maior. Isto é, o escritor africano utiliza a língua do colonizador, a Língua Portuguesa, para externar a sua maneira de pensar, inscrevendo, no texto, pistas que remontam à identidade cultural híbrida do país (há, na literatura africana, uma presença muito forte da oralidade na escrita, o que, por vezes, é rememorado quando se compara a obra de escritores africanos à de Guimarães Rosa), denunciando, por vezes de forma irônica, as mazelas da sociedade.
Ao mesmo tempo em que se busca um processo revolucionário, de um lado, preservar as línguas nacionais, assegurando-lhes espaços concretos de fala, também se fazia necessário operacionalizar meios que garantissem um domínio mais eficaz da língua da colonização, base da expressão literária que visava ao atingimento dos dois públicos. O plurilinguísmo dessa literatura parece revelar o movimento nos dois sentidos, ou seja, na busca da originalidade da cultura autóctone e na manutenção da língua da colonização, marca da presença cultural do outro. Disso resulta um 'entrelugar'.
2) Como a morte é vista na Literatura Africana?
Aqui, antes de qualquer explicação, é necessário citar Laura Padilha (renomada estudiosa de Literatura Africana), quando ela propõe um conceito para Ancestralidade: a essência de uma visão que os teóricos das culturas africanas chamam de visão negro-africana do mundo. Tal força faz com que os vivos, os mortos, o natural e o sobrenatural, os elementos cósmicos e os sociais interajam, formando os elos de uma mesma e indissolúvel cadeia significativa [...] Intermediando o vivo e o morto, bem como as forças naturais e as do sagrado, estão as dos ancestrais, ou seja, os antepassados que são ‘o caminho para superar a contradição que a descontinuidade da existência humana comporta e que a morte revela brutalmente.
É impossível estudar a Literatura Africana dissociada da configuração cultural. Estamos falando de uma sociedade em que os velhos são respeitados. Digo, são muito respeitados. Sabem o côro, das Tragédias gregas? Tipo, ele têm a função de demonstrar a sabedoria, não é? Assim são os velhos nas sociedades africanas tradicionais. Eles são os detentores da sabedoria. Cabe a eles passarem essa sabedoria para os mais novos. Na Literatura clássica, Atena é deusa da sabedoria, não é? Na Literatura Africana, os velhos cumprem esse papel.
A Morte... esvaziemo-nos das nossas concepções sobre a morte. Para os africanos, como eu já disse, por intermédio da citação da Laura Padilha, a morte constitui um diálogo com a vida. Ela não é 'o fim'. Em julho de 2007, assisti a uma palestra de Mia Couto (escritor Moçambicano), na UFMG. Uma menina perguntou-lhe: "Clarice Lispector dizia que a morte era personagem de suas obras. Seria assim na Literatura Africana?" Ele respondeu: "Não. A morte não é uma personagem nas obras da literatura africana. As personagens das obras de literatura africana estão mortas. Ou vivas de outra maneira".
Não quero me colocar como uma conhecedora das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, muito menos como uma tradutora dessas silenciadas Literaturas. Quero, antes de mais nada, esclarecer que sou apenas uma pessoa que se interessa por ler a tradução desse silêncio, que tem a curiosidade de ouvir esse silêncio.
Tópico para indicações de (e discussões sobre) obras de autores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.
Antes de indicar alguns escritores - o que devo fazer em outro post -, quero pontuar alguns aspectos importantes sobre as Literaturas Africanas:
1) Por que uma Literatura que visa, dentre outras coisas, à (re)construção da identidade nacional é escrita na língua do colonizador?
Por diversos motivos, dentre eles, eu diria que por uma opção estética, uma opção pela criação de uma "Literatura Menor", que, segundo DELEUZE & GUATARI é aquela que uma minoria faz em uma língua maior. Isto é, o escritor africano utiliza a língua do colonizador, a Língua Portuguesa, para externar a sua maneira de pensar, inscrevendo, no texto, pistas que remontam à identidade cultural híbrida do país (há, na literatura africana, uma presença muito forte da oralidade na escrita, o que, por vezes, é rememorado quando se compara a obra de escritores africanos à de Guimarães Rosa), denunciando, por vezes de forma irônica, as mazelas da sociedade.
Ao mesmo tempo em que se busca um processo revolucionário, de um lado, preservar as línguas nacionais, assegurando-lhes espaços concretos de fala, também se fazia necessário operacionalizar meios que garantissem um domínio mais eficaz da língua da colonização, base da expressão literária que visava ao atingimento dos dois públicos. O plurilinguísmo dessa literatura parece revelar o movimento nos dois sentidos, ou seja, na busca da originalidade da cultura autóctone e na manutenção da língua da colonização, marca da presença cultural do outro. Disso resulta um 'entrelugar'.
2) Como a morte é vista na Literatura Africana?
Aqui, antes de qualquer explicação, é necessário citar Laura Padilha (renomada estudiosa de Literatura Africana), quando ela propõe um conceito para Ancestralidade: a essência de uma visão que os teóricos das culturas africanas chamam de visão negro-africana do mundo. Tal força faz com que os vivos, os mortos, o natural e o sobrenatural, os elementos cósmicos e os sociais interajam, formando os elos de uma mesma e indissolúvel cadeia significativa [...] Intermediando o vivo e o morto, bem como as forças naturais e as do sagrado, estão as dos ancestrais, ou seja, os antepassados que são ‘o caminho para superar a contradição que a descontinuidade da existência humana comporta e que a morte revela brutalmente.
É impossível estudar a Literatura Africana dissociada da configuração cultural. Estamos falando de uma sociedade em que os velhos são respeitados. Digo, são muito respeitados. Sabem o côro, das Tragédias gregas? Tipo, ele têm a função de demonstrar a sabedoria, não é? Assim são os velhos nas sociedades africanas tradicionais. Eles são os detentores da sabedoria. Cabe a eles passarem essa sabedoria para os mais novos. Na Literatura clássica, Atena é deusa da sabedoria, não é? Na Literatura Africana, os velhos cumprem esse papel.
A Morte... esvaziemo-nos das nossas concepções sobre a morte. Para os africanos, como eu já disse, por intermédio da citação da Laura Padilha, a morte constitui um diálogo com a vida. Ela não é 'o fim'. Em julho de 2007, assisti a uma palestra de Mia Couto (escritor Moçambicano), na UFMG. Uma menina perguntou-lhe: "Clarice Lispector dizia que a morte era personagem de suas obras. Seria assim na Literatura Africana?" Ele respondeu: "Não. A morte não é uma personagem nas obras da literatura africana. As personagens das obras de literatura africana estão mortas. Ou vivas de outra maneira".